No dia 20 de agosto, o jornal gaúcho ZH publicou a crônica
em que Luis Fernando Verissimo informa que não vê diferenças entre
manifestações de rua contra o governo e matilhas de vira-latas. No mesmo dia, a leitora Rosália Saraiva, que
foi professora das filhas do patriarca dos humoristas estatizados, encaminhou
ao blog do jornalista Políbio Braga uma carta endereçada ao pai das ex-alunas.
A resposta, merecidíssima, é de envergonhar até quem perdeu a vergonha de vez.
O rosnado de Verissimo nasceu do medo. O fim da era
lulopetista pode custar-lhe a liderança que ocupa no ranking dos autores mais
didáticos do Ministério da Educação. Esse possível rebaixamento na lista dos
escritores federais oferece motivos de sobra – milhões de motivos – para que um cachorrinho de madame vire candidato a pitbull de quadrilha. Talvez sossegue
algum tempo depois do troco, reprisado abaixo, que uma valente professora lhe
aplicou no fígado. Confira. (AN)
Prezado LF Verissimo:
Na crônica com o título ‘O Vácuo’, comparaste os manifestantes
contra o governo aos cachorros vira-latas que, no passado, corriam atrás dos
carros, latindo indignados. Dizes que nunca ficou claro o que os cães fariam
quando alcançassem um carro, por ser uma raiva sem planejamento. E que os cães
de hoje se modernizaram, convenceram-se de seu próprio ridículo, renderam-se ao
domínio do automóvel.
Na tua infeliz e triste comparação, os manifestantes de hoje
são vira-latas obsoletos sitiando um governo que mais se parece com um Fusca
indefeso, que sabem o que NÃO querem – Dilma, Lula, PT – mas não pensaram bem
NO QUE querem no seu lugar. Como um velho e obsoleto cachorro vira-lata, quero
te latir (não sei se entendes a linguagem de cachorros) algumas coisas:
1. Independentemente das motivações de cada um, tenho
certeza de que todos os cachorros na rua correm em busca dos sonhos perdidos,
que, em 13 anos, foram sendo atropelados não por um Fusca indefeso, mas por um
Land Rover de corrupção, imoralidades, mentiras, alianças políticas espúrias,
compras de pessoas, impunidade, incitação à luta de classes, compra de votos
com o Bolsa Família , desrespeito e banalização da vida pela falta de segurança
e de atendimento digno à saúde, justiça falha, etc, etc.
2. Se os cachorros se modernizaram e pararam de correr atrás
do carro, não foi por se convencerem do próprio ridículo. Foi porque não
conseguiram nunca alcançar os carros e isso os desmotivou. Falta de
planejamento, concordo. Mas os cachorros de agora aprenderam que se correrem
juntos, unidos, latindo bastante atrás do carro, cada vez mais e mais, de novo
e de novo, chegará uma hora em que o motor vai fundir. Eles vão alcançar o
carro. O motorista vai ter que descer do carro e outro assumirá. Pior do que
está não vai ficar, embora o conserto vá demorar muito. Não vai ser fácil, mas
os vira-latas vão conseguir se organizar, pelo voto. Não pela ditadura.
3. Não é verdade que o latido mais alto entre os cachorros
foi o de um chamado Bolsonaro. Acho que estavas na França gozando das delícias
de um croissant na beira do Sena (enquanto os vira-latas daqui corriam atrás do
osso perdido) e não viste os vídeos das manifestações. Se bem que a TV Globo e
o Datafolha também não enxergaram nada. O que mais cresceu na manifestação foi
uma certeza, a certeza que vai fazer esse país mudar: com essa Land Rover
desgovernada não dá mais. Os cachorros com seus latidos unidos jamais serão
vencidos. E sabem que mais dia, menos dia, esse carro vai parar. É assim que
começa, pena que eles não acreditem. Não vai ter mais dinheiro pra comprar
brioches para o povo. E o número de vira-latas vai aumentar muito. Quem
comandará a corrida? Não sei, só sei que prefiro ser um vira-lata à moda antiga
do que um vira-lata moderninho que se rende a uma Land Rover.
4. Te enganas quando dizes que os cachorros de antes corriam
atrás dos carros porque a luta era outra. Não, a luta é a mesma, o contexto é
diferente. Os cachorros não querem um passaporte bolivariano. O vácuo vai ser
preenchido, não te preocupes. Por quem for necessário e aceito, desde que não
seja pelo exército do Stédile.
5. Em tempo: essa vira-lata que te fala foi professora das
tuas filhas no antigo e admirável Instituto de Educação. Lá aprendi que é
importante latir não por latir, mas para defender os sonhos possíveis. E tuas
filhas devem ter aprendido muita coisa com os meus latidos. Continuo latindo,
agora na rua, para derrubar o que acredito ser um mal nesta nação arrasada: a
corrupção e, mais do que isso, um governo corrupto, que perdeu totalmente a
vergonha. Eles criaram um “vácuo” de imoralidade e de incompetência que vai ser
difícil de recuperar. Mas, vamos conseguir!
Atenciosamente, auauau.
Rosália Saraiva
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