De repente, o novo deus da juventude yankee se chamava Beck.
Cantor, compositor e produtor, ele surgiu para o mundo com o lançamento de um single, “Loser”, uma mistura low-fi de blues e hip hop que se tornou uma coqueluche instantânea.
Um pouco adiante, misturando lounge com folk e rap com rock em seus álbuns “Mellow Gold” e “Odelay”, Beck Hansen se tornou o centro de uma grande adulação e virou cult de um momento para outro.
Em 2002, o mundo do show business ainda era capaz de produzir fenômenos espantosos.
Apesar de a música de Beck ser digna de bons elogios e divertidíssima, ele só tinha 32 anos de idade e apenas 10 anos de carreira.
Ainda assim, havia sido brindado – de uma vez só! – com duas biografias em Londres.
“Beautiful Monstrosity” foi escrita por Julian Palacios durante a gravação do terceiro disco do músico, “Midnight Vultures”.
Já “Beck! On a Backwards River” foi escrito por Rob Jovanovic sob encomenda da poderosa Virgin Records.
Filho de um músico de bluegrass (David Campbell) e de uma starlet da corte de Andy Warhol (Bibbe Hansen), Beck nasceu Bek David Campbell, em Los Angeles, em 8 de julho de 1970, e cresceu sob grande influência do avô materno, o artista plástico Al Hansen, um dos expoentes do Fluxus, um grupo de vanguarda das artes visuais.
Julian Palacios identifica claramente o elo entre a obsessão artística de Al Hansen e de seu neto Beck.
No início do seu livro, ele narra algo que aconteceu com o soldado Al Hansen, de 19 anos, em março de 1946, quando ele integrou o 508º Regimento de Infantaria do Exército americano que tomou Berlim.
“A devastação em Frankfurt, Colônia e Berlim por bombas aéreas foi inacreditável, uma paisagem lunar, surreal de esqueletos de prédios, ruínas, crateras de bombas e montanhas de entulhos”, escreveu Hansen no livro “Notes on a Mini-Retrospective”.
Nesse cenário devastado, ele e os soldados do seu regimento encontraram um piano na borda de uma cratera, oscilando no vazio.
Hansen tentou tirá-lo de lá, mas só precipitou sua queda – e teve de pular para escapar da morte.
O piano voou e espatifou-se no chão, fazendo um som forte.
“O som que aquilo fez e aquela experiência foram o ponto de partida para todo o interesse de Al pela performance”, escreveu seu neto Beck, 50 anos depois.
Al Hansen começou sua primeira performance individual com o som de um piano espatifando-se no chão, ao apresentar um happening no Kunsteverein de Colônia, Alemanha, em 1969.
Beck herdou essa compulsão pela busca do inusitado em sua carreira musical.
“Tudo que minha geração deve fazer é matar o clichê”, afirmou.
Não só matar o clichê.
O livro de Rob Jovanovic narra um “incidente” quando o músico foi entrevistado em um programa da MTV em 1994.
Seu interlocutor era bem mais famoso que ele – Thurston Moore, do grupo Sonic Youth.
“Eu queria perguntar sobre quem você é!”, disse Moore, logo de cara. “Tenho perguntado a algumas pessoas e não obtive nenhuma resposta direta. Então, me diz uma coisa: Beck é seu nome real?”, perguntou o músico.
Beck então olhou para Moore, levantou-se e, sem dizer nada, foi embora do estúdio.
Começou a cunhar uma invocada lenda pessoal.
Beck de fato demonstrava coragem ao afrontar a lógica subserviente da indústria fonográfica.
Principalmente se levarmos em conta que, poucos anos antes, ele sobrevivia fazendo breakdancing nas ruas ou ganhando uns trocados como babá de cachorro em Los Angeles.
Apesar das dificuldades, ele nunca demonstrou que seria um osso fácil de roer.
