Espaço destinado a fazer uma breve retrospectiva sobre a geração mimeográfo e seus poetas mais representativos, além de toques bem-humorados sobre música, quadrinhos, cinema, literatura, poesia e bobagens generalizadas
Pesquisar este blog
terça-feira, janeiro 25, 2011
Uma Temporada no Inferno (Parte 1)
No dia 28 de outubro de 1637, o português Pedro Teixeira deixou o porto de Cametá, perto de Belém, no Pará, com 45 embarcações, 87 soldados e 1.200 índios remadores, para uma viagem de dois anos e 44 dias, até Quito, no Equador.
Em Quito, foi recebido pelos espanhóis do governo local “com simpatias ostensivas e desconfiança disfarçada”, conforme relatos da época.
No regresso, confirmaria as suspeitas: no encontro dos rios Aguarico e Napo, ponto da atual fronteira Brasil-Peru, colocou marco de posse em nome do governo português, num gesto que deslocava o meridiano de Tordesilhas para milhões de quilômetros quadrados a oeste e depois significaria a incorporação ao território brasileiro de quase metade de sua área atual.
Em julho de 1993, o ex-deputado federal Océlio de Medeiros resolveu fazer a mesma rota de Pedro Teixeira.
Ele construiu uma réplica da nau capitânia de Pedro Álvares Cabral, equipou-a com os mais modernos sistemas de navegação e, na companhia de 14 tripulantes, saiu de Belém com destino a Quito, no Equador.
A única mulher a bordo da caravela era uma ninfeta de formas esculturais, Elizabeth Skyarnaviciyz, que o setentão Océlio apresentava como se fosse sua filha.
Nas internas, a tripulação desconfiava estar rolando um romance “incestuoso” entre os dois.
A pequena caravela fez uma pequena parada na ilha de Parintins, para um encontro informal entre o navegante e o clã dos Medeiros, que vive no município.
O folclorista Tonzinho Saunier (foto) encontrou casualmente o compositor Carlos Paulain em um boteco e foi logo dando a boa-nova:
– Rapaz, vai ter um almoço com os Medeiros lá na caravela e eles me convidaram. Vamos lá, que só de tartarugas eles mataram cinco...
Paulain, que não tinha mesmo nada pra fazer, resolveu acompanhar o amigo na condição de “convidado do convidado”.
Tonzinho, que sabia do ímpeto polemista do compositor, deu outra dica:
– Rapaz, tu fica na tua, que nós só vamos observar o ambiente. Em festa de macuco, jacu não pia!...
Os dois tomaram assento na imensa mesa situada no convés, sentando-se lado a lado.
Na mesa, já estavam os irmãos Marco Aurélio, Toni e Inaldo Medeiros, o tio de ambos e ex-deputado estadual, Geraldo Medeiros, e o primogênito de Geraldo, o adolescente Henrique.
A tripulação providenciou copos de cristal, baldes de gelo, potinhos de caviar, camarões cozidos no vapor e três garrafas de Johnnie Walker Black. A tertúlia prometia.
Depois de algum tempo, Océlio surgiu no convés abraçado com a ninfeta, e apresentou-a como sendo sua filha para cada um dos presentes.
Observando o short minúsculo da menina e os peitinhos querendo sair da miniblusa, Tonzinho sussurrou pra Paulain:
– Ele pensa que a gente somos besta, mas fica na tua, não te mete! Tá na cara que ele tá comendo a fruta... Mas fica na tua, não te mete! Barata que tem juízo não atravessa galinheiro...
Océlio e Elizabeth tomaram assento à mesa. O escritor começou a explicar para os presentes o motivo da viagem, enquanto a turma começava a encher a cara de uísque.
Meia hora de conversa e duas garrafas de uísque depois, Toni Medeiros (foto) apertou o parente:
– Ô Océlio e a nossa família, rapaz? Fala um pouco das nossas origens...
– Olha, Toni, nós somos todos de uma mesma raiz europeia, que se espalhou pelo Brasil inteiro. Em todo canto que a gente anda, a gente topa com um Medeiros. É engraçado isso, né, não?...
