Por Thiago de Mello
J
do Jari,
Uma das figuras mais bem-queridas
desta cidade, o Jari Botelho, de quem tive a sorte de ser companheiro de
meninice e a fortuna, que moeda nenhuma dá preço, de nos querermos até hoje, meninos
crescidões, o mesmo bem dos tempos da rua Isabel, da cartilha e da taboada, do
Ginásio, dos campos do Careiro, do vento geral da boca do Varre Vento.
A esse irmão, com quem tanto
tenho aprendido, desde os tempos em que ele sempre fazia lugar para mim nos
barcos em que, como funcionário do antigo Fomento Agrícola, saía aí por esse
interior sempre tratando de ajudar, pedi que me contasse, como contribuição
pessoal para este livro que não é meu, como é que ele vem levando a sua vida.
Foi um custo. Mas quem sou eu?, me respondia com o sorriso que tanto cativou o
Darcy Ribeiro, uma noite em que o nosso maior antropólogo saiu de sua casa,
levado por mim, deliciado com uma tartarugada que não se cansou de repetir e
abismado com a sabedoria do Jari.
– A minha vida é tão simples,
começou contando o meu amigo. Tive a infância de qualquer menino pobre. Fui
criado por uma família do Careiro, o casal Joaquim Botelho Cabral, do qual
ganhei no cartório o sobrenome. Minha mãe verdadeira ainda vive e sempre a
revejo. Mas a mãe que tive mesmo foi dona Honoria de Araújo Botelho. O
sobrenome que hoje tenho foi um presente, ao qual dou muito valor, daquele
homem bom e honrado. Eu só tenho é alegria quando lembro da minha infância,
junto com os meninos que nem eu. Alguns deles viraram pessoas importantes, mas
quando a gente se encontra, a primeira coisa de que a gente se lembra e começa
a falar é do nosso tempo de menino de beira de rio, comendo melancia de graça e
aprendendo a gostar de jaraqui frito, que é o que de melhor existe para quem
sabe dar valor a peixe.
– Desde pequeno viajei muito
para o Careiro. Me lembro de um português, o seu Martins, que fazia linha para
lá, numa embarcação pequena, com casco de ferro europeu, chamada Teresa. Foi no
Careiro que aprendi a ler, com dona Marisa Durand. Terminei o primário no Barão
do Rio Branco e depois entrei para o Ginásio, no tempo do Tarzan, do Helio
Lima, do Leandro Antony, do Walter Peres. Ainda hoje são meus amigos o Paulo
Jacob, o Jesus Ferreira Lopes, o Jerônimo Raposo da Câmara, todos desembargadores.
– Nunca me esquecerei de um
episódio triste que abalou todo o Ginásio. O Machado e Silva era o diretor. Foi
a morte de um colega nosso, o Anibal dos Santos, por acidente, numa brincadeira
do Claudio Dente de Ouro, que chegou com uma pistola, cuja bala estava presa e
de repente disparou. O colega pegou na minha mãe, foi derreando o corpo,
virou-se para o Dente de Ouro e disse com uma voz cheia de tristeza: “Me
mataste”. Levamos o Anibal a toda pressa para a Santa Casa, mas já era tarde.
Antes de morrer ele ainda pediu que nada fizessem contra o colega, que nenhuma
culpa tivera.
Mas a verdadeiro vocação do
Jari era o trabalho com a terra. Trocou as linhas dos livros pelas riscas do
arado no chão. Fez um curso de arador-tratorista no Ministério da Agricultura e
foi trabalhar no Fomento Agrícola. Foi tomando gosto pela agricultura
mecanizada e acabou comprando um trator, com o qual chegava aí por essas beiras
de rio, arando a terra dos outros, muitas vezes gratuitamente. O atraso era
grande, o apoio oficial pequeno. Jari vendeu o trator.