Em abril de 1999, por exemplo, rompeu contrato com a Geffen Records invocando uma lei antiga, a California Labor Code Section 2.855, que reza que contratos de serviços pessoais não podem durar mais do que sete anos.
Seu princípio musical tem sido o de afirmar uma descontinuidade.
Ele nunca acreditou na música pop e no rock dos anos 80.
Preferiu voltar-se inicialmente para o passado.
“Era um garoto nos anos 80 e vendo quanto era falsa e artificial aquela música, eu fui me desconectando daquilo e dirigindo-me para outro tipo de influência, para Blind Willie Johnson e Woody Guthrie, coisas que eram realmente potentes e puras”, afirmou, na biografia de Jovanovic.
Beck também fala sobre a influência de Nova York na sua fase antifolk e sobre o deserto existencial que é Los Angeles, cidade que ele ama mesmo assim.
Julian Palacios revela que Beck costuma dar mais atenção à imprensa estrangeira do que aos conterrâneos.
A verdade é que tanto o livro de Jovanovic quanto o de Palacios não são exatamente “biografias”, no sentido estrito do termo.
Parecem mais uma reunião de duas reportagens de capa da Rolling Stone, por exemplo, com uma extensiva discografia no fim.
O que se sabe é que muito cedo Beck teve uma coleção de todos os grandes artistas do blues, country e folk, como Jimmie Rodgers, Woody Guthrie, The Carter Family, Mississippi John Hurt, Mississippi Fred MacDowell, Blind Willie Johnson, Son House, Blind Blake e Skip James.
A lista vai longe. Mas um nome é conspurcado pela ausência – Robert Johnson.
“Eu nunca mergulhei muito em Robert Johnson”, ele admite. “Um monte daquelas coisas tinham um hyped-up, um aspecto de clichê. Eu estava atraído por gente como Skip James. Quando ele canta sobre o demônio você tem o sentimento do verdadeiro mal”.
E não demorou muito até Beck começar a ver, ou ouvir, as possibilidades do blues.
Mance Lipscomb, um relativamente desconhecido fazendeiro que se tornou guitarrista, tornou-se um dos preferidos de Beck.
“Quando eu fui pela primeira vez em direção ao Delta Blues, eu pude ouvir batidas de hip hop na música. Podia ser só Son House tocando um slide guitar, mas estava implícita aquela batida de hip hop em tudo que ele estava tocando. Mance Lipscomb, também, tinha um monte de funk nele. Eu me lembro de ficar pensando como poderia ser legal experimentar com aquilo um dia. Estava tudo relacionado, e tudo voltava ao ritmo e à influência da África. Tudo sendo filtrado em diferentes épocas e gêneros, mas ainda assim tão forte quanto sempre. Eu fantasiei sobre como combinar slide guitar com hip hop. A primeira vez que encontrei alguém (Karl Stephenson) que tinha equipamento e sabia como combinar uma batida, foi a primeira coisa que fiz. Tinha ficado na minha cabeça por anos, e foi ótimo finalmente ouvir aquilo”.
Beck adotou seu nome de guerra quando começou a tocar na cidade em aberturas de shows e pequenas turnês.
Muitas pessoas só lembravam do seu primeiro nome quando ele assinava as notas para atuações de uma tarde só.
Ele costumava tocar no Café Troy.
Foi no Troy que Beck conheceu Leigh Limon, sua namorada até hoje.
Ela trabalhou lá e juntos eles transitavam por toda a cena punk de Highland Grounds.
Era uma mulher admirável, pequena e conhecida apenas como Leigh, além do que ela possuía um certo silêncio fastidioso que lembrava muito o do próprio Beck.
Leigh trabalhou como estilista e desenhava as roupas de palco de Beck.
Ele finalmente juntou dinheiro suficiente para comprar um gravador de quatro faixas, uma máquina barata na qual podia gravar canções para amigos.
Elas eram sempre demo tapes, porque a possibilidade de ser descoberto era tão estranha para Beck quanto cantar uma canção folk ao vivo.
