E nos anos 90, quem estava continuando o trabalho pioneiro de Frank Zappa e Gil Scott-Heron?
Havia algumas pistas.
Via samplers, os suíços Young Gods praticavam a antevisão de um futuro em chamas, despachando em seus disquetes uma saraivada de riffs capaz de abater o mais empedernido headbanger.
Também foram dois dos Gods, Franz Treichler e Cesare Pizzi, que produziram o primeiro álbum do francês Treponem Pal.
No segundo disco deles, “Aggravation”, está a definitiva versão tonelada de “Radioactivity”, do Kraftwerk, como que marcando o reencontro do progressivo e do heavy metal.
A revitalização do hardcore, aqui – como nos casos do Fugazi e Nomeansno – se dá movida a guitarras de verdade.
E o terrorismo satânico do Cop Shoot Cop, cujo aparato – um par de baixos, sampler e quinquilharias de ferro e aço à guisa de percussão – é, por si só, a antítese de metal padrão?
Na trincheira étnica, as miscigenações que não podem ser omitidas são o carrossel holandês do Urban Dance Squad (que substitui os teclados convencionais por um DJ e cujo guitarrista Van Barneveld é tido por Vernon Reid, do Living Colour, como o melhor do planeta), o gospel segundo o power trio King’s X (em que harmonias vocais dos Fab Four convivem com arranjos high-tech), além do Dan Reed Network, o definitivo combo multiracial (um nativo havaiano, um cafuso, um índio, um negro e um branco).
Os dados estão lançados.
Agora é esperar para que tantas variantes – ecléticas, ousadas e totalmente irreverentes – possam prover ao rock a senha que lhe permitirá continuar incendiando o novo milênio, mesmo porque a diversidade de propostas das bandas de metal que enveredam pelo “crossover” (mistura de estilos muitas vezes excludentes) parece não ter fim.
A seguir, um breve sumário das novidades do gênero, em que a inovação e a extravagância comparecem de igual para igual.
Afghan Whigs – Possível inspiração para os membros do Comando Vermelho.
Greg Dulli (vocais) e Rick McCollum (guitarra) dividiam uma cela na prisão de Ohio, e foi lá que resolveram formar o grupo.
Para completar a gangue, chamaram John Curley (“além de baixista, ele era um ótimo traficante de maconha”, garantem) e o baterista Steve Earle.
Enveredando por hilários crossovers soul-metal, eles lançaram “Big Top Hallowen” (88), “Up In It” (90), “Congregation” (91), “Gentlemen” (93), “Black Love” (96) e “1965” (98).
Limbo Maniacs – O que distingue os Maniacs do Red Hot Chili Peppers?
Dentre as dezenas de bandas que pululam em São Francisco, seguindo os passos de Flea & companhia, e mesclando rock e funk, há algo em que eles diferem: a inversão da dosagem dos ingredientes.
Ou seja, no caso dos Maniacs o rock é que é apenas um tempero a mais que eles acrescentam à massa funk, chupada de George Clinton, James Brown et caterva.
O álbum “Stinky Grooves” está mais para Minneapolis do Prince do que para o thrash radical da costa oeste.
Gore – Eles vêm da pequenina Venlo, na Holanda, e vertem uma sonoridade tão extrema que chega a abismar-se no absurdo.
Comportamento anômalo: suas composições não possuem solos, ou nem mesmo letras – embora todos os discos lançados pelo trio, com destaque para o primeiro “Hart Gore”, incluem encartes com letras(!), na verdade manuais de peversão sexual.
Laibach – Uma banda (ou um bando) de iuguslavos pra lá de malucos.
Dizem-se gays, sadomasoquistas, nazistas e satanistas.
Uma grande piada de violência solene, movida a guitarra thrash e samplers.
Já detonaram covers de Queen, Stones e Beatles.
Voivod – Esses freaks canadenses partiram do thrash puro para um esboço do “metal do século 21”.
Cada vez mais perturbados pelo universo da realidade virtual e dos chips de última geração oriundos do Vale do Silício, eles chegaram ao quinto álbum, “Nothingface”, com um som absolutamente elaborado e desconcertante, com toques psicodélicos e influências que vão de Rush, King Crimson e Pink Floyd até guitarras do Hüsker Dü.
Godflesh – Resultado de uma briga de foices entre os integrantes dos grupos Napalm Death, Fall of Because e Head of David.
O trio sobrevivente – Justin Broadrick (guitarra e grunhidos), Christian Green (baixo), Paul Neville (feedback) –, mais o mixologista Hamish, vive encapsulado numa dimensão ignota, e é de lá que despacha a mais tonitroante e paranóica zoeira.
Barbie Bones – Esse grupo norueguês é o supra-sumo da estranheza na terra do bacalhau (e do A-ha).
Pródigo em referências, sua música revela ecos dos Sex Pistols, Ramones e Stone Roses, enquanto a mise-em-scène paga tributo à épica teatralidade do Laibach.
Prong – Some os experimentos da vanguarda nova-iorquina (Sonic Youth, Live Skull), uma precisão matemática na execução dos instrumentos, a tríade voracidade-sangue frio-violência e você terá uma noção do seu approach.
