Por Jefferson Péres
Ponto dos mais importantes da cidade era o cais do porto, o
velho “Roadway”, como todos lhe chamávamos. Exibíamos com orgulho aos
visitantes no início do século, pois era único no gênero em nosso país.
Assentado sobre dezenas de bóias de ferro, que acompanhavam o fluxo das águas,
permitia à cidade receber navios de grande calado durante todo o ano.
Ainda continua assim, mas sofreu consideráveis modificações
em sua forma original, mas somente a da esquerda era ligada à terra. A outra, chamada
de “torre”, ficava ilhada ao largo, sendo a carga transportada por um
teleférico com vários guindastes, conhecidos popularmente por “macacos”, porque
de longe apresentavam um curioso perfil simiesco.
Lá atracavam os navios estrangeiros da Booth Line e da
Lamport, como o “Hillary”, aos quais só tínhamos acesso através de catraias e
com autorização especial da Manaos Harbour, concessionária do porto. Era a
única porta da cidade, então insulada do resto do país por via terrestre e, até
1945, desprovida de aeroporto.
Pelo “roadway” embarcava e desembarcava a toda o fluxo de
cargas e passageiros transportados por navios e hidroaviões. Era lá, portanto,
que apresentávamos boas-vindas e despedidas a parentes e amigos, em momentos de
intensa emoção. A rapidez atual do transporte aéreo transformou as viagens em
acontecimentos corriqueiros, banais.
Naquele tempo eram ocorrências poucos frequentes, que
exigiam meses de preparação, porque implicavam sempre numa longa ausência. Os
navios de Lloyd que faziam a linha Manaus-Rio de Janeiro eram conhecidos da
população e seus nomes soavam familiares a todos nós: Baependi, Almirante
Alexandrino, Almirante Jaceguay e tantos outros, que se ligavam às pessoas,
associados a viagens inesquecíveis.
Nos dias de partida, uma pequena multidão invadia o barco e
era aquela efusão de choros e abraços quando o grumete passava a badalar uma
sineta dourada anunciando a hora de partir. Pesarosos, desciam todos para o
cais e de lá ficavam acenando até o navio desaparecer.
Quando entre os viajantes se incluíam uma alta autoridade
civil ou militar, comparecia a banda da polícia ou do exército. Então, entre
marchas, dobrados e apitos do navio, o cais virava uma verdadeira festa.
A movimentação não ocorria apenas nesses dias. Com ou sem
navio, aos domingos, o “roadway” virava local de “footing” das famílias que, a
partir das 17 horas, se encaminhavam para lá, onde permaneciam até o anoitecer.
Eram centenas de pessoas, principalmente da classe média,
jovens e adultos, a desfilar tranquilamente admirando o movimento das
embarcações e a evolução dos botos na superfície das águas.
De vez em quando, éramos brindados com um pôr-do-sol
apoteótico e ficávamos todos deliciados na contemplação muda do espetáculo.
Esses passeios domingueiros tinham o sentido de uma busca
nostálgica da visão perdida do rio. Paradoxalmente, numa região onde “o rio
comanda a vida”, como disse Leandro Tocantins, Manaus voltou-lhe as costas.
No centro da cidade, em vez de uma avenida litorânea, temos
uma barreira descontínua de edificações que só nos permite divisar o rio a
breves espaços e a distância.
A construção do porto e do mercado, assim como as casas da
Rua dos Barés emparedaram a área central, impedindo a abertura de uma avenida,
que nos daria uma bela visão panorâmica do rio Negro.
Quem sabe, a nossa frustração não explicaria essas visitas
dominicais como uma espécie de comunhão ritualística com as águas.
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