Não era uma daquelas coisas que estavam caminhando para acontecer.
De algum modo, liberado da expectativa de fazer algo grande, a criatividade de Beck surgia de maneira mais livre.
O single “Loser” foi produzido por Beck e o produtor de hip hop Karl Stephenson e em pouco tempo se tornou popular nos circuitos alternativos de Los Angeles.
O “perdedor” Beck e seu hit instantâneo passaram a ser disputados em um verdadeiro leilão pelas grandes gravadoras.
A DGC levou a melhor, mas precisou da intervenção direta do fundador David Geffen, que convenceu o cantor com um telefonema.
O resultado foi o lançamento de “Mellow Gold”, o álbum de estréia de Beck no início de 1994, contendo “Loser” como principal single.
A lenda diz que o disco custou cerca de 300 dólares.
A carreira de “Mellow Gold” nas paradas foi lenta, mas consistente.
De início, o disco era tocado somente pelas college rádios americanas, para pouco a pouco ganhar de vez o grande público.
O trabalho de Beck conquistou a crítica que considerava “Loser” um hino da slacker generation (ou geração da preguiça ou relaxada, uma variação do termo generation x, muito usado nos anos 90, que denominava uma geração marcada pela apatia).
Numa época em que nunca se discutiu tanto as questões de comercialismo e autenticidade, era fácil tachar Beck de cínico (ou no mínimo sarcástico) por uma música como “Loser”, já que o cara conquistou o sucesso e fez um grande contrato com uma gravadora importante.
Mas o que pouca gente sabia é que na época em que compôs “Loser”, Beck vivia em um galpão infestado de ratos, e trabalhava numa locadora de vídeo onde, entre outras coisas, separava as fitas da seção de filmes pornográficos em ordem alfabética por um salário risível.
Sobre a questão slacker, o próprio Beck desmentiu em entrevista: “Eu nunca fui slacker. Eu estive trabalhando em empregos de 4 dólares por hora tentando permanecer vivo.”
Ao contrário de se deter apenas no hit, o álbum “Mellow Gold” estava ali para ser ouvido.
E para quem encarou “Mellow Gold”, se deparou com uma mistura absurda de gêneros e sonoridades.
Não que o disco atirasse para todos os lados, exibindo clichês. Nada disso.
Beck conseguiu orquestrar um trabalho coeso, consistente e espontâneo, onde numa mesma música podem ser encontrados elementos de rock, de hip hop, psicodelia, folk e country misturados a uma sonoridade ao mesmo tempo bem trabalhada e rica em detalhes, porém tosca e suja, tudo a ver com o rock alternativo de então.
No início dos anos 90, onde termos como multimídia e superestrada da informação (alguém lembra disso?) começavam a se tornar comuns, um álbum como “Mellow Gold” era o resumo dos novos tempos.
O segundo disco, “Odelay”, saiu somente em 1996 e foi recebido imediatamente com o status de clássico.
O disco teve a produção dos Dust Brothers e conseguiu um resultado ainda mais harmonioso e explosivo da mistura bizarra do som do Beck.
“Odelay” as vezes lembra colagens de diferentes referências, unindo bossa nova (existe um sample de “Desafinado”, de João Gilberto, em uma das faixas) com rock, country, folk, rap e o que for.
O disco trouxe muitos hits, como “Devil’s Haircut”, “New Pollution” e “Where It’s At”, e esteve presente na maioria das listas dos melhores de 1996, ficando em primeiro lugar em muitas delas.
Surpreendentemente, “Odelay” foi indicado ao Grammy de melhor disco do ano além de outras indicações ao prêmio mais importante e mais cabeça-dura da música americana.
Em 1998, Beck via becos sem saída em todo canto e refletiu isso no disco“Mutations”.
Criatividade e cultura eram cartas fora do baralho e o amor estava extinto.