Zeni Geva – Uma alcatéia de feras nipônicas que dilacera música atonal, industrialismo e hardcore com a mesma aflição.
Para quem não dispensa emoções fortes, o álbum “Maximum Money Monster” pode ser o atalho seguinte para o hospício mais próximo.
God – Baterias siamesas, saxofone, guitarras e uivos, o God mostra-se completamente obcecado com a impossibilidade da existência.
Pelo menos é o que o grupo deixa transparecer ao vivo, quando defenestra sua música com projeções de partos a fórceps, abortos, doenças mutilantes e amenidades afins.
O som do God demarca áreas até então inóspitas no território do intolerável à audição humana.
A banda já lançou os seguintes discos: “Possession” (92), “Consumed” (93), “Anatomy Of Addiction” (94), “Appeal To Human Greed” (95) e “Headbrush” (96).
Terminal Cheesecake – O mais excêntrico dentre a excêntrica confraria grindcore.
Divagações dub/noise, escalas apocalípticas e sampleagem das músicas das esferas fazem deste descendente direto do AR Kane um deslumbrante outsider.
Seu LP mais conhecido, “Angels In Pigtails”, foi lançado pela gravadora Pathological.
Paranoise – Seguramente o elo perdido entre o Black Sabbath e o jazz contemporâneo.
Este projeto, que tem como carro chefe sua transcrição para “Armageddon”, de Wayne Shorter, compreende quatro drum-machines comandadas por Geofrfrey Brown, um naipe de sopros (a cargo dos renomados Don Cherry, Gary Windo e Lenny Pickett), o violino de Rohan Gregory, o baixo de Bob Laramie, o vocal de Thorne Palmer e a Fender tratada de Jim Matius, todos também envolvidos em vários projetos paralelos.
Com esta formação, eles lançaram “Constant Fear” (88), “Start A New Race” (93), “Private Power” (2000) e “ISHQ” (2001).
Mary My Hope – Tendo como sustentáculo a dinâmica elecroacústica de suas composições e dispondo da eficiência interativa dos guitarristas Clinton Stele (um fiel devoto dos pedais Electro Harmonix) e James Vincent Hall, a banda soava como um Frankstein suturado às custas dos restos mortais do Steppenwolf e do Led Zeppelin.
A banda lançou os discos “Museum” (89) e “Monsters Is Bigger Than The Man” (90), e o EP “Suicide Kings” (89), antes de Hall partir para uma carreira-solo.
Loud – Seu frotman é o ex-New Model Army Chris McLaughlin.
Canções que falam de desordem mental e premonições catastróficas são o forte do quarteto.
No álbum de estréia, “Psyche 21”, sobressai uma faixa cuja letra narra, nos mínimos detalhes, o dilaceramento de órgãos genitais por ferozes cães de guarda.
Recomendado para sado-masoquistas moderninhos.
Alice Donut – Hardcore, psicodelia e thrash são jogados no liquidificador deste quinteto nova-iorquino.
Um de seus hits, “My Severed Head”, baseia-se nos estudos que um pirado bispo francês fez, no século 17, sobre a expressão facial de cabeças humanas que haviam acabado de ser guilhotinadas.
Outros ítens abordam o abuso infantil, o tédio doméstico e a bestialismo (sexo com animais).
Kong – São chamados na Holanda de Young Gods do metal.
Ao vivo, cada um dos quatro posiciona-se num canto do teatro, produzindo assim uma inacreditável ambiência quadrifônica.
Aí, detonam de tudo: sampleagens de Prokofiev, melodias de têmpera islâmica, serialismo, mensagens subliminares e o mais deslavado thrash.
A presepada pode ser conferida nos álbuns “Phlegm” e “Mutepoetvocalizer”, ambos de 92, “Push Comes To Shove” (95) e “Earmined” (97)
Living Colour – Formado por Corey Glover (vocal), Vernon Reid (guitarra), Muzz Skillings (baixo) e Will Calhoun (bateria), eles pegavam pesado na mistura de metal, funk, Hendrix e virtuosismo jazzístico.
A revisão negra de um estilo de que os brancos se apropriaram, feita com competência e estilo.
Entopiam os discos de guitarras zoadas e ritmos tribais.
Os negões metaleiros gravaram cinco álbuns, antes da debandada final: “Vivid” (88), “Time’s up” (90), “Biscuits” (91), “Stain” (93) e “Play It Loud” (98).
Counting Crows – Banda americana que faz uma verdadeira síntese dos muitos gêneros do país – rock acústico com elementos de soul, psicodelismo, rhythm and blues, folk e country, parecendo uma mistura de vocais do R.E.M, com cozinha da The Band e solos de guitarra do Van Morrison..
O tipo de som que Gram Parsons deve ter tido em mente quando falou de uma música cósmica americana, que mesclaria elementos de todas as tribos musicais conhecidas.
Lançaram os seguintes discos: “August And Everything After” (93), “Recovering The Satellites” (96), “Across A Wire: Live In New York” (98), “This Desert Life” (90) e “Hard Candy” (2002).
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