Antes que Toni respondesse, Océlio fez um sinal e a tripulação começou a servir os acepipes: sarapatel de tartaruga, paca no leite da castanha, galinha à cabidela, pirarucu de casaca, refogado de frutos do mar, pato no tucupi, camarão à baiana, moqueca de caranguejo, arroz de puçá, mixira de peixe-boi e tambaqui na brasa. Era comida para um batalhão.
Durante o almoço, Toni continuou insistindo:
– Ô Océlio e a nossa família, rapaz? Deixa de ser escroto e fala um pouco das nossas origens... Quer dizer que nós viemos da Europa, é? Pô, de repente a gente tem sangue de cavaleiro templário e nem está sabendo... Vamos lá, parente, mata essa nossa curiosidade...
– Olha, Toni, é melhor nós não falarmos sobre isso, que não é muito legal, não... – desconversou Océlio.
– Não, parente, deixa de onda e fala um pouco das nossas raízes – continuou Toni Medeiros. “Eu sei que você é um pesquisador sério e que tem muitas informações pra passar pra gente. Desembucha, parente, diz aí como foi que a nossa família surgiu... Explica como foi que nós saímos do Velho Continente e viemos parar aqui nesse fim de mundo...”.
Tonzinho Saunier, com aquele risinho sarcástico que o transfigurava em Macunaíma, limitava-se a sussurrar pra Paulain:
– Tu não te mete! Tu não te mete! Macaco que muito pula tá querendo levar chumbo...
– Olha, gente, eu não gostaria de tocar nesse assunto porque a nossa história não é muito bonita não! – Océlio tentou sair pela tangente mais uma vez.
– Porra, parente, não tem nada a ver! Deixa de subterfúgios e conta logo essa história! – disparou Toni Medeiros, já demonstrando irritação.
– Bom, sendo assim... Olha, então é o seguinte... Eu vou contar, mas não vão ficar brabos comigo, hein?... Nada disso foi inventado... É tudo fruto de pesquisa nas principais bibliotecas do planeta...
Tonzinho Saunier, cada vez mais transfigurado em Macunaíma, voltou a sussurrar pra Carlos Paulain (aí na foto, ao meu lado):
– Te aprepara! Te aprepara! É agora que a jiripoca vai piar...
Océlio tomou uma dose de uísque puro, limpou os óculos na miniblusa da ninfeta, examinou as lentes contra o sol, recolocou no rosto e começou:
– Bom, como todos vocês devem saber, nós viemos da Europa na mesma época em que a Família Real fugiu para o Brasil. O nosso sobrenome não existia na Europa, ele surgiu aqui mesmo e é fruto da junção de dois outros nomes. Quando os nossos parentes chegaram aqui, uma parte se estabeleceu no Nordeste e outra parte na capital do Império, no Rio de Janeiro. A parte da nossa família que ficou no Nordeste, como tinha baixa instrução, foi trabalhar na fazenda dos portugueses ricos. Eles passavam o dia carregando merda de gado para adubar as hortas das fazendas. Então, essa parte da nossa família recebeu o nome de “merdeiros”, porque carregavam merda...
Fingindo que estava se abaixando pra pegar uma colher no chão, Tonzinho sussurrou mais uma vez pra Paulain:
– Eu num te falei?... Eu num te falei?...
Océlio tomou uma nova dose de uísque puro e retomou a conversa sobre a saga da família.
– Aqueles nossos parentes que foram para o Rio de Janeiro eram eméritos espertalhões, que não queriam nem ouvir falar em trabalho. Na Europa, eles viviam de pequenos golpes, trambiques, jogos de azar, apostas arranjadas, estelionato e outras vigarices. No Brasil, eles logo entraram no ramo de falsificação de moedas e, por causa disso, foram apelidados de “moedeiros”. Aí, da união dos “merdeiros” com os “moedeiros”, nasceram os Medeiros.
O ex-amo do boi Garantido estava lívido. Os demais Medeiros não sabiam onde esconder a cara.
Fingindo que estava se abaixando pra pegar outra colher no chão, Tonzinho sussurrou mais uma vez pra Paulain, fazendo força para não cair numa gargalhada desmoralizante:
– Só deu pro cu dele! Só deu pro cu dele!...
A continuação do almoço transcorreu num autêntico clima de velório.
Na mesma noite, talvez temendo uma represália dos Medeiros, Océlio abriu as velas, levantou âncora e abandonou a ilha de Parintins em direção a Manaus.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário