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segunda-feira, maio 22, 2017

Manaus: como eu a vi ou sonhei (8)


Por Jefferson Peres

Em contraste com os americanos, mas ao mesmo tempo que eles, chegavam outros adventícios. Feios, macilentos, sofridos, desembarcavam aos montes, dos porões dos navios, para se alojar na Hospedaria do Pensador, em Flores, ou no Trapiche Teixeira, um enorme galpão existente na Marquês de Santa Cruz, em terreno hoje ocupado pela Portobras.

Eram os nordestinos, ou arigós, isto é, aves de arribação, como lhes chamava o povo depreciativamente. Acontecia a segunda grande transumância amazônica, após a primeira, ocorrida no ciclo da borracha. Quantos vieram desta vez? As estimativas variam: 30, 50, 70 mil, nunca se saberá exatamente. Recrutados pelas agências do governo, muitos se fixaram em Manaus, no refluxo dos seringais, aos quais não conseguiam adaptar-se.

Os que aqui permaneciam não gozavam de boa fama entre a população. Por coincidência ou não, com a sua chegada cresceu sensivelmente o índice de criminalidade. E dos crimes ocorridos nessa época, dois deles chocaram a todos pela brutalidade com que foram praticados.

O primeiro, o latrocínio dos irmãos Lopes, dois portugueses proprietários de uma pequena taberna na Vila Municipal, misteriosamente trucidados em seu estabelecimento; outro, o assassínio do Periquito, jardineiro do advogado Aristides Rocha, morto a facadas na garagem da residência, com entrada pela Rua 10 de Julho, embora a casa fique situada na Eduardo Ribeiro.

Os dois crimes permaneceram insolúveis, conquanto fosse aceita pelo povo, como verdade inconclusa, a versão de que teriam sido praticados por nordestinos que serviam como soldados na Polícia Militar.


Quase dez anos mais tarde, a cidade foi sacudida pelo caso Delmo Pereira, cujo sequestro, ocorrido a poucos metros da minha casa, deixei de testemunhar por questão de segundos. Quando lá cheguei, só encontrei a ambulância vazia e cercada de curiosos.

Pouco depois Delmo era assassinado no mesmo varadouro em que perdera a vida o motorista de cuja morte era acusado. Por ocasião do julgamento de seus assassinos, o interesse do público era tão grande que meu pai, então presidente do Tribunal de Justiça, teve de distribuir fichas para controlar o ingresso na sala do Júri.

As notícias da crônica policial, sobre ocorrências envolvidas por imigrantes, eram frequentes. Se bem que os envolvidos fossem em número percentualmente insignificante, a pecha de marginais foi estendida a todos, uma generalização injusta para com a dezena de milhares que vegetavam em condições desumanas no interior dos seringais. Ou mesmo para com aqueles que, em condições apenas um pouco melhores, trabalhavam duramente na cidade.

Mas a guerra não acabaria sem que o outro acontecimento provocasse forte comoção na cidade. Ao final de 1944, os reservistas amazonenses começaram a ser convocados para integrar o último contingente da FEB a seguir para a frente de batalha.


Em muitas famílias a convocação era recebida como uma sentença de morte, com choros e lamentações, em meio à presença de vizinhos e amigos que acorriam em solidariedade a mães e irmãs inconformadas.

No dia da partida, em dezembro, o pranto foi coletivo, com patéticas cenas de despedida em frente ao quartel do 27º. BC, na Praça General Osório, e, mais tarde, no Roadway, de onde zarparam no Cambridge para fazer o transbordo em Belém, rumo ao Rio de Janeiro, e de lá seguir para a Itália, onde desembarcariam em fevereiro de 1945.

Depois de algumas semanas de treinamento, foram finalmente encaminhados ao front, às vésperas da rendição da Alemanha. Em dezembro, um ano depois da partida, estavam de volta a Manaus, recebidos por uma pequena multidão.


Do cais se dirigiram à Catedral, para a missa de ação de graças, mandada celebrar pelos parentes, com a igreja lotada. Em seguida, desfilaram pela Eduardo Ribeiro rumo ao quartel, por entre alas de povo, aclamados como heróis, embora muitos deles nem sequer tivessem entrado em combate.

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