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terça-feira, maio 17, 2011
Aula 69 do Curso Intensivo de Rock: Police e Dire Straits
Apesar de o movimento punk ter sido considerado a coqueluche da cena musical na metade dos anos 70, ainda havia na época muita gente boa escarafunchando o arsenal de estilos do rock e tentando uma mixagem com ritmos estranhos para codificar um novo som mais palatável e apurado para o gosto das massas.
Afinal de contas, não era todo mundo que estava disposto a pagar pra ouvir aquela pauleira demencial dos punks sob uma chuva de cusparadas e palavrões.
No fim dos anos 70, canções iradas, atrevidas, de bandas com balanço e personalidade própria, invadiram as paradas inglesas: era o pop pós-punk que acabou sendo chamado ora de “new wave”, ora de “pop rock”.
Coube a três bandas (The Police, Dire Straits e U2) fazerem essa releitura antropofágica musical subvertendo a sujeira estética do punk e apontando o caminho para um novo estilo, que tanto podia rolar nos shows de arena como nas pistas de dança dos pequenos clubes e nas paradas musicais das rádios mais conservadoras.
A unidade mais básica do rock’n’roll – o trio guitarra, baixo e bateria – poucas vezes funcionou tão bem como no The Police.
Em sete anos de carreira e cinco álbuns, o Police inscreveu seu nome na história do rock com um som de sofisticada simplicidade que colocava baixo e bateria na frente segurando a levada, enquanto uma guitarra econômica com efeitos discretos fazia a costura, deixando vários claros nas canções.
A voz aguda de Sting amarrava tudo com letras bem cabeça que caracterizavam seu background intelectualizado.
O sucesso inicial se deu nas águas de uma releitura do reggae, batizada por eles como “Reggatta De Blanc”, num de seus números instrumentais mais famosos.
Enquanto o reggae original jamaicano era lento e hipnótico, a versão do Police era leve e saltitante, indispensável nas pistas de dança.
Esse balanço diferente recebeu o nome de “new wave” (“nova onda”) ou “new romantic” (“novo romantismo”) e virou a cara do “pop rock dos anos 80”.
A história toda começou quando o americano Stewart Copeland e os ingleses Gordon Sting e Andrew Summers se juntaram no começo de 1977 na Inglaterra com pretensões de fazer um trabalho mais elaborado no mesmo momento em que o punk explodia na cena londrina com sua crueza musical.
No começo de 78, o Police começou a gravar seu primeiro disco, “Outlandos D’Amour”, por um selo independente.
Miles Copeland, irmão de Stewart, gostou da música “Roxanne” e conseguiu vendê-la para a A&M Records, onde o Police ficaria até o fim.
O compacto saiu com “Peanutus” do outro lado, que chamava a atenção apenas pelos timbres inusitados de guitarra. Nada aconteceu.
O Police só apareceu nas paradas britânicas com o compacto seguinte, “Can’t Stand Losing You”, com “Dead And Job” no lado B.
Em novembro de 78, “Outlandos” saiu pela A&M, com dez faixas que mostravam o som ainda cru e coisas exóticas como “Masoko Tanga”, um improviso com boas frases de baixo e efeitos de guitarra em cima de uma percussão meio africana.
O segundo álbum, “Reggatta De Blanc”, saiu no ano seguinte.
Aliando toda a energia crua do punk rock à economia sonora do reggae, o Police deu uma verdadeira tacada de mestre.
Não por acaso, o título do disco é um trocadilho tolo que poderia ser traduzido como “reggae de branco”.
A partir dessa fórmula aparentemente simples, o grupo forjou onze canções inesquecíveis, que vão do quase minimalismo de “Walking On The Moon” à elegância de “The Bed’s Too Big Without You” e “Bring On The Night”, duas das mais belas canções compostas por Sting.
O yankee Stewart Copeland desova algumas das suas melhores músicas – coisa rara –, como a deliciosa crônica da vida suburbana exposta em “On Any Other Day”.
Armado de uma liberdade criativa impressionante, o grupo brinca com a ópera em “Does Everyone Stare”, redescobre o rock’n’roll em “No Time This Time” – com direito a solos perfeitos de Stewaert Copeland e Andy Summers – e flerta com climas mais sombrios em “Deathwish”.
Mas, no final das contas, o disco será lembrado por “Message In A Bottle”.
Hoje, os ex-integrantes da banda falam com todo o respeito que um clássico exige, concordando que essa é a maior canção do trio.
Num daqueles surtos de inspiração que só acontecem uma vez na vida, Sting conseguiu criar um riff histórico – tão inesquecível quanto o de “(I Can’t Get No) Satisfaction”, por exemplo – e resgatar o que a poesia da música pop tem de melhor.