Também não havia novas piadas.
“Quem quer ficar para limpar os restos, para encilhar cavalos mortos?”, cantava.
Bem, a julgar pela duração do novo álbum, Beck queria.
Ele contemplava a desordem e o caos com letras lúcidas e claras, e parecia ter deixado de lado algumas tolices de estúdio.
Algumas das canções podem falar sobre amores perdidos, mas em quase todas elas também se lê impressões de um tempo que exala um inefável senso de perda.
Nos álbuns anteriores, Beck tinha sido um pós-modernista questionador, mas de fontes respeitáveis, utilizando fragmentos e justaposições de uma época que oferece um excesso de informação, sem claras hierarquias ou limites.
“Vou recolhendo as peças e colocando-as à venda”, ele cantava em “Odelay”, disco no qual sua música voltava ao passado, com colagens rápidas, às vezes confusas, mas sempre recheadas de afetividade.
O álbum “Mutations” é mais reflexivo. Mesmo quando ele escreve sobre estar imobilizado, encontra beleza, discernimento e um suave senso de humor.
Este caminho que Beck tomou simplesmente caiu no seu colo.
Ele tinha concluído numa turnê de mais de dois anos e tinha uma banda afiada pelas apresentações constantes.
Beck então pensou que poderia fazer um disco pelo selo independente Bongload Records, algo que fosse uma viagem diferente da que empreendeu com seus discos milionários pela DGC Records, “Mellow Gold” (1994) e “Odelay” (1996).
O produtor que Beck procurou, Nigel Godrich (o mesmo de “OK Computer”, do Radiohead), que só tinha duas semanas disponíveis.
Então Beck e sua banda fizeram alguns arranjos de última hora, executaram quase tudo ao vivo em estúdio e conseguiram finalizar uma canção por dia.
Em duas semanas, Beck tinha seu disco pronto.
“Nós fizemos tudo tão rapidamente que não tivemos tempo para pensar sobre aquilo”, diz Beck.
A música em “Mutations” às vezes soa fora de moda.
Resvala no blues, honky tonky, folk rock, valsas country e bossa nova.
Suas influências param antes dos sintetizadores, dos samplers do hip hop e da bateria eletrônica, que deram origem a seus antigos hits.
“Muita gente escreve que eu remexo no barril do passado”, diz Beck. “Mas eu penso que a música dos últimos cem anos é que é contemporânea, parte de uma fluída linha contínua”.
“As pessoas têm um senso de superioridade sobre o passado, mas eu não acho que sejamos mais espertos ou iluminados. Ainda somos as mesmas pessoas de 80 anos atrás, somos como éramos há 20 anos”, explica. “E eu também acho que quando você chega ao fim de algo, você realmente tem que retornar ao começo”.
Esse fim de tudo não tem relação, ele insistia, com o fim do século.
“Estou tentando não fazer previsões furadas de fim de século”, dizia Beck. “Para o milênio, eu quero gravar um disco festivo com sons debilóides, canções idiotas e letras estúpidas”, afirmou.
“Mutations” marca uma mudança que é mais específica do que uma simples troca de calendário.
Beck, cujos álbuns, atuação em shows e aparições na TV sempre estiveram cheios de paródias, diz que está pronto para dar um chega pra lá na ironia.
Beck quer reformular suas fontes.
“Você não pode escrever mais uma canção country pura”, diz Beck. “Você não pode escrever uma pura balada appalachiana, porque nós vivemos num mundo onde ouvimos speed metal, drum’n’bass, a velha escola do hip hop. Se você não é influenciado por isso, há elementos disso em sua mente e é por isso que chamo o álbum de ‘Mutations’, porque estou tentando abraçar a evolução, as impurezas das músicas”.
O antigo e barulhento Beck só ressurge na última faixa do novo disco, sem aviso prévio, após a imponente e arrastada “Static”.
