Outro estilo gestado na mesma época da new wave britânica se chamava “dark music” (“música sombria”) e foi concebido por alguns grupos de som soturno e visual papa-defunto, que encontraram a fórmula do pop depressivo perfeito.
Mixando um entreposto de estilos musicais com um lirismo angustiado nas letras, os darks foram batizados de “góticos” por alguns críticos musicais brasileiros e tiveram nas bandas The Sisters of Mercy, The Smiths, The Cult e Bauhaus a sua expressão máxima.
Espécie de ecletismo musical que encantou a classe média branca com seu existencialismo de mentirinha e suas letras baseadas naquilo que se convencionou chamar de “papo-cabeça”, a encarnação mais encanada do miserê minimalista chamado dark era um sujeito alvo, cadavérico e com uma voz pra lá de gutural: Andrew Eldricht, a madre superiora do grupo inglês The Sisters of Mercy.
O primeiro LP do grupo, “First And Last And Always”, lançado na Inglaterra em março de 85, foi um dos maiores golpes de misericórdia na letargia da música popular internacional.
A missa negra que completava os delírios expressionistas do Bauhaus encontrava a demência elétrica das garage bands americanas.
Duas guitarras picando a garganta: Wayne Hussey e Gary Marx.
Um baixo climático: Graig Adams.
A voz no limite do gutural: Andrew Eldritch.
E a bateria eletrônica, ser invisível, magma percussivo vindo do espaço: Doktor Avalanche.
Todos de negro, cabelos compridos, óculos escuros.
O show de lançamento do disco foi realizado em junho, no venerável Royal Albert Hall, em Londres.
Nos últimos dois anos, as mais significativas bandas do mundo haviam tocado ali: Echo And The Bunnymen, Siouxsie And The Banshees, Smiths.
A confraria dark envergava o negro de gala para recepcionar os Sisters.
Ondas de fumaça branca.
Ondas de spotlights configurando um sonho expressionista.
E o teatro mágico descrito por Herman Hesse em “O Lobo da Estepe”.
Um som indefinível. Podia ser neogótico. Podia ser neopsicodélico.
Os Sisters se definiam como uma banda heavy metal, mas aquilo poderia ser o último eletrotiroteio entre o gunhido e a distorção.
As “Irmãs do Perdão” abriram seu show com uma fita de “Kashimir”, do Led Zeppelin.
Tocaram, em seguida, sua versão definitiva de “Gimme Shelter”, capaz de enviar calafrios pelos corpinhos de Jagger e Richards, dentro daqueles velhos e conhecidos padrões punks de poucos acordes.
Mas como essas canções atmosféricas, depressivas e escuras fizeram delirar o povo dark!
Vestidos em capas pretas e maquiados palidamente como virgens pré-rafaelitas, os darks viviam o sonho de Alice no País das Maravilhas, dançando com estranhos movimentos de mão e passinhos batizados de “new romantic”.
Ora gritavam refrões do passado em “1969” (de Iggy Pop & Stooges), ora entravam num abismo sem fundo ao som melancólico da melhor versão já feita para “Gimme Shelter” (dos Stones).
E todos, quanto não estavam passeando nas alamedas pacíficas dos cemitérios, declamando poemas de Edgard Allan Poe ou discutindo o fim da humanidade em botecos escuros e esfumaçados, estavam rezando no “Temple Of Dog”.
Em 82, o Sisters of Mercy lançou o compacto “Alice”, um retumbante fracasso comercial que acabou virando cult entre os freqüentadores da tribo dark.
Um segundo compacto, “The Reptile House”, liderou a parada independente britânica em 83 e a banda foi descoberta pela mídia, sempre ávida por novidades.
Eles lançaram mais um compacto, “Body And Soul”, antes de estrearem com o álbum “First And Last And Alaways”.
O disco conseguiu chegar ao décimo quarto lugar da parada britânica em 85.
Depois da saída de Gary Marx nesse mesmo ano, os Sisters se separaram.
