Espaço destinado a fazer uma breve retrospectiva sobre a geração mimeográfo e seus poetas mais representativos, além de toques bem-humorados sobre música, quadrinhos, cinema, literatura, poesia e bobagens generalizadas
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terça-feira, janeiro 25, 2011
Uma Temporada no Inferno (Parte 2)
Falecido em Brasília, em março de 2008, aos 91 anos, o escritor, poeta, professor universitário, advogado e ex-deputado federal Océlio de Medeiros foi um homem que viveu além de seu tempo.
Segundo o jornalista Élson Martins, um de seus amigos mais chegados, ele era neto de Benedito Monteiro, um dos coronéis da Revolução Acreana de 1903, e dedicou mais de 50 anos à pesquisa sobre Plácido de Castro.
Tendo nascido em 1917, Océlio foi contemporâneo de Jarbas Passarinho, Armando Nogueira e Jorge Kalume, na Xapuri dos anos 20.
O pai, Felipe Medeiros, exerceu a função de juiz de Direito no tempo em que ser juiz chamava atenção, mais pela dignidade e sabedoria jurídica que pelo salário que recebia ou por exercer o poder de mandar cidadãos pobres para a cadeia.
Menino “levado” da época, ele foi entregue aos padres, que prometeram salvar sua alma através da fé religiosa (falharam, claro!).
Depois, os pais o mandaram de navio gaiola para um colégio em Belém, que formava professores normalistas.
Dali, freqüentando aulas no meio de um monte de mulheres bonitas, saiu mais assanhado do que nunca para o Rio de Janeiro, onde cursou direito e trabalhou como repórter em vários jornais cariocas.
Pedagogo, foi professor no Pará e, no retorno ao Acre, foi diretor de Educação, na década de 40, quando também ocupou o cargo de diretor da Imprensa Oficial do Estado.
Océlio também prestou serviço como auxiliar de Gabinete Civil dos presidentes Eurico Dutra, Café Filho, Nereu Ramos e Juscelino Kubitscheck.
Ele foi delegado do Tesouro Nacional em Nova York, de 1950 a 1955, e consultor jurídico da extinta Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA).
Océlio de Medeiros publicou vários livros, primeiro nas áreas de Direito e Economia: “Governo Federal no Brasil”, “Reorganização Municipal”, “A Organização e Administração dos Territórios Federais”, “Problemas Fundamentais dos Municípios Brasileiros” e “The Brazilian Plan for the Economic Development of the Amazon Region”.
Nesse contexto, ele era considerado uma referência nacional em Direito Municipal, citado em várias obras jurídicas sobre o tema.
Professor da Universidade de Brasília (UnB), Océlio lecionou ao lado de Aliomar Balieiro, especialista em Direito Tributário.
Mais tarde, começou a publicar livros de crônicas, romances e poesias: “Jamaxi, a Poesia do Acre”, “Desde Quando o Verde era Mais Verde”, “Ante o Conflito de Culturas e o Confronto das Estruturas”, “Bolpebra (Opereta Bagunçada)”, “Mirações Acre, na Gleba de Oração da Ayuasca” e “Só Sonetos”, entre outros.
Eleito duas vezes deputado federal pelo Pará, foi cassado no começo do segundo mandato, pelo Ato Institucional nº 1, de 1964, e se exilou nos Estados Unidos, onde obteve os títulos de Master e PhD em Ciências Jurídicas.
O item mais destacado de seu currículo, no entanto, foi o que marcou sua passagem de volta ao Acre no final dos anos 30 e começo dos 40, como delegado do Ministério da Educação.
Ele procurou revolucionar o ensino mexendo num ninho de vespas da administração do então Território Federal do Acre.
Caluniado, acusado de taras sexuais e de outras modas estranhas (ou exclusivas) do meio, foi expulso da terra e como vingança escreveu o romance “A Represa” (1942), que o tornou eternamente maldito para as elites acreanas de todos os tempos.
Sempre apoiado numa muleta com cabeça de onça, mas incansável e exibindo energia incomum em quem se aproximava dos cem anos de idade, o escritor e jurista sempre dava um jeito de visitar Rio Branco, onde fuçava a cidade inteira revendo pessoas, falando de seus livros e poemas, propondo novos desafios para quem admirasse o que fez e ainda fazia em sua vida belicosa.
Aqui e ali, ele voltava a um tema muito recorrente em sua imaginação fértil, ou seja, a revolucionária conquista do Acre no começo do século passado.
Embora repetisse sempre que convém respeitar os mitos, chamava a atenção para a cintura fina e para o uniforme extremamente justo do herói Plácido de Castro...