É uma canção sem título (e também sem indicação na capa do disco), que começa com algumas harmonias de meados dos anos 60, segue por tons de um baixo psicodélico e acaba numa bateria amalucada.
No disco, a música de Beck presta-se a um extraordinário exercício de reconstrução pós-moderna.
Beck pareceu deparar-se por um momento com uma velha questão: o que há de mim mesmo naquilo que faço?
Uma das grandes influências na mais moderna música européia atualmente é a sonoridade oriental (circular e de apelo místico) do paquistanês Nusrat Fateh Ali Khan, falecido em 1999.
Beck foi buscar seu quinhão, revelando-o em “Nobody’s Fault But My Own”, a segunda faixa do disco.
Mas Beck não a ouviu diretamente.
Já o fez por intermédio de quem esteve lá, embebendo-se da segunda onda de influência de Nusrat: Peter Gabriel, ex-vocalista do progressivo Genesis.
Provavelmente, pela amostragem, Beck também só ouviu de longe os ecos da bossa nova, do samba-canção e da Tropicália.
O desafio para quem ouve “Mutations” é, obviamente, saber qual foi o caminho transversal pelo qual isso ocorreu.
Não é uma brincadeira fácil.
A princípio, as pistas são falsas.
O sambinha “Tropicália”, por exemplo, a faixa que remete diretamente ao Brasil, não está em Jorge Ben Jor nem em Tom Jobim e muito menos em João Gilberto.
Está nos discos de Michael Franks (notadamente em “Dragonfly Summer”, do qual “Mutations” é quase um êmulo) e do grupo Yellowjackets.
Encontramos no meio do caminho os sintetizadores antigos que criavam climas psicodélicos nos anos 60 e algumas atmosferas acústicas artificiais, próprias da fusion dos Yellowjackets (ídolos também do pessoal do drum’n’bass londrino).
A percussão em “Lazy Flies” é puro Paulinho DaCosta – aliás, outro grande decupador da brasilidade standard nos Estados Unidos.
Em sua época, esses grupos e essas canções que hoje influenciam Beck foram postos de lado por soar pouco originais e por fazer leituras domesticadas dos gêneros que os alimentavam.
Revisitados agora, com o carimbo de modernidade apropriado da griffe Beck, parecem revigorar-se.
“We Live Again” está umbilicalmente ligada a Michael Franks.
O country “Canceled Check” não vai tão longe: é uma homenagem a Neil Young.
E o jazz “O Maria” evoca a vanguarda clássica de Ornette Coleman.
Mas o som de Beck, no geral, acaba soando meio samba do crioulo doido.
“Tropicalia” é de um etnocentrismo brutal: “As embaixadas ficam em horrendas fortalezas / Onde os turistas roncam e desabam”.
Ele deve ter sonhado e visto o furacão Mitch passando pelo sambódromo.
Em 1999, surge o legítimo sucessor de “Odelay”, intitulado “Midnight Vultures”.
Ele só tinha oito anos em 1978, mas achou que um passeio pelos velhos discos de Kool & the Gang e por fitas rejeitadas da Motown daquela época possibilitaria a conexão que precisava.
“Midnight Vultures” é um apanhado de 11 canções gravadas no estúdio caseiro de Beck em Silver Lake, Los Angeles, durante um ano de trabalho.
Inclui convidados como Beth Orton e o ex-guitarrista dos Smiths, Johnny Marr, fazendo um riff de guitarra à Lynard Skynard em “Milk & Honey”.
O disco é efetivamente um passeio pelo funk e pelo soul dos anos 70, mas não só isso: o mélange de Beck inclui cópulas de Diana Ross com os ruídos da era pré-digital do Kraftwerk, em faixas como “Get Real Paid”.
Mais Frankenstein que nunca, mas também mais estiloso que nunca, Beck se mete a fazer fusões que pouca gente ainda experimentou.
Roberta Kelly com Sly and Family Stone com Marvin Gaye com Prince com teclados Moog.