Wayne e Craig formaram o Mission, e Eldritch se juntou com a baixista Patricia Morrison para lançar o álbum “Floodland”, em 87.
O disco alcançou o nono lugar na Inglaterra, emplacando os hits “This Corrosion” e “Dominion”.
Com uma nova formação que incluía o baixista Tony James (ex-Sigue Sigue Sputinik) e os guitarristas Tim Brucheno e Andreas Bruhn, os Sisters lançaram “Vision Thing” (90) com destaque para “More”.
Em 92, “Temple Of Dog” foi relançado em compacto com a participação da cantora israelense Ofra Haza.
Ainda hoje continua sendo um grande barato ouvir as modulações vocais de Ofra em contraponto com a cavernosa voz de Eldricht, que continua, teimosamente, na estrada.
As irmãs piedosas originais deixaram saudades.
Contemporâneo do Sisters, o Bauhaus está de volta, tão vivo quanto possível para um grupo que decantava coisas mortas e decompostas.
A influência dos criadores do rock gótico tem sido assumida por Tricky, Smashing Pumpkins, Portishead, Nine Inch Nails e Marilyn Manson, sem esquecer que seu estilo visual virou a última palavra em vídeo, como pode ser conferido em clipes de Madonna e Prodigy.
Ao contrário dos demais ícones dos 80, que retornaram em 1998 (Blondie, Go-Go’s, B-52’s), Bauhaus teve um retorno de banda cult.
Sem nunca ter um disco no Top 100 americano, marcou dois shows no Paladium, em Los Angeles, para ver se as pessoas ainda pagariam para vê-los tocar.
Os ingressos esgotaram-se em 15 minutos, batendo o recorde de vendagem do local.
Bauhaus ganhou vida quando o cantor Peter Murphy se juntou aos integrantes do grupo The Craze (Daniel Ash e os irmãos Haskins) em 1979.
Ao escolher como nome uma escola de arte alemã do início do século, a banda convidou comparações a outra manifestação artística do período, o expressionismo.
O primeiro single, “Bela Lugosi’s Dead”, estabeleceu a temática sombria e o clima atmosférico, reforçado por arpejos esparsos de guitarra e ênfase em baixo e bateria, como num dub reggae improvisado por punks.
Sua inclusão na trilha sonora do filme “Fome de Viver” reforçou a imagem vampiresca.
Sempre vestidos de preto, com maquiagem embranquecida no rosto, Bauhaus idolatrava as sombras, usando apenas luzes brancas em seus shows.
O primeiro álbum, “In The Flat Field”, mostra as raízes punk rock e explora pesadelos de uma educação católica.
As músicas falam em sangrar como Cristo e buscar uma linha de conduta moral.
Mas não são as letras ou os acordes minimalistas distorcidos que criam o estigma do grupo.
É algo no desespero da voz, na forma tensa como a banda toca e na decisão de não incluir nenhum dos singles que precederam o álbum.
“Mask”, de 1981, é menos frenético, mais melodioso, embora não perca a fronteira experimental de vista, misturando hinos românticos (“Passion Of Lovers”), funks (“Kick In The Eye”) e baladas fantasmagóricas (“Hollow Hill”).
Por ironia, o maior hit foi um cover de David Bowie, “Ziggy Stardust”.
Graças a ele, o álbum “The Sky’s Gone Out” entrou na parada inglesa em quarto lugar.
As primeiras prensagens incluíam como bônus um disco ao vivo, “Press The Eject And Give Me The Tape”, mais tarde relançado como álbum individual.
O título saía das palavras ditas por um segurança segundos antes de confiscar a gravação pirata que virou o próprio lançamento.
Peter Murphy estava doente quando a banda começou a gravar seu último álbum, e só entrou em estúdio quando faltavam quatro músicas por finalizar.
A faixa “She’s In Parties” assinalava novas experiências com o dub atmosférico, mas a desintegração do quarteto já era evidente.
