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sexta-feira, maio 13, 2011

Aula 85 do Curso Intensivo de Rock: Radiohead


Com pouco mais de 10 anos de estrada, o grupo Radiohead, fundado pelo cantor e compositor Thom Yorke, sempre buscou novos caminhos dentro de sua música.

Apesar de manter a mesma formação desde o início da carreira, com os irmãos Colin e Jonny Greenwood no baixo e guitarra, respectivamente, mais o guitarrista Ed O’ Brien e o baterista Phillip Selway, pouca coisa sobrou da banda que lançou seu primeiro disco em 1993.

A estreia do quinteto de Oxford se deu num período um tanto complicado para o rock inglês, que então se via dominado pelo grunge vindo da América.

A banda também era vista com certa desconfiança por nunca ter passado por um selo independente.

Assim, o álbum “Pablo Honey” foi tratado com indiferença de público e crítica quando foi lançado em 1993.



Tudo mudou quando uma música do disco, “Creep”, acabou se tornando um improvável sucesso na América e dando um impulso razoável para a carreira da banda.

Ainda assim em casa as coisas continuavam mornas, afinal os ingleses costumam olhar torto para grupos que estouram primeiro nos Estados Unidos.

Além do mais, a se julgar pelo simpático, porém irregular, “Pablo Honey”, seria mais certo apostar que estávamos diante de uma banda de um sucesso só do que diante dos caras que redefiniriam o rock dos anos 90.

Era claro que o Radiohead que entrou em estúdio para fazer seu segundo disco estava um tanto apreensivo.



Os períodos de gravação foram marcados por ânimos acirrados e muita insegurança.

Aos poucos as coisas começaram a entrar nos eixos e assim que saiu The Bends, em 1995, o grupo foi aclamado unanimemente pela crítica que começou a chamá-los de “próximo U2”.

Na verdade, aquilo era um exagero, porque se na Inglaterra o disco chegou ao Top 5, nos Estados Unidos “The Bends” amargou um 88° lugar no seu lançamento.

Mas esse era um disco fadado a ser descoberto aos poucos e assim o público foi assimilando “High And Dry”, “Just” e, principalmente, “Fake Plastic Trees”.

Ao lançar um disco com doses exatas de pop e rock, barulho e calmaria, além das letras existenciais e da melancolia que sempre permeou o trabalho da banda, o Radiohead garantiu pelo menos a certeza de ter feito um grande álbum para o rock dos anos 90.

Mas o futuro reservava mais para eles.



Diferentemente de seus antecessores, o disco “OK Computer” foi lançado em 1997, sob enorme expectativa.

Boatos davam conta de que uma obra-prima estava a caminho e quando os seis minutos de “Paranoid Android” foram ouvidos, a certeza se concretizou.

O disco foi não só elogiado como tratado como clássico instantâneo a partir do dia em que foi lançado.

Como sempre ocorre nesses casos, “OK Computer” soava estranho nas primeiras audições com seus efeitos sonoros, músicas não lineares, letras de difícil compreensão e o clima claustrofóbico.

Mas esse experimentalismo todo não encobria um talento inegável para a criação de melodias marcantes como “No Surprises”, “Karma Police” e “Lucky”.

A partir daí ficou claro que se tinha alguém capaz de levar o rock a dar um novo passo evolutivo esse era o Radiohead.



Caminhando na contramão da boiada, o Radiohead foi um dos poucos grupos de rock/ pop ingleses que se firmaram sem a máquina jabazeira da King’s Reach Tower, em Londres, onde funciona o império da IPC, empresa com monopólio no gosto musical da Inglaterra – dona das publicações Melody Maker, NME e Vox.

A mágoa pela América ter descoberto as qualidades do Radiohead quando a IPC queria vender Suede gerou frutos venenosos.

A banda foi acusada de ter capacidade para criar somente um sucesso.

“Creep”, o hit que lançou Radiohead em todo o mundo, não consumiu a carreira do grupo, que chegou a seu terceiro CD, “OK Computer”, um excelente disco, depois de um ótimo segundo álbum, “The Bends”.

A resposta do grupo não foi uma sucessão de hits, mas de CDs de qualidade.



A diferença entre Radiohead e o outro grupo britânico querido da América, Bush, é imensa.

Mesmo assim, chegaram a ser comparados durante a época em que toda a influência musical americana era considerada lixo pela IPC – responsável pelo reinado do britpop.

Bush, estigmatizado na Inglaterra, começou imitando Nirvana de forma descarada.

“Creep”, por suas guitarras explosivas, ancoradas em versos de tristeza plácida, também foi considerado sinônimo inglês de grunge.

Mas, enquanto Bush copiava a forma musical do “novo rock americano”, Radiohead conseguiu identificação com o conteúdo.

“Creep” foi um desabafo dos feiosos, caídos e conformados, como “Loser”, de Beck.

Ou como praticamente todo o álbum “Nevermind”, do Nirvana.



Ao mesmo tempo, não há nada mais distante do som grunge do que um álbum do Radiohead ouvido de forma sensata.

Radiohead não quer soar, simplesmente, americano.

Um fã do britpop pode se perder na forma como a banda escolheu não decantar o mundo super (“Champagne Supernova”, “Supersonic”, nomes de hits do Oasis), prefixo que define a estética favorecida pela IPC.

Ao mesmo tempo, as características do pop inglês estão impressas no CD – o vocal largado, as guitarras etéreas, a afeição pelas viagens ácidas do Pink Floyd.

O disco traz um desastre aéreo, um acidente de tráfego e uma voz gerada por computador, que proclama uma vida moderna idealizada (“Não beber demais, malhar três vezes por semana, confraternizar com os colegas de trabalho”).


“OK Computer” imita sons de computadores para condenar o conformismo.

No admirável mundo novo, o desconforto do vocalista e compositor Thom Yorke – cada vez mais “creep” – parece avaliar a vida de uma perspectiva situada após as 4 horas da manhã, quando nada mais pode dar certo.

“OK Computer” soa como um disco de rock pós-techno, que não se envergonha de ser influenciado por The Doors e Pink Floyd, ao mesmo tempo em que costura suas melodias com solos que imitam o som de um modem.

“Paranoid Android” é a estranha música de trabalho – mais de 6 minutos de delírio psicodélico.

Combina segundos de heavy metal com uma imensa base melódica de acid rock.

Mas o que realmente importa é como Yorke diz uma das frases do ano: “Yuppies networking / The vomit / The vomit”.

Nada rima em “OK Computer”. Nada mal.


Em outubro de 2000, o Radiohead voltaria a espantar a crítica especializada e o público roqueiro ao colocar nas prateleiras das lojas uma espécie de tragédia moderna do pop em dez canções.

Essa poderia ser uma definição mais ou menos adequada para “Kid A” (EMI), o novo álbum da banda.

Ou seja, de como tatear em busca de um caminho que não espelhe apenas simulação e fingimento, e convencer que a dor é real, embora fingida.

Apenas três canções têm guitarras, a linguagem por excelência daquele Radiohead do passado.

O canto amargurado de Thom Yorke é praticamente coadjuvante em boa parte das músicas, e dispensado em outras, como na instrumental “Treefingers”.

Somente em poucas, como na irônica “Optimistic”, ele usa seu fantástico falsetto para causar efeito.

E em apenas uma balada, “How To Disappear Completely”, vem renovar o velho legado romântico que o grupo já impregnou na música popular.



O álbum não vai desapontar os fãs no sentido de fornecer mais alguma contribuição a esse consagrado artesanato popular do grupo.

Ao mesmo tempo, procura ser algo que satisfaça a própria curiosidade dos seus estetas, em faixas como “Idioteque”, montada como uma ironia sobre a profusão de aventureiros do mundo eletrônico.

Quase todas as incursões do Radiohead pela eletrônica, em “Kid A”, soam assim meio como ironia – sabemos brincar seu jogo, parecem dizer, mas ele só é bom se se encaixar no nosso.

“Idioteque” explora uma percussão cyber-tribal que culmina com scratches simulados, falsos, de brinquedo.

“Morning Bell”, que vem logo a seguir, volta complementarmente a uma bateria tocada de maneira marcial, com o vocal procurando ocupar os espaços vagos entre a levada rígida e autista.



Por tudo isso, “Kid A”, seguramente, foi o disco mais estranho a ter chegado ao topo das paradas.

Para quem esperava mais baladas épicas ou músicas para cantar junto, nada feito.

“Kid A” era abstrato ao extremo.

Quase todos os instrumentos e vozes foram filtrados por efeitos, causando uma sensação de desconforto no ouvinte para dizer o mínimo.

A crítica mesmo sem ter entendido muito aonde eles queriam ir abraçou a causa e cobriu quase que unanimemente o álbum de elogios.

Em 1998, os leitores da revista Q votaram em “OK Computer”, disco-chave do Radiohead, como o maior álbum do mundo.

E, recentemente, numa nova lista de melhores álbuns feita pelo britânico Colin Larkin, o disco “The Bends”, também do Radiohead, é perfilado como o segundo melhor da história, atrás somente de “Revolver”, dos Beatles.

É possível mesmo dizer com bastante propriedade que algumas baladas de Yorke, como “Creep”, são algumas das coisas mais exatas e perfeitas da história do pop.


Então, por que jogar tudo isso para cima com um disco que soa “experimental”, difícil, quase antipop?

As respostas parecem estar no próprio desconforto com que Yorke vê sua condição de popstar, a necessidade de se negar continuamente para afirmar a utilidade de sua existência.

Yorke – que em última análise é ele mesmo o Radiohead – acha desagradável todo aquele “terrível” free jazz pós-Coltrane, porque não lhe parece “grande arte”.

Seu disco “Kid A” quer ser grande arte.

Essa é a natureza do astro pop: quando sua dimensão de músico de garagem lhe escapa irremediavelmente, ele procura delimitar seu novo espaço no mundo.

Bono Vox quer ser embaixador nas Nações Unidas.

Sting queria congraçar os povos das florestas.



O idealismo bom moço de Thom Yorke é, no final das contas, um quase idealismo que o projeta numa quase revolução pessoal.

É algo semelhante ao desconforto europeu diante da miséria, um desconforto que provoca reações paternalistas e culpadas.

“Ontem eu acordei chupando um limão”, ele diz, nas frases soltas de “Everything In Its Right Place”.

Ele está “enojado” do show business, mas trabalha para uma multinacional que controla – como de resto todas as outras – um esquema publicitário de lançamento de seu disco, com um custo faraônico.

Desconhece as contradições, porque se julga acima delas.

Mas é também um bardo sincero, embora inocente.



Com algumas audições de “Kid A”, porém, as faixas perdiam seu hermetismo e faixas como “Everything In Its Right Place” e, especialmente, “Idioteque” hoje são tão admiradas quanto os velhos hits dos discos anteriores.

Mais importante, entretanto, é o fato de que esse foi um dos primeiros discos a ser baixados em massa pela internet.

Espécie de sequência de “Kid A”, já que foi composto pelo material que não entrou naquele álbum, “Amnesiac”, lançado em 2001, soa um pouco mais palatável que seu “irmão mais velho” e está longe de ser um mero disco de sobras como pode parecer à primeira vista.

O clima de estranheza continua, mas o lado pop da banda volta a aparecer, ainda que sutilmente e desse álbum foi possível tirar alguns singles como “Knives Out” ou “I Might Be Wrong”.


Já no álbum “Hail To The Thief”, lançado em 2003, ficou óbvio que a sonoridade de discos como “The Bends” não voltaria mais e que quem quisesse algo no estilo faria melhor em procurar em outro lugar.

O álbum traz de volta as guitarras, praticamente ausentes nos dois últimos discos da banda (sem contar o ao vivo, “I Might Be Wrong”).

Esse disco é uma viagem de Thom Yorke e banda aos primórdios baladeiros e a seu passado recente cheio das experimentações eletrônicas.

É um grande disco: uma síntese do que aconteceu de melhor na carreira (mas sem se auto-plagiar).

As guitarras e as batidas eletrônicas convivem em harmonia.

Mais: a banda está léguas à frente do pop produzido atualmente.



O “thief” (ladrão) do título do álbum vem de um livro que contesta a eleição de George W. Bush para a presidência dos EUA.

Boa parte das letras são politizadas.

E Thom Yorke não está mais preocupado em fugir do convencional.

Em entrevistas, disse que foi influenciado pelo compositor polonês Krysztof Penderecki, que diz que a música se assenta em formas antigas.

E é aí que o novo disco acerta a mão: ao não se preocupar em fazer música de “vanguarda”.

“Hail to the Thief” é fruto do amadurecimento da banda, que não exclui as guitarras nem a eletrônica.

“2 + 2 =5”, a primeira música, mostra resquícios do experimentalismo de outrora, mas cai nas guitarras lá pro meio.

Com um acorde circular de guitarra e uma bateria fantasmagórica por trás, a música culmina num dos melhores refrões do disco.

Casa as belas melodias dos velhos tempos de “The Bends” e “OK Computer”.



Empolgante, já prepara terreno pro que virá a seguir.

“Sit Down. Stand Up.” é carregada de tons eletrônicos.

No final, um turbilhão de barulhinhos e efeitos preenche a música.

“Sail To The Moon” é uma balada triste, que lembra o lado dark de “OK Computer”. O piano corre solto.

“Go To Sleep” começa com um violão palhetado cheio de manha, que vai crescendo com um baixo à medida que a música vai correndo esperta e marota.

Uma batida que empolga e uma guitarra vibrante surgem logo após o refrão.

Tem até solo, meio esquisito, mas vá lá. Até os solos voltaram!

“We Suck Young Blood” é baseada em piano e num baixo que acompanha a voz angustiada e arrastada de Yorke (“I Will” segue na mesma). Palmas dão um tom gótico.



“There There” é o primeiro single do disco e é uma belíssima música que começa com uma bateria tribal.

Logo depois um dedilhado de guitarra hipnótico e fantástico surge.

A guitarra de Colin Greenwood mostra sua potência lá pro final, solando e fazendo o que o Radiohead não se permitia até pouco tempo atrás: música com apelo pop “fácil”. Maravilha de música.

O começo de “A Punch up at a Wedding” evoca a clássica “Come Together” dos Beatles.

Mais pra frente, uma guitarrinha safada dá um tom funkeado à música, que já nasceu groovy.

“Myxomatosis” é doentia: uma guitarra rasgada e totalmente distorcida percorre a canção inteira (só parando no “refrão”). A voz de Yorke é insana.

“Scatterbrain” é outra balada com guitarra dedilhada no começo e voz limpa. Linda, é a mais doce do disco.

“Wolf At The Door”, a última, começa com Thom Yorke falando, falando, falando e ele segue falando até o início do refrão. De chorar de bom.

No saldo geral, um excelente disco, embora com pequenas derrapadas na eletrônica.

Ou seja, no final tudo certo!

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