Por
Jefferson Peres
“A thing of
beauty is a joy forever”, dizia Keats. Só depois de adulto pude
compreender toda a verdade contida nesses versos do grande poeta inglês. Realmente,
uma coisa bela, por fugaz que seja, fica retida na memória, com um gosto de
eternidade, pois nos acompanha pela vida afora, a nos alegrar para sempre.
Hoje, transcorridas algumas décadas, ainda trago vivas
comigo as imagens de algumas das mulheres que povoaram os anos da minha
adolescência. E foram muitas. Pode-se dizer, sem bairrismo nem saudosismo, que
Manaus era uma cidade de moças bonitas, considerando o tamanho da população.
Não me refiro apenas a garotas de beleza comum, com um rosto
agradável e um corpo bem-feito, como tantas que encontramos no dia-dia. Falo
das mulheres excepcionais, que, além da beleza física, são dotadas, também, por
uma prodigalidade da natureza, de elegância, graça, personalidade e charme.
Conheci pelo menos uma dúzia delas. Com nenhuma cheguei a
manter qualquer relacionamento mais estreito, até pela diferença de idade, eu,
um garoto reservado e tímido, elas, moças feitas, de uma presença esmagadora, a
me causar aquele alumbramento que só aumentava a minha timidez.
Com algumas tive rápidos contatos, com outras nunca falei, e
houve aquelas que apenas pude ver por momentos. Mas de todos guardo uma
lembrança inapagável. Às vezes chego a me perguntar se, decorridos tantos anos,
essas imagens não seriam algo irreais, porque favorecidas pela filtragem do
tempo.
Mas logo afasto a idéia e me livro das dúvidas, quando
percebo que elas não me apareceram de repente, por um esforço de memória, mas
são uma constante, gravadas com nitidez em minha mente. Devem mesmo ter sido
como eu as vejo agora.
As outras que me perdoem, mas na galeria dos vultos
femininos do passado a que presto culto, um lugar especial é reservado à figura
de Maria Amália Ferreira. Dos homens da minha geração, muitos poucos terão
escapados ao seu fascínio. Como já disse Thiago de Mello, não há como fugir ao
chavão: ela marcou época.
Parece que a estou vendo, ainda hoje. Alta, esbelta, cabelos
alourados, olhos claros, os lábios repuxados nos cantos, numa expressão irônica
e sensual. Mais do que tudo, porém, o andar lhe imprimia a marca inconfundível.
Balouçante, gingado, numa cadência graciosa, mas natural, sem nenhuma afetação,
presumo que era assim o passo da moça ipanemense imortalizada por Vinícius na
canção famosa.
De longe se podia identificá-la, e, quando isso acontecia, a
notícia se espalhava com rapidez de fogo em rastilho: lá vem a Maria Amália! E
logo a Eduardo Ribeiro se transformava numa vasta passarela, com o público
masculino ansioso, na expectativa de ver a deusa passar.
As conversas nas rodas silenciavam, balconistas assomavam às
portas das lojas, transeuntes se voltavam, alguns mais afoitos lhe diziam
galanteios, e ela passava, indiferente e altiva, mas sem arrogância, com a
tranquilidade de uma rainha com direito à homenagem dos súditos.
Incluí-me desde muito cedo em sua corte de admiradores,
quando fomos quase vizinhos, na Rua Dr. Moreira, eu ainda menino e ela ainda
sem grande notoriedade. Morava com seu pai, o velho Benjamim Ferreira, a
madrasta e duas irmãs, numa bela casa antiga, onde funcionou a Pensão Rio
Negro, no meio do quarteirão entre a José Paranaguá e a Quintino Bocaiúva.
Depois foi residir, com a família, na casa da Rua 24 de
Maio, entre a Costa Azevedo e a Barroso, que tinha sido um escritório da RDC, e
era precisamente de lá que saía para desfilar em sua passarela habitual.
Nunca mantive contato com Maria Amália. Simplesmente não
apareceu a oportunidade e tive de me conformar com a contemplação distante e
silenciosa. Mas sei por informações de terceiros que a personalidade não dissentia
do físico.
Era educada, alegre, inteligente e dotada de um talento artístico
que foi sufocado no nascedouro, graças a um episódio infeliz.
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