“Muito da música do disco foi inspirada pelo mundo do rhythm’n’blues”, confessa ele. “De gente como Silk”.
Para quem não conhece, Silk é um grupo de R&B de cinco sujeitos, que fez apenas três discos em sete anos e ainda faz meio mundo sonhar com novos tempos áureos para a música negra dançante.
Seu disco mais recente, “Tonight”, traz arranjos bestialmente bons e revigora clássicos de Isley Brothers, Earth Wind & Fire e outros.
Dessa vez a banda de apoio de Beck incluía o tecladista Roger Joseph Manning, o baixista Justil Meldal-Johnsen e dois programadores de computador (Mickey Petralia e Tony Hoffer).
Os Dust Brothers fazem scratch em “Hollywood Freaks” e são co-produtores em “Debra”.
“Beautiful Way”, faixa com a participação de Beth Orton, é uma das mais bonitas do disco, um country desarticulado, quase se desfazendo.
Beck toca guitarras, baixos e gaita e a voz de Beth é utilizada como um instrumento a mais, dialogando com o som.
“Pressure Zone” é mais próximo da sonoridade de “Mutations”, o disco “tropicalista” de Beck.
O problema de Beck – sim, há um problema, pequeno – é que às vezes ele chega a ser meio caricato.
“Debra”, a faixa derradeira, apesar de uma bela brincadeira vocal (algo como um duelo virtual entre clones de Chaka Khan e Barry White) parece daquelas brincadeiras de estúdio que se leva demasiado a sério.
Que nem essa profusão de cantores brasileiros imitando Tim Maia e fazendo falsete com a voz.
Engana durante pouco tempo.
A colagem e a justaposição não são uma característica nova do clã dos Hansen.
O avô de Beck, Al Hansen, conforme já foi dito, era um dos expoentes do grupo de vanguarda de artes visuais Fluxus.
Em 2000, Beck abriu uma exposição com seu irmão Channing e a mãe, Bibbe, denominada “Playing With Matches”.
Ele tem a impressão de que é também um continuador das lições do velho Al Hansen.
A mãe de Hansen, Bibbe, também tem currículo.
Ela passou parte dos anos 60 trabalhando com Andy Wahrol em sua Factory, em Nova York.
Bibbe Hansen também estrelou o filme “Prison”, com Edie Sedgwick.
Beck passava temporadas com o pai, que deixou a música para ser pastor presbiteriano, e outras com a mãe, doidona novaiorquina (o que explica um pouco seu estilo).
Nos anos 80, Beck esteve próximo da cena punk de Los Angeles.
Mas foi o blues de Leadbelly que fez mais efeito em sua cabeça.
Em 1989, mudou-se para Nova York, numa época em que os clubes do East Village, como Chameleon, estavam fazendo o que chamavam de “underground anti-folk”.
Em 1991, trabalhava numa loja de aluguel de fitas de vídeo.
Em casa, experimentava criando sons em fitas-demos.
Foi quando Tom Rothrock, proprietário de um pequeno selo chamado Bongload Records, ouviu suas fitas e o apresentou ao produtor Karl Stephenson.
Breve, lá estava Beck gravando na casa de Stephenson.
Daí pra frente foi um impulso só.
“Sou um perdedor, baby / Então, porque você não me mata?”, ele cantava, em “Loser”, sua canção mais famosa até hoje.
Era o ano de 1993. O resto da história é só badalação.
A vanguarda nova-iorquina (Beastie Boys, Dust Brothers e outros) o aceitou no grupo.
Curioso, Beck “descobriu” os Mutantes e a Tropicália e fez show com Caetano Veloso.
Até que chegou o establishment.
Em fevereiro de 1997, com o disco “Odelay”, ele ganhou um Grammy de melhor performance de música alternativa.
Nada mal para um ex-perdedor.
Mas duas biografias aos 32 anos?!
Fala sério...
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