– Estamos atrasados de mais de
meio século aqui no Amazonas em matéria de utilização de técnica agrícola, com
relação ao Sul. Vou te contar uma coisa: em 78 fiz em Sertãozinho, na Lagoa da
Serra, um curso de inseminação artificial, estudei e aprendi muito. Quando
voltei, quis instalar um curso de inseminação, para ajudar a desenvolver a
pecuária em nosso Estado, e fiquei decepcionado: quando fui procurar o
nitrogênio, elemento essencial ao processo, simplesmente não havia, não se
fabricava. Só importando, o que encarecia muito. Por isso é que estamos ainda
muito atrasados, de um modo geral, em matéria de pecuária. Na prática mesmo, o
meu curso, com o qual eu queria tanto ajudar o pessoal pequeno que lida com boi
aqui no Amazonas, não serviu de nada. Não aplico os meus conhecimentos, o
nitrogênio continua faltando. É claro que um ou outro fazendeiro rico importa o
produto químico e aplica o processo artificial; mas são poucos. Seria uma
grande coisa se a Secretaria de Produção introduzisse aqui no Amazonas a
inseminação artificial, seria um grande progresso para a pecuária. Porque em
vez de importar um touro reprodutor, que vale de 200 a 500 mil cruzeiros, que
corre o risco de ser picado por uma cobra ou comer uma erva venenosa, episódios
ainda tão frequentes, muito melhor seria a aplicação da ampola, que já vem com
o sêmen de um grande reprodutor.
– Mas tive muita alegria com o
meu trabalho na terra. Recordo que, certa ocasião, passei dias arando uma terra
lá no Cambixe, de propriedade do sr. Zezinho Vasconcelos, lá no paraná do
Cambixe. Nunca me esqueço de que vi nascer um milharal enorme e junto com ele
um lindo capim colônia que ali estava encalcado pelo próprio pisoteio do gado e
com o trabalho do arado o capim nasceu de novo que foi uma beleza.
Jari recorda o tempo de nossa
infância em que as embarcações traziam o leite lá do Careiro:
– A chata Paraíba, de roda
atrás, fez durante muito tempo a linha do Careiro, transportava passageiros e
principalmente trazia o leite. Meu pai era grande produtor de leite lá no
Careiro, e adquiriu no Recife uma usina de pasteurização de leite, a primeira
instalada aqui no Amazonas. Com uns sócios, adquiriu um navio, o Clarita, que
pertencia ao Rubens Levy, da firma B. Levy. Adaptou o navio para o recebimento
de leite que era refrigerado em tanques especialmente construídos. Mudou o nome
do barco para Careiro Industrial que o povo chamava só de Industrial. Onde
ficava a Andrade Santos, na Marechal Deodoro, foi depois a usina de
pasteurização. O leite vinha refrigerado no Industrial, de onde era retirado em
bujões e tanques para a usina, e, depois de pasteurização, distribuição ao
público consumidor em carros especiais, em garradas hermeticamente fechadas,
entregues de porta em porta. O único concorrente era o próprio Governo do
Estado, que manteve a chata Paraíba trazendo leite lá do Careiro para ser
vendido sem pasteurização. Um dia meu pai foi chamado ao Palácio pelo
interventor Nelson de Mello e advertido para que não se intrometesse mais no abastecimento
de leite à cidade. O velho Botelho fincou o pé: achava que estava prestando um
bom serviço à população, que o seu leite era mais sadio, e quem acabou saindo
do serviço foi a Paraíba.
Instigo a memória do Jari
sobre os políticos daquele seu tempo. Surpreende-me com a observação que faz a
respeito de dois deles, aos quais conheceu de perto:
– Fui amigo do Álvaro Maia,
ele gostava de mim. Rezo sempre por ele em minhas preces. Tanto por ele como
pelo Cunha Melo. Aliás acho que os dois estão muito bem em termos espirituais.