E como experiente criminalista, explicava os detalhes da emboscada que o fulminou em agosto de 1908, a tiros de fuzil.
Océlio era um intelectual diferente. “O perfil dele era o de um anarquista”, diz o jornalista Élson Martins sobre o homem que não se enquadrava nas codificações ideológicas vigentes, mas assustava o regime da época, que o cassou e o perseguiu.
O coração solidário acabaria por gerar tantos desafetos que houve tempo em que só andava acompanhado de seguranças.
Ele foi o primeiro advogado a encarar os paulistas, os fazendeiros migrantes que deram início à substituição da floresta por pastagem no Vale do Acre.
Chegou a ser indicado como candidato a governador pelo PT na década de 1980, no auge dos embates com os paulistas.
No início de agosto de 1993, durante sua viagem de Cametá, no Pará, a Quito, no Equador, Océlio Medeiros fez uma escala técnica em Manaus.
Ele aproveitou a pausa para tentar encenar na cidade uma peça teatral de sua autoria, “A Amazônia Não É Exceção”, um drama satírico-ecológico sobre a saga dos “uasqueiros”, como ele chamava os adeptos da seita que cultua o “uasca” (ayahuasca), bebida também conhecida como “cipó das almas”, “mariri”, “vegetal” e “santo daime”.
Desde o cenário, reproduzindo uma clareira em meio à floresta, até o hinário original da seita, “A Amazônia Não É Exceção” expunha com todas as cores e sons o mundo parcialmente inexpugnável dos uasqueiros.
Um mundo que Océlio Medeiros, quando menino, em 1927, viu o seu próprio pai, que era juiz, mandar fechar por ordem do Governo Federal.
Por uma dessas ironias do destino, Océlio, quando exercia regularmente a advocacia, foi procurado pelos praticantes do ritual para que impetrasse um mandado de segurança que retirasse o “uasca” da clandestinidade, o que de fato, acabou acontecendo.
- Sempre mantive meu escritório na beira do rio, advogando posseiros e seringueiros em todos esses conflitos de estrutura que ocorrem na região! – costumava dizer.
A peça “A Amazônia Não É Exceção” era identificada pelo autor como sendo um auto para ser apresentado em praça pública, em todas as cidades por onde a caravela tinha passado e por onde ainda ia passar, de preferência com a população local atuando como figurante.
Até a chegada a Manaus, a tripulação-elenco se dividia em dois grupos, um folclórico, que nos espetáculos representava o passado, e um de rock, representando o futuro.
Os problemas decorrentes da estada do grupo na cidade fizeram com que o grupo de rock pegasse o primeiro barco de volta a Belém.
Segundo Océlio, esse grupo, que nos espetáculos apresentava o cancioneiro da descoberta da América (com uma visão meio punk de Cristovão Colombo e sua trupe), era formado por quatro profissionais.
Sem os roqueiros, Océlio Medeiros (cujos longos cabelos brancos, amarrado em rabo-de-cavalo, lembravam, ele próprio, um velho roqueiro aposentado) estava a procura de novos músicos.
Não era necessário que eles fossem cabeludos ou tatuados – a imagem de metaleiros que os outros músicos tinham –, mas era imprescindível que quisessem ensaiar e seguir em direção ao rio Napo.
Sonhando alto, Océlio Medeiros pretendia turbinar a tripulação da caravela para a segunda etapa da viagem com um etnólogo, um arqueólogo, um artista plástico, um analista político, um historiador e um sociólogo – ou, pelo menos, com estudantes universitários dessas áreas.
A caravela iria ficar na cidade durante três meses, para passar por reparos e novas adaptações para a viagem, que também dependia das condições de navegabilidade dos rios da Amazônia.
Algum engraçadinho passou o telefone da G&F Comunicações para o Océlio Medeiros, onde eu trabalhava, e ele me ligou numa tarde de sexta-feira.
Conversamos sobre a questão dos roqueiros.
Sugeri o nome do pessoal da banda Wause! Wause!, que tinha como guitarrista Ricardo Beça, filho do poeta Anibal Beça.
Conversamos sobre a nova equipe técnica da caravela.
Sugeri o nome do artista plástico Jorge Palheta, que era um ilustrador perfeito para o tipo de trabalho que ele pretendia.
Combinamos de nos encontrar na manhã do outro dia, sábado, no Bar Ecológico, da Ana Domingues e Álvaro Bandeira, que funcionava no Dom Pedro II.
Lá da agência mesmo telefonei pro Jorge Palheta, expliquei a situação e ele concordou em se encontrar com o advogado, no dia seguinte, para discutir melhor o assunto.
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