Manuel Bandeira escreveu um dos refrões nacionais quando
ansiou por estar em Pasárgada, onde era amigo do Rei. É o que todos nós
queremos. Até dispensaríamos os outros atrativos da terra sonhada pelo poeta –
ginástica, bicicleta, burro brabo, pau-de-sebo, banho de mar, beira de rio e
mulher desejada na cama escolhida – se tivéssemos a consideração de nosso
amigo, o Rei.
Para alguns, ser amigo do Rei significa ter influência no
governo, qualquer governo. Para outros, significa ter dado o passo mágico com o
qual, no Brasil, os que estão por fora passam para dentro. Ter transposto o
balcão que separa os que atendem mal dos que são mal atendidos pelo Estado.
O serviço público é a Pasárgada de muita gente, mesmo que,
ao contrário da Pasárgada de Bandeira, não tenha tudo nem seja outra
civilização – seja um serviço mal pago com poucos privilégios. Não importa –
está-se ao lado do Rei, livre da danação de ser apenas outro cidadão
brasileiro.
A amizade do Rei é desejável justamente porque, num país
como o Brasil, não basta ser cidadão para ter direitos de cidadão. Nossa grande
ânsia por Pasárgada vem desta consciência do Estado não como algo que nos
serve, mas como um clube de poucos, do qual é preciso ser membro porque a
alternativa é ser sua vítima. Outra Pasárgada é a terra do dinheiro e do
pistolão, dos que podem olhar as filas do SUS e a miséria à sua volta como se
olhassem outro país, no qual felizmente não vivem.
Agora, Pasárgada mesmo, Pasárgada além da sonhada, é não
ser só amigo do Rei, é ser da sua corte. Ser da minoria dentro da minoria que
desmanda no país. Estar no centro dessa teia de cumplicidade tácitas que
sobrevive a toda retórica reformista e enreda, suavemente, quem chega a ela,
por mais bem-intencionado que chegue. É uma confraria sem estatutos ou regras
claras, uma confraria que nem bem conhece a si mesma. Você só sabe que está em
Pasárgada, e que é bom.
Como existem cemitérios de boas intenções, descartadas na
entrada da corte! O truísmo que todo poder corrompe tem sua versão brasileira:
aqui o poder, além de corromper, ameniza. Até os meliantes presos são
considerados “guerreiros da nação” porque são amigos do Rei.
Para os inimigos do Rei, os fodidos e mal pagos, nosotros
que nos chamamos legião, resta apenas o artifício de bater latas, para
perturbar a paz da realeza. Domingo é o dia!
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