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segunda-feira, janeiro 24, 2011

Causos de Bambas: Mororó


À maneira da Feira da Providência, no Rio de Janeiro, a encenação da Paixão de Cristo no Teatro José Alencar, em Fortaleza, capital do Altissonante e Heróico Estado (sobretudo de espírito) do Ceará, reunia a fina flor dos socialites do povo dos Verdes mares do Nordeste Ocidental.

Ano após ano, o palco da famosa casa de espetáculos transcendia o espírito pagão do “Demônio Familiar”, de “Édipo-Rei”, de “A Megera Domada” e subia aos céus conduzindo a prece de dezenas de figurantes colhidos – como convém à fina flor – entre as melhores famílias da capital. Não fosse Fortaleza sede de Arcebispado.

E, ano após ano, quem vestia centuriões, filisteus, mercadores e o povo de Jerusalém Libertada era Mororó, o Clodovil de lá, só que, dizem, muito mais chic.

E de graça, claro. Dessa forma, expiavam-se culpas.

Governo, Virgílio Távora. Ano, 1962.

Sabedor que a primeira-dama, D. Luiza Távora, estaria presente na front row (fila do gargarejo) do teatro, Mororó exigiu:

– Quero um papel na Paixão de Cristo!

– Um papel, como assim? - indagaram os diretores da peça.

No meio do povo, o modista não queria. Entre os Filisteus, nem pensar. Centurião rebolando? Só se quisessem ser excomungados pelo arcebispo. Aquela era uma peça séria.

– Sinto muito, Mororó, mas sem chance... - avisaram

O modista ficou puto:

– Quer dizer que não tem um papel pra mim? Então, não tem roupa pra ninguém!

Confabulou-se e depois de serões e serões decidiu-se dar ao Mororó o pequeno – e rápido – papel de Pôncio Pilatos.

Uma só fala, mas a atenção geral voltada para o prefeito da província romana da Judéia.

Veriam que Pôncio Pilatos!

Mororó teceu sua toga à maneira de Clovis Bornay, o esplendoroso campeão mundial da fantasia carnavalesca.

Sedas de Ormuz, ourelas de puros fios de ouro, sandálias de couro de cabra do Mestre Carrapato, herdeiro das artes do ex-marido de Maria Bonita, e jarro e bacia cinzelados por Th. Germain em 1720, emprestados por uma avó, moradora no Rio de Janeiro.

Veriam o Pôncio Pilatos lavando a mão!

Vamos direto a tragédia:

Judas beijou o Nazareno, os centuriões encanaram-no, o prefeito foi procurado para ajuizar a questão.

O dia e a hora de Mororó!

Solene, ouviu as razões dos sacerdotes da situação, o coro “Barrabás! Barrabás!” gritado pela estudantada adrede preparada nas torrinhas da veneranda casa de dramaturgias e, com jarro e bacia Th. Germain ao alcance da mão, ergueu-se para concitar o ânimo da plebe:

– O que quereis de mim, ó Farisesu?

Os mesmos estudantes que defendiam – a soldo – Barrabás, berraram uníssonos:

– O cu, Mororó!

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