Depois do álbum “Burning From The Inside”, Murphy e os demais integrantes seguiram caminhos separados.
Os discos póstumos incluem dois volumes com o “melhor de Bauhaus”, coleções de singles e um álbum com as sessões da BBC.
Uma nova coletânea, “Crackle”, lançada no rastro da ressurreição, traz pela primeira vez as faixas remasterizadas.
Talvez ainda seja cedo demais para avaliar o verdadeiro impacto dos Smiths na história do rock’n’roll e da cultura pop.
Poucas vezes foi tão rápido e fácil conquistar a adulação simultânea de público e crítica, pelo menos na velha Grã-Bretanha.
E as primeiras manifestações mágicas da parceria Jim Morrisey e Johnny Marr – singles preciosos como “Hand In Glove” e “What Difference Does It Make?” – já chegaram com sabor de clássicos instantâneos.
Por outro lado, não é nada fácil encontrar traços de suas influências na atual geração de bandas.
Os Smiths foram o último suspiro de originalidade no rock britânico, a última banda relevante da explosão indie e o último legado da linhagem de Manchester que havia dado Buzzcocks e Joy Division.
Seus verdadeiros trunfos estavam em suas excentricidades: conseguiram soar ao mesmo tempo extremamente punk e pop, sem contar o homoerotismo celibatário, sem plumas ou paetês, desconcertante para os padrões da usina de entretenimento infanto-juvenil.
Em poucas palavras, os Smiths foram responsáveis pela revolução no rock britânico dos anos 80 que deixou de lado a new wave e os sintetizadores para aderir novamente às guitarras.
As influências da banda podiam ser achadas espalhadas no rock clássico dos anos 50 e 60 e no punk dos anos 70.
O núcleo da banda foi formado pelo vocalista Morrissey (Patrick Morrissey) e pelo guitarrista Johnny Marr (John Maher), pessoas de comportamento e atitudes musicais opostas, que levaram à definição do estilo do Smith e ao posterior fim da banda (Marr representando a porção rebelde e rock’n’roll da banda enquanto Morrissey representava a porção pop e poética).
Em 1982, em Manchester, Marr já havia tocado profissionalmente em algumas bandas, enquanto Morrissey era apenas um jovem poeta presidente do fã clube local dos Cramps.
As letras de Morrissey se adaptariam bem às melodias de Marr e, juntamente com o baixista Andy Rourke e o baterista Mike Joyce resolveram montar a banda Smiths.
O seu primeiro single, “Hand In Glove”, se tornaria em 1983 uma constante no meio underground inglês, o que levou a banda a abandonar os pequenos clubes em Manchester para algumas apresentações em Londres.
A banda rapidamente se tornou conhecida da imprensa inglesa em função das referências homosexuais nas letras.
Ao ser lançado em 1984, o álbum “The Smiths” imediatamente subiu até o segundo lugar em vendas na Inglaterra.
Algumas letras de Morrissey passam a ser constantemente mal interpretadas (sendo consideradas incentivos ao assassinato e abuso sexual de crianças), o que leva a banda a ter uma divulgação ainda maior.
O segundo álbum, “Meat Is Murder”, entra nas paradas inglesas no primeiro posto em 1985.
O título é uma referência ao vegetarianismo adotado por Morrissey.
O tema do terceiro álbum, “Queen Is Dead”, de 1986, era mais agressivo, com críticas políticas ao governo de Margareth Thatcher.
Marr sofreria um sério acidente de automóvel em 1986 que colocou a carreira da banda em suspenso.
No meio tempo o guitarrista Craig Gannon (que havia assumido pouco antes) e o baixista Andy Rourke foram demitidos dos Smiths por problemas com heroína.
Rourke voltaria à banda dentro de alguns meses.
Em 1987, em meio à fase de maior sucesso da banda, as tensões entre Marr e Morrissey também chegaram ao ponto máximo.
Logo após o lançamento de “Strangeways Here We Come” a banda foi desfeita.