Foram homens de bem aqui na terra. Álvaro Maia era um homem bom, tratava de
fazer o bem. Ele era um espiritualista, homem aberto a tudo. Sabia logo, logo
mesmo, quando conhecia uma pessoa, o que é que a pessoa tinha na cabeça pensando
e como era o coração da pessoa. Mas não dizia francamente o que ele achava. Já
o Cunha Melo, não: dizia logo, na cara.
Jari Botelho, pai de muitos
filhos, com quem mantém convivência de companheiro, acaba divagando sobre a
diferença entre os tempos aqueles e dos dias atuais:
– Havia mais amizade, isso eu
acho, sim, porque havia mais sinceridade e mais simplicidade no trato entre as
pessoas, no que elas diziam e no que elas faziam. Não querendo desfazer da
juventude de hoje, que é tão bonita, acho que ela segue um caminho que eu não
sei não, que não sei para onde leva. Acho que é o chamado tempo que faz isso, o
tempo com tudo o que ele trouxe. Acho que o que o tempo trouxe de mais forte
foi a televisão. A televisão onde chega vai mudando a vida. Para melhor e para
pior. A juventude de hoje eu acho que é filha da televisão, que ensina de tudo
e para tudo, para o bem e para o mal. Para escolher é preciso ter
discernimento. Mas a televisão, que comanda tudo, ela ensina a ter
discernimento? Eu fico olhando o vídeo e fico me perguntando, eu não sei, mas
acho que deixa de lado o caminho para chegar ao discernimento. Ou então é que
isso está fora do seu alcance, ou ainda não quer ou não pode dar. Poder dar,
perdão, isso eu acho que ela pode: o caminho do discernimento.
J
de jornalismo.
O matutino de maior prestígio
na época era sem dúvida o “Jornal do Commercio”, fundado pelo velho Vicente
Reis, adquirido posteriormente pela rede dos Associados de Assis Chateaubriand.
É o único órgão da imprensa amazonense daqueles anos que ainda se mantém vivo,
sob a direção de um dos mais antigos jornalistas da cidade, Epaminondas
Barahuna. O outro matutino era “O Jornal”, da família Archer Pinto, de origem
maranhense, proprietária também do vespertino “Diário da Tarde”, órgão que faz
já alguns anos deixaram de circular. O outro vespertino, já extinto, fundado e
dirigido por Aristophano Antony, em 1937 era “A Tarde” (“o arauto das
aspirações populares”), que contava, entre os seus colaboradores, com os nomes
importantes de Péricles de Moraes, Leopoldo Peres, Huascar de Figueiredo.
Nos últimos anos da década de
40 é que surgiu A Crítica, já sob a direção, onde até hoje se mantém, de
Humberto Calderaro, que contava, para levar o jornal, com a ajuda da figura
inesquecível do velho Calderaro. Depois de seu lançamento, teve A Crítica um
breve período de solução de continuidade, até que reapareceu em 49, para
firmar-se de vez. Poucos anos depois é que surgiu A Notícia, fundada pelo
Comendador Fink e sob direção do jornalista e político Andrade Neto, que muito
contou com a colaboração de Arlindo Porto, não apenas primeiro
secretário-de-redação do jornal como o seu planejador gráfico.
Várias revistas, todas de vida
curta, e de circulação semanal ou mensal, têm os seus nomes ligados à história
daquele período do nosso jornalismo. Entre elas, “A Sereia”, dirigida por
Abdênago D’Oliveira, que se dizia “semanário crítico, mundano e noticioso”, em
cuja seção intitulada “Carapuças” se liam textos como este: “Quando aqueles
namorados estão em ação na porta de certa casa da Joaquim Nabuco, a vizinhança
toda fica em atalaia; até mesmo o motorista do bonde muitas vezes abre os 9
pontos para não ser testemunha de semelhante aquilo...”
“O Sport” era semanário
humorístico, esportivo e literário, dirigido por Alvaro Onety de Figueiredo.