Ao usar a metáfora do náufrago cercado por milhões de garrafas com mensagens de outros náufragos para contar sua história, o baixista entrou para o time dos grandes mestres do pop.
Pena que hoje tanto talento seja coisa do passado.
O álbum seguinte, “Ghost In The Machine” (outubro de 81), mostrava o Police buscando novos rumos em faixas com toques experimentais como “Invisible Sun” e “Omegaman”, além de preciosidades tipo “Spirit In The Material World” e “Every Little Thing She Does Is Magic”.
Em 83, lançaram o último álbum, “Synchronicity”, que misturava pérolas raras com esquisitices, e onde estava o sucesso maior “Every Breath You Take”, primeiro lugar nas paradas americanas e inglesas.
A canção seria reciclada quinze anos depois por Puffy Daddy, no seu disco de estréia, e se transformaria num dos singles mais vendidos da década.
Mas o álbum “Synchronicity” também tinha outras curiosidades como “Message In A Bottle” e “Tea In The Sahara”, ambas ao vivo, além de uma versão lenta para “Don’t Stand”, a última música que o grupo compôs antes de acabar.
Eles voltaram a se reunir apenas mais uma vez, em 86, quando regravaram “Don’t Stand” para uma antologia de hits.
Depois disso, Sting tentou uma carreira-solo, mas descobriu que era muito mais negócio virar gigolô de índios brasileiros e posar de ecologista.
Há quem discorde.
Surgido na mesma época que o Police, o antigo grupo de Mark Knopfler, o Dire Straits, é amado e desprezado em proporções quase iguais.
Roqueiros “matchos” não gostam do grupo porque o acham pop demais, banal, domesticado sobremaneira.
Mas qualquer sujeito que ame um riff de guitarra bem tocado não consegue ficar indiferente ao legado da banda, que surgiu no final dos anos 70.
A grande canção do Dire Straits, “Sultans Of Swing” (que já estava em sua primeira fita demo), é realmente um achado.
A letra fala da descoberta de um grupo tocando num bar, como se fosse um lance meio autobiográfico.
Knopfler começou tocando com bandas em pubs (teve uma chamada Brewer’s Droop e outra chamada Café Racers).
De dia, era um diligente professor de inglês e cronista do jornal Yorkshire Evening.
Já tinha 28 anos na época.
Com o irmão David, o baixista-sociólogo John Illsley e o baterista Pick Withers, ele acabaria gestando o projeto definitivo.
O nome Dire Straits era uma gíria para designar algo ou alguém em má situação financeira, o nosso popular “fodido e mal pago”.
A voz melancólica de Knopfler e seu estilo fronteiriço ao country e à música folclórica escocesa também já estavam lá naqueles primórdios.
Os críticos associavam a guitarra fluida de Knopfler ao blues, a reminiscências de J.J. Cale e ficaram pasmos com a voz “dylanizada”, sem o anasalado deste.
Uma simbiose perfeita entre voz e guitarra.
O próprio Dylan, sua majestade folk em pessoa, foi vê-los em 1979, durante sua primeira turnê americana, e convidou Knopfler e Whiters para tocar em seu álbum seguinte.
Eles ganharam fama principalmente pelas apresentações ao vivo, embelezada pelos riffs personalíssimos de Knopfler.
Com “Brothers In Arms” (1985), experimentaram o auge do sucesso.
Ganharam todos os prêmios importantes nos Estados Unidos e Inglaterra (como o Grammy e o Brit Award).
O disco vendeu três milhões de exemplares só no Reino Unido, tornando-se o mais vendido de todos os tempos nas terras da Rainha.
O videoclipe da música “Brothers In Arms” também foi marcante.
Feito em animação com técnicas de grafite, ele mostrava a banda transmutando-se em desenhos animados, com a guitarra de Knopfler virando um fuzil e voltando depois ao estado original.
A canção tornou-se a mais tocada em 25 países e alcançou a marca de 20 milhões de discos vendidos.
Cada vez mais embalado, Knopfler fez um dos grandes hits de Tina Turner, “Private Dancer”, e trabalhou com Van Morrison em “Beautiful Vision”.
Nos final dos anos 80, após uma turnê de 200 apresentações, a banda resolveu fazer uma longa parada.
Só voltariam em 1990 para gravar “On Every Street”, lançado em 1991.
Mas o álbum não repetiu o sucesso dos anteriores e a banda deu uma longa parada de novo, voltando apenas para lançar um álbum ao vivo, “On The Night”, em 1993.
Depois, o grupo desapareceu.
Em 1996, Knopfler voltou com um disco solo, “Golden Heart”.