Marr viria a formar juntamente com Bernard Sumner (do New Order) a banda Electronic, Mike Joyce entraria para o Buzzcocks, enquanto Morrissey seguiria uma bem sucedida carreira solo.
O grupo estava mais que estabelecido no Olimpo do estrelato quando atingiu a maturidade e a perfeição com o álbum “The Queen Is Dead”.
O disco implodia de maneira grandiloqüente a enxuta estrutura musical da banda.
Uma orquestra de cordas transformando algumas das canções em verdadeiros épicos era o gesto de maior risco, tornando o som dos Smiths mais deslocado no tempo do que nunca.
Este era o caso da ultradebochada faixa-título, do romance suicida de “There Is A Light That Never Goes Out” e da quase patológica “I Know It’s Over”, certamente o momento mais ousado de Morrissey, compondo uma dilacerante canção de amor e adeus para a própria mãe.
A grande surpresa do disco estava, porém, no humor desenfreado, trazendo leveza de alma e os confortos do ceticismo à artilharia pesada que avacalhava a família real sem misericórdia em “The Queen Is Dead”, imaginava mortes sádicas para Margaret Thatcher em “Bigmouth Strikes Again”, ridicularizava todos os medíocres do planeta em “Franky Mr. Shankly” e extraía boas gargalhadas da obsessão pelo sexo com a impagável “Some Girls Are Bigger Than Others”.
Nem um amigo como Howart Devoto – outro grande letrista de Manchester, líder do Magazine – escapou ileso da febre zombeteira que tomou o vocalista dos Smiths.
Em “Cemetery Gates”, ele compõe um hilariante manifesto narrando um passeio dos dois entre lápides e exibições de erudição, para concluir: “Você tem Keats e Yeats ao seu lado, mas perde / Porque Oscar Wilde está no meu”.
A mensagem é fechada para quem desconhece a literatura inglesa do século 19 (Oscar Wilde era boiola), mas basta dizer que, celebrando a vitória do mais leviano senso de humor sobre a sisudez, o idealismo e o classicismo, Morrissey resumia em uma cápsula o espírito do disco.
Tentando sacudir seus conterrâneos para acordarem de seu “passado glorioso” antes que McDonald’s, Pizza Hut, Tom Cruise e Demi Moore tomassem conta de tudo, o bufão da agonia dark fracassou de maneira retumbante.
Como popstar, porém, não se deu mal: seus discos solos podem ser irregulares, mas nunca entediantes (mesmo perdendo as insuperáveis melodias de Johnny Marr) e as suas turnês americanas atraem multidões de adolescentes histéricas.
Mas, assim como o Oasis xeroca os Beatles, ainda podem surgir alguns moleques ingleses para refrescar a memória coletiva bebendo na fonte de Morrissey e Marr.
Formado em 1976, com o nome de The Easy Cure, o grupo liderado pelo vocalista Robert Smith era uma reação ao movimento punk que surgia na Inglaterra.
Seu primeiro single – “Killing An Arab” – saiu em 1978.
É o marco zero do surgimento da persona Bob Smith, de pele muito branca e batom vermelho que lhe dava um ar meio andrógino.
O vocalista do grupo investe no visual, vestindo roupas pretas a qualquer hora do dia e da noite.
Sua música ainda era simples.
As letras passavam uma certa depressão e melancolia.
Na Inglaterra, Smith não estava sozinho.
A década de 80 foi povoada por uma variedade de bandas que seguiam o visual dark (gótico também era o termo muito usado): Siouxie and the Banshees, The Jesus and Mary Chain, Echo and the Bunnymen, etc.
Mas o The Cure era a de maior sucesso e se tornou a principal entre poucas sobreviventes para os anos 90.
No Brasil, o sucesso veio apenas em 1985, depois que as rádios FM se renderam ao burburinho de clubes como o Madame Satã, em São Paulo, e o Crepúsculo de Cubatão, no Rio.
Era a época do álbum “The Head On The Door”.
