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quarta-feira, maio 11, 2011

Aula 93 do Curso Intensivo de Rock: Asian Dub Foundation


O álbum “Rafi’s Revenge”, do quinteto londrino Asian Dub Fundation, junta punk rock, ragga, rap e drum’n’bass de forma a ser lembrado, daqui a cinco anos, como o pedaço de plástico que inspirou dezenas de bandas novas.

Lembra o primeiro disco do Rage Against The Machine, grupo com quem o ADF, para encurtar, costuma ser comparado.

Depois do RATM, virou regra juntar rap e metal, mas ADF ainda está sozinho nessa tentativa de criar jungle roqueiro com guitarras e breakbeats.

A história desse disco é tortuosa.

Seu repertório apareceu primeiro na França, em 1997, quando nenhum selo inglês tinha interesse no grupo.

O ano de 1998 começou com um remix do Cornershop no alto das paradas, capturando a atenção da mídia para outros lançamentos de influência indiana.

Patrocinado pelo grupo Primal Scream, ADF acabou fechando com uma multinacional, regravou o álbum e conseguiu ser indicado ao prêmio Mercury.


O grupo foi formado em 1993, na esteira do documentário “Identical Beat”, que mostrava o trabalho desenvolvido na London’s Farringdon Community Music House.

A referida escola ministrava workshops de verão para crianças indianas carentes, onde procuravam ensinar lições as lições básicas das novas tecnologias musicais emergentes.

Entre os instrutores estava Aniruddha Das (baixos, vocais e programação), que recrutou dois alunos de grande talento, John Pandit (samples e teclados) e Deedar Zaman (rap e programação), para montar um sound-system experimental batizado de Asian Dub Foundation.

Mais tarde, eles convocaram o guitarrista Steve Chandra Savala (ex-High Intelligence Agency), que costumava obter distorções no seu instrumento com a ajuda de uma faca, originando o apelido de “Chandrasonic”.

O trabalho de estreia do grupo foi um EP, “Conscious”, lançado em 1994.

Com a aquisição do dançarino Bubble-E e de um segundo DJ, Sun-J (teclados e movimentos radicais), eles lançaram um novo single, “Rebel Warrior”, em 1995.


O primeiro álbum, “Facts And Fictions”, foi lançado em 98.

A mistura de música ambiente, punk rock e canções folclóricas indianas desagradou muita gente, mas as letras duras contra o racismo e o fascismo catapultaram o grupo para o estrelato entre as tribos mais politizadas.

“As letras são feitas em regime de mutirão e costumam nascer de debates e discussões sobre o nosso cotidiano”, explica Aniruddha Das (ou Dr. Das).

“É uma maneira inteligente de liberar nossa raiva. Às vezes, alguém se ofende e pergunta: ‘Suas mensagens não são um pouco violentas?’ Ora, se não nos expressarmos pela música, vamos ter que sair pelas ruas dando porradas em alguém!”, se justifica o baixista.


O guitarrista Chandrasonic concorda com o líder da banda.

“Eu fiquei de saco cheio com a cena trance porque a música servia apenas para neguinho curtir e se chapar. Ninguém se importa com o que está acontecendo ao seu redor. Você pode fazer canções dançantes e ainda assim ser muito politizado”, avisa.

ADF toca tabla, cítara, mas também guitarra, baixo, bateria, teclados, discos e samplers.

Sim, o dub e a fusão asiática fazem parte não apenas do nome do grupo.

Mas o segundo disco, o hypado “Rafi’s Revenge”, cujo título presta homenagem a Mohammed Rafi, o Frank Sinatra das trilhas do cinema indiano, não tem como principal influência o drum’n’bass asiático – fusão tablatrônica inventada por Talvin Singh, parceiro de Björk.

O combustível do ADF são roqueiros e rappers inflamados como The Clash, Public Enemy, MC5 e RATM.



A faixa “Naxalite” foi inspirada pelo levante guerrilheiro de Bengala nos anos 60.

A meio climática “Assasin” arquiteta uma vingança contra o general inglês que ordenou o massacre de uma legião de indianos.

“Black / Shite” e “Buzzin” discutem o preconceito racial contra imigrantes.



“Free Satpal Ram” é construída sobre slogans contra o preconceito racial – o indiano que dá nome à faixa está preso há 12 anos por ter usado uma faca para se defender de um skinhead num restaurante de Londres.

A execução musical traz raiva punk legítima.

No fim, o disco relaxa e a banda mostra que domina sua faceta eletrônica.

Imagine os Beastie Boys tocando músicas do Clash em ritmo jungle e todo mundo dançando.

Pois essa é a praia do ADF.

“Pra gente, a mistureba sonora é apenas um meio para levar a nossa mensagem”, explica Dr. Das. “Tento discutir com meus pais e amigos sobre os problemas da cultura na Índia. Casamento arranjado, por exemplo, sou contra. Também não apoio a separação de raças. Minha mulher é descendente de vikings.”

Em 2000, continuando a tradição de integrar os problemas da sua época à música, o ADF lançou o seu melhor disco, “Community Music”.

Impregnado de política (inicialmente, o título, “Música Comunitária”, foi barrado pela gravadora, que queria algo menos “polêmico”), o álbum traz um verdadeiro caldeirão musical, onde os principais ingredientes são bhangra, dub, drum’ n’bass, trip-hop e o bom e velho rock de guitarras pesadas e letras contestadoras.

É daqueles discos que são melhor aproveitados por quem tem algum conhecimento da língua de Shakespeare.

Com letras que mais lembram manifestos, o disco abre com “Real Great Britain”, uma crítica contundente à política do governo atual.



“Officer XX” chega climática e angustiante, enquanto “New Way New Life” é a preferida da banda nos shows, com seu riff que gruda nos ouvidos.



“Collective Mode”, “Crash” e “Colour Line” priorizam o bom e velho dub, uma das marcas registrada do grupo, cortesia do supercompetente baixo de Dr. Das.

Lançada originalmente na coletânea “Star Rise” (Real World), “Taa Deem” traz a reconstrução da música de mesmo nome de Nusrat Fateh Ali Khan, que nas mãos da banda virou um dub/drum’n’ bass matador.

“The Judgement” começa com uma guitarra flamenca até virar um dos dubs mais pesados do disco.

Regravação de uma faixa de seu primeiro disco, “Rebel Warrior” mostra a evolução da banda, que conseguiu fazer uma boa música ficar ainda melhor cinco anos depois de seu lançamento original.



“Truth Hides” é a faixa mais comercial, um trip-hop que não faria feio em nenhum disco do Massive Attack.

Nunca política e música tiveram um casamento tão feliz como nesse Community Music.

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