Em 1998, saiu a coletânea “Songs Of Swing: The Very Best Of Dire Straits”, com 16 hits.
Mesmo depois de ter vendido 85 milhões de discos comandando a banda que criou, Mark Knopfler, hoje cinquentão, declara que continua perseguindo sons.
“Logo após a turnê do disco ‘On Every Street’, do Straits, que consumiu dois anos, voltei a voar pelo mundo em busca de sons novos”, diz. “Fui a Nashville, rodei pelo Delta do Mississippi, voei para a Holanda, a Irlanda e de tudo o que ouvi nasceu o ‘Golden Heart’”.
A maioria esmagadora dos fãs do Straits acha que aquela guitarra estalada, tocada sem paleta por Mark, é o tal som que ele busca ansiosamente há anos.
Mas não é.
Se fosse o, o guitarrista já teria sossegado, como Glenn Miller no dia em que este, acidentalmente, teve de substituir um trumpete por um clarinete e achou o som ideal que também perseguira durante anos.
Som este que ficou representado por “Moonlight Serenade”.
A cabeça de Mark Knopfler gira enlouquecidamente desde sempre e, pelo visto, não vai parar.
O público do Straits tem sentido falta de paulada ultimamente.
A crítica norte-americana, por exemplo, foi impiedosa com “On Every Street”, lançado depois que o Dire Straits ficou sete anos afastado dos estúdios.
Antes de “On Every Street”, só tinham gravado o célebre “Brothers In Arms”, que no Brasil beirou a cifra de 1 milhão de cópias vendidas.
É lógico que, em “On Every Street”, Mark tirou o pé do acelerador e partiu para o ecletismo que roçava ardentemente no alambrado country.
Mas nem por isso deixou de ser um grande disco.
A faixa de abertura, “Calling Elvis”, é mais do que espetacular.
Sim, falta baterista, ou melhor, faltou a bateria demolidora de Terry Williams (aquele que não deixou baqueta sobre baqueta em “Alchemy”), mas Mark não queria nada com conceitos demolidores de música.
Apenas escancarou suas opções em composição.
O álbum só foi reconhecido como grande disco na Europa, o que, parece, irritou profundamente seu criador.
“É o melhor disco da banda... tanto que pretendo fazer ‘On Every Street Two’...”, diz Mark com a sua célebre cara de tédio profundo.
Mas e a sua carreira-solo?
Cabelos completamente brancos (parece um sessentão), Mark diz que “Golden Heart” é o resultado dessa busca desesperada por sons: “O disco levou mais de um ano para ser gravado porque foi feito em sessões na Europa, nos Estados Unidos, tudo com muita calma”, explica.
“Cheguei a Nashville e fiquei impressionado com os caras, músicos geniais que, em 25 minutos, captam a alma de uma canção.”
Para se livrar completamente de todo sintoma straitiano, no disco só tocam músicos que Mark Knopfler foi conhecendo pela estrada.
Com exceção de seu inseparável tecladista, Guy Fletcher (que é do Straits).
Uma experiência similar a que fez com o Notting Hillbillies, uma banda de caipiras que montou há alguns anos para gravar um único disco.
Na época, os rumores sobre o fim do Dire Straits ganharam força quando Mark disse, numa entrevista, que “o Dire Straits é minha outra banda”, como se o Notting Hillbillies fosse a principal.
Falou brincando, mas, definitivamente, o sujeito não sabe contar piada.
Jogou mais discos no ventilador.
O Brasil exerce um grande fascínio sobre Mark Knopfler, desde quando encontrou Sting na Ilha de Mont Serrat, no Caribe.
Sting estava gravando seu primeiro disco sem o Police no estúdio, ao lado dos Straits, que gravavam “Brothers In Arms”.
O Air Studios, do quinto beatle George Martin, estava virando pouso obrigatório de pop stars até ser totalmente devastado por um furacão anos depois.
E foi nos intervalos de gravação que Knopfler e Sting se tornaram amigos.
Sting falou muito do Brasil (ele já havia estado aqui com o Police) e até topou colocar a voz de abertura em “Money For Nothing”.
Não é nenhuma novidade, mas é bom lembrar que aquele “I want my MTV...”, do início da música, é a voz do Sting e a fulminante bateria é do ex-Motorhead Terry Williams.
Quando “Brothers In Arms” estourou aqui, Mark estava decidido a esticar a turnê, mas faltou dinheiro por aqui para bancar a empreitada.
A megaestrutura daquele concerto, com milhões de watts de som e luz, mais produção, mais palcos cibernéticos, espantou os empresários.
Hoje, com sua bandinha soft que também está em turnê, ele certamente viria fazer shows, digamos, “intimistas”.
Resta saber se alguém convidou.
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