Começou uma corrida ao passado que culminou com o lançamento da coletânea “Standing On The Beach – The Singles”.
A lista de hits, nessa época, misturava músicas novas e velhas como “Killing An Arab”, “Boys Don’t Cry” e “In Between Days”.
Em 1987, a banda fez sua turnê brasileira no auge do sucesso mundial, pouco antes de lançar “Kiss Me Kiss Me Kiss Me” e abriu as portas para o rock inglês.
Seus discos posteriores – “Desintegration”, “Pornography”, “Seventeen Seconds”, “Wish” e o ao vivo “Show” – não receberam a atenção que mereciam.
E aqui cabem algumas explicações.
Quando o pós-punk surgiu, foi recebido como a salvação da lavoura.
Bandas unindo a atitude do-it-yourself do punk com a musicalidade esquecida pelos Sex Pistols, herdada dos anos 60 e revestida daquela melancolia londrina.
Os melhores grupos da safra, os Smiths e o Echo & the Bunnymen, tiveram sorte e esperteza suficientes para pendurar as guitarras antes de se tornarem chatos, como o Simple Minds ou o The Cult.
Os sobreviventes foram se acomodando e caindo no mesmo buraco de Pink Floyd, Rolling Stones e Emerson, Lake & Palmer.
A lógica é a seguinte: banda de passado legal continua por aí tentando lançar discos que não sejam risíveis e que desculpem uma turnê caça-níqueis recheada de sucessos.
E o The Cure, como foi visto nos shows do Hollywood Rock, está cada vez mais perto disso.
Com o agravante de que seu novo disco, “Wild Mood Swings”, provavelmente vai fazer a alegria de quem foi assistir aos shows de sobretudo.
Se isso é um insulto ou um elogio, decida você mesmo.
O referido álbum abre com a mesma “Want” que introduziu os shows brasileiros.
Aí você já quer pular pela janela.
Mas em seguida entra “Club America” e você volta do parapeito, imaginando quanto tempo Robert Smith e companhia levaram para soar iguaizinhos a um cruzamento de Black Grape com grunge.
Não há muitas faixas emocionantes ou mesmo que grudem na memória, a obrigação mínima do rock.
O disco só não é um desperdício absoluto porque “Jupiter Crash”, com clima e letra maluquinhos, é bem legal.
E “Mint Car”, o novo single, é uma pepita pop para arrepiar o laquê das cabeleiras góticas.
A melhor faixa, “Treasure”, prima pelo belo arranjo de cordas.
A letra parece diário de menina, mas está valendo.
Alternando climas soturnos e melodias pop, criando um incômodo padrão, a banda ajudou a cunhar o termo gótico, absorvido no Brasil como dark, o que garante sua presença em qualquer enciclopédia de rock, mas os estigmatizou.
“Wild Mood Swings”, entretanto, não aponta direções futuras, não atrai novos admiradores e não contribui para coisa alguma.
Permite apenas a manutenção de uma horda de fãs que não notaram que o The Cure acabou em algum percalço de “Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me”.
Foi bom enquanto durou.
Nenhuma banda norte-americana pode avaliar com precisão a luta travada pelos ingleses do grupo The Cult para conseguir fazer rock’n’roll.
Apesar da insistência da onipotente imprensa inglesa em enquadrá-los no gênero mais quente de cada estação, o Cult sempre se mostrou determinado a driblar as tendências da moda.
Ian Astbury, Billy Duffy e Jamie Stewart (baixo e guitarra rítmica) funcionam como núcleo da banda desde 83.
Astbury, criado em Liverpool, atuou como vocalista da banda gótica Southern Death Cult – sua primeira incursão musical –, durante dois anos.
O grupo tinha um grande número de seguidores, atraídos pela estranha imagem calcada nos índios americanos, introduzida por Astbury – há muito fascinado pela cultura indígena – e pelo estilo lúgubre e tenebroso da banda.
