Por Fernando Gabeira
Estava no meio de um artigo sobre a conversa com Deltan
Dallagnol no Teatro do Leblon, a respeito dos livros que publicamos. Mandei o
artigo para o espaço. Durante muitos anos trabalhei, no Congresso, para proibir
bombas de fragmentação. Elas ficam no terreno, às vezes parecem um brinquedo e,
de repente, bum: explodem.
Nesse terreno minado, no entanto, a JBS nunca me enganou.
Faz alguns anos que a menciono em artigos. Ela recebia muito dinheiro do BNDES.
E doava também muito dinheiro para as campanhas políticas. O PT levava a maior
parte, mas não era o único.
A Polícia Federal já estava no rastro, investigando suas
fontes de renda, BNDES, FGTS, todos esses lugares onde o dinheiro público flui
para o bolso dos empresários. Assim como no caso da Odebrecht, as relações com
o mundo político eram muito amplas. Elas são suficientes para nos jogar, pelo
menos agora, numa rota de incertezas.
Temer foi para o espaço, Aécio foi para o espaço, embora
este já estivesse incandescente, como aqueles mísseis da Coreia do Norte no
momento do voo. O PT e Lula já sobrevoam o mar do Japão.
Tudo isso acontece num
momento em que há sinais de uma tímida recuperação econômica. Como navegar
nesses mares em que é preciso desmantelar o grande esquema de corrupção e não
se pode perder o foco nos 14 milhões de desempregados?
Escrevo de noite, num quarto de hotel, não me sinto capaz de
formular todos os passos da saída. Mantenho apenas o que disse no Teatro do
Leblon: a história não recomeça do zero, haverá mortos, fraturas expostas,
ferimentos leves, algo deve restar para receber a renovação que, acredito, virá
em 2018.
E até lá? Não creio que se deva inventar nada fora da
Constituição. Mas será tudo muito difícil. Mesmo porque, em caso de
necessidade, a Constituição pode ser legalmente emendada.
No Teatro do Leblon, ainda no meio da semana, não quis fazer
considerações finais. Não há ponto final, dizia. As coisas ainda estão se
desenrolando num ritmo alucinante. O sistema político no Brasil entrou em
colapso. Isso já era uma realidade para muitos, agora deve se tornar um
consenso nacional.
A sociedade terá um papel decisivo, pois deve preparar uma
renovação e simultaneamente monitorar os ritos fúnebres do velho sistema. A
grande questão: que caminho será o menos traumático para uma economia
combalida?
No meio dos anos 1980 já existia uma forte discussão a
respeito de partidos políticos. Não seriam uma forma de organização condenada?
Discutia-se isso também em outros países. Partido ou movimento, o que é melhor
para reunir as pessoas?
A discussão na França, creio, deve ter influenciado, anos
depois, a eleição de Macron, agora em 2017. Ele estava à frente de um
movimento, mas precisará dos partidos para governar. As fórmulas da renovação
política trazem inúmeras possibilidades. Talvez seja difícil falar delas com
tantos obstáculos a curto prazo no universo político.
No momento em que escrevo há surpresas, eletricidade,
sensação. Só há clima talvez para se discutirem as medidas mais imediatas. O
processo de redemocratização no Brasil chegou a um impasse. Precisa de um novo
fôlego, algo que, guardadas as proporções, traga de novo as esperanças
despertadas pelo fim do longo período ditatorial.
Foi um longo processo de degradação. As últimas bombas que
ainda estão espalhadas pelo terreno ainda podem explodir. Mas a explosão de
cada uma delas deve ser celebrada.
A corrupção, apesar das recusas da esquerda em reconhecer
sua importância, tornou-se o grande obstáculo para o crescimento do país. Não
vamos nos livrar totalmente dela. Há um longo caminho para fortalecer a
estrutura das leis, desenvolver uma luta no campo cultural – onde as
transformações são mais lentas – e sinceramente mostrar às pessoas que é
razoável que estejam surpresas com tantas revelações escabrosas.
Mas um pouco mais de atenção já teria detectado o escândalo
na fonte, nas relações da JBS com o BNDES, na sua ampla influência nas
eleições. Até que ponto tanta surpresa seria possível num universo não só com
um pouco mais de transparência, mas também com menos ingenuidade?
O tom de prosperidade, crescimento, projeção internacional
ajudou a JBS a dourar a pílula, mesma fórmula de Cabral para encobrir seus
crimes.
Nos dias anteriores ao escândalo da JBS, a presidente do
BNDES ainda achava estranhas as notícias de corrupção no banco e anunciava que
iria apurar as irregularidades na gestão anterior.
E falamos delas há anos. Se essa gente insiste tanto em nos
infantilizar é porque, ao longo desse tempo, a tática se mostrou eficaz.
A vigilância pode nos libertar dela, embora sempre vá
existir um grupo numeroso que vê nas denúncias contra seus líderes uma conspiração
diabólica. Esses, entregamos a Deus, sua viagem é basicamente religiosa.
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