Um mês depois do lançamento do primeiro single, “Fat Man” (que liderou as paradas independentes inglesas por quase dois meses), o Southern Death Cult se desintegrou.
Astbury tomou o nome, tirou o adjetivo e começou a montar o Death Cult.
A vida musical de Duffy, porém, foi bem mais movimentada.
Em 1976, profundamente influenciado pela explosão dos Sex Pistols, o guitarrista de Manchester começou sua carreira no inexpressivo Ed Banger & The Nosebleeds.
Quando Banger e o guitarrista Vini Reilly (que criaria o Durutti Column) puseram fim à banda em 77, Duffy e Steven Patrick Morrissey ocuparam os lugares vagos.
Depois dos Nosebleeds, Duffy passaria por uma série de bandas de vida curta – uma delas a muito elogiada Theatre of Hate.
Sua próxima parada seria o Death Culto para o qual haviam sido recrutados ainda o baixista e o baterista do desconhecido grupo Ritual – Jamie Stewart e Ray Mondo.
No dia 13 de janeiro de 1984, depois de oito meses e dois singles, a banda apareceu num programa de TV britânico, já com o culto “Spiritwalker”, o primeiro single da nova fase, que alcançou o primeiro lugar nas paradas independentes inglesas.
Nessa época, o Cult ainda lutava para deixar o gueto gótico.
Para apagar os aspectos mais sombrios de seu passado, dotaram seu primeiro LP, “Dreamtime”, de uma visão musical mais elaborada, lustrosa e colorida.
Era um passo em direção a um estilo mais progressivo e barroco que refletisse o acid rock, com raízes no blues praticado por Hendrix e Joplin nos anos 60.
Nascia o neopsicodelismo do Cult.
Em maio de 1985, a banda consolidava sua reputação com um single impecavelmente elaborado, “She Sells Sanctuary”.
Seria mais uma armadilha.
Com o lançamento de “Love”, em meados de 85 (com Mark Brzezecki como baterista), acabariam tachados de “neopsicodélicos”, da mesma forma que antes eram chamados de “góticos”.
Uma aparição na TV, ao lado do Dream Academy, outra banda que retomava os anos 60, endossou essa imagem também nos Estados Unidos.
Ainda assim, o Cult queria apenas fazer rock.
Insatisfeito com os resultados das gravações para o terceiro álbum, o grupo saiu à procura do produtor mais requisitado do momento: o menino-prodígio Rick Rubin, do selo Def Jam.
A idéia era retrabalhar o material, transformando-o no sonho dourado de qualquer roqueiro.
“Nada de solos de guitarra com firulas”, foi o lema de Rubin durante o projeto.
Com o disco “Electric”, o Cult finalmente se livrou dos últimos vestígios de sua origem britânica e entrou no redemoinho do rock americano.
Da mesma forma que promoveu a fusão do rap urbano negro como rock americano branco – através da colaboração entre Run DMC e Aerosmith em “Walk This Way” –, Rubin costurou o som alternativo do Cult com os até então desprestigiados fios do rock. (O único grupo britânico de rock a fazer sucesso na época era o Def Leppard, ainda muito distante do multimilionário LP “Hysteria”.)
Com o metal se infiltrando nas casas noturnas –, via scratching e sampling nos discos de rap – e a contribuição decisiva do Cult, ruíam as barreiras que não permitiam a entrada do rock mais pesado e não pop no mainstream.
“Gravar Electric foi uma grande diversão adolescente”, declarou Duffy.
As sessões de gravação no Electric Ladyland – o estúdio de Jimi Hendrix em Nova York – eram constantemente interrompidas por visitantes do Anthrax e Beastie Boys, além de um atencioso Robert Plant.
“No começo eu realmente não me dei conta de quem era ele”, diz Astbury, relembrando a entrada de Plant no local de ensaio. “Ele percebeu que nossa música estava num estágio de formação, e as nossas influências estavam começando a aparecer. O que ele disse foi que demoraria um pouco para nos encontrarmos realmente. Acho que conseguimos isso com Sonic Temple.”
“Acho que o gosto dos fãs evolui junto com a banda”, sugere Duffy. “Não acredito que tenhamos tantos fãs góticos ou alternativos quanto antes. Eles cresceram um pouco e começaram a se interessar por uma forma mais verdadeira de música. Quando eu digo mais verdadeira, quero dizer rock como filho bastardo do blues – o que, para esses fãs, é música de raiz. Minhas raízes são Led Zeppelin, não Muddy Waters – ele pode ter influenciado Jimmy Page, que é muito mais velho do que eu. Eu cresci ouvindo Slade, Thin Lizzy e Black Sabbath. Provavelmente todos esses caras cresceram ouvindo os originais, eu não sei.”
Se “Electric” enfrentou algum problema, foi o seu lançamento prematuro.
Depois de excursionar abrindo para Billy Idol durante três meses, o Cult voltou para a estrada, tendo como show de abertura uma promissora banda de Los Angeles chamada Guns N’Roses.
Enquanto os fãs antigos do Cult começavam a aceitar a idéia de que já não era tão feio tocar rock puro e simples, os fãs americanos ainda não haviam sintonizado a nova fase da banda.
Ao final da turnê a comercialização do rock pesado, até como música dançante, acabaria sendo muito mais lucrativa para o grupo de Axl Rose do que para as estrelas da turnê.
“Para ser sincero, sinto um pouco de inveja, é claro”, diz Duffy, que não escondia seus sentimentos com relação à ascensão fenomenal do Guns N´Roses. “Quem não sentiria? Foi muito mais difícil para nós, sendo ingleses, vindos de um contexto onde esse tipo de rock era considerado imbecil e quem ouvia rock era retardado mental. Deixar tudo isso para trás e conseguir aceitação nos Estados Unidos, um país basicamente construído sobre o rock, foi incrivelmente difícil”.
“O sucesso deles não nos surpreendeu, mas sua magnitude sim. São uma banda muito boa, mas não os acho tão criativos assim. Nada do que eles fazem me surpreende. Todo mundo faz sucesso com baladas: o próprio Guns N´Roses com Sweet Child O’ Mine, o Aerosmith com Angel, o Bon Jovi com Wanted Dead or Alive. Essas são as canções que projetaram esses grupos para um público muito maior. Existem no máximo dois milhões de fãs de rock pesado nos Estados Unidos. Para ultrapassar esse número, você precisa de uma balada que atraia as pessoas normais”.
O que fez com que “Sonic Temple” seja hoje um marco na evolução do Cult foi a introdução de uma noção de maturidade e estabilidade no som da banda.
Eles não se contentavam mais com as grandiosas reverências aos deuses do rock (Led Zeppelin, Cream, Hendrix etc) realizadas em “Electric” e, de forma mais amena, em “Love”.
No disco “Sonic Temple”, eles demarcaram claramente seu próprio espaço no firmamento do rock.
Para quem quer travar um contato inicial com a sonoridade da banda, a coletânea “The Singles – 1984/1995”, que reúne canções que vão do auge do grupo (como “She Sells Sanctuary”) à sua dissolução mais traumática (“Sweet Soul Sister”), é um bom começo.
O The Cult terminou de forma abrupta em 1995, quando o cantor Ian Astbury deixou o grupo no meio de uma turnê pela América Latina.
Em 1998, o grupo reuniu-se de novo – Astbury, o guitarrista Billy Duffy e o baterista Matt Sorum (do Guns N’Roses) e o baixista Martyn LeNoble (do Porno for Pyros).
Formada no primeiro sopro do rock pós-punk, o grupo surgiu com uma mistura poderosa de desencanto e hard rock dos anos 70, o que os tornou bem vistos na cena alternativa por soar como uma poderosa mistura de Doors, com Led Zeppelin e AC/DC.
“Uma paródia brilhante”, assinalou a revista Rolling Stone.
Perfeito.
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