“Amazonida”, mensário que teve várias etapas, foi criada e dirigida pelo
professor Carlos Mesquita, que na verdade fazia a revista praticamente sozinho.
“A Liberdade” era semanário ilustrado, com direção de Olegário Castro, e “Bariceia”
foi porventura a mais bem-feita revista, dirigida pelo Aristóteles de Alencar.
Foi Arlindo Porto quem me
recordou a circulação, em Manaus durante os primeiros anos do governo Dutra, do
semanário A Luta, no qual trabalhou como ilustrador e em cuja distribuição
ajudava, juntamente com o Gualter e o Alfredo Aguiar, Lourival Salgado e o
nosso inesquecível companheiro Ubiratan de Lemos (Pedro K para os íntimos), que
anos depois de distinguiria como um dos grandes repórteres brasileiros, nas
páginas de O Cruzeiro do Rio de Janeiro. A luta era dirigida por Aldo Moraes e
Francisco Alves dos Santos; o seu proprietário foi Otelo Mavignier, assassinado
pelo dentista Aristides Leite: assombro na cidade.
Vale a pena registrar a
composição da diretoria da Associação Amazonense de Imprensa eleita para o
biênio 40-42. Assembléia-geral: João Leda (presidente), Agnello Bitencourt,
José Ferreira Sobrinho e Carlos Mesquita. Diretoria: Vicente Reis (presidente),
Huascar de Figueiredo, Leopoldo Peres, Américo Ruivo, Vitor Manuel Igreja Lopes
e Ramayana de Chevalier. Vogais: Antonio de Vasconcelos, Oscar Rayol, Henoch
Reis e Celino Menezes. Comissão de Sindicância: Washington Melo, Genesino Braga
e Aristophano Antony.
J
de J. G. Araújo.
Ou J do jovenzinho português
Joaquim nascido na Póvoa do Varzim, freguesia da Estrela, em Portugal, que
chegou a Manaus, sem eira nem beira, em 1871, e morreu em 1940, como o ricaço
comendador Joaquim Gonçalves de Araújo, cavaleiro da Ordem Portuguesa de Cristo
e cavaleiro da Ordem da Coroa da Bélgica. Ou então J simplesmente de J.G.,
espécie de logotipo sonoro, que todas as bocas da cidade sabiam soletrar, das
numerosas empresas, casas de comércio e de aviamento, de importação e
exportação, centro de financiamento de comerciantes do interior, atividades
industriais diversas, que reunia a firma J.G. Araujo & Cia. Limitada,
fundada e dirigida pessoalmente, durante quase meio século, por esse português
que, pela poderosa influência na vida econômica de Manaus, e do Amazonas, tem a
sua vida vinculada, indiscutivelmente, a todo um pedaço da história desta
cidade e deste pedaço do Brasil, durante e após o período dourado do
extrativismo.
Na verdade, até nestes dias de
Suframa e Zona Franca, a empresa continua viva, a participar da vida econômica
da região. Já não tem o fabuloso poderio de antigamente, mas está aí:
sobrevive, integrada ao desenvolvimento capitalista do Amazonas e, segundo a
opinião de alguns patrícios e até contemporâneos seus, só maior não é essa
participação porque do velho J.G. nenhum dos filhos herdou a queda para os
negócios.
É numerosa a bibliografia que
trata da influência portuguesa no Amazonas, com a força de sua cultura
colonizadora. (Aproveito para abrir um parêntesis e reconhecer que os meus bons
anos vividos no Portugal que tanto amo, convivendo com a gente simples de suas
cidades provincianas, me ensinaram tanto a bem descobrir a importância da
presença portuguesa em nossa formação e quanto foi larga e funda, no natural
processo de aculturação, a contribuição da índole generosa da alma lusiana e da
inclinação do seu povo à convivência solidária, ao jeito de ser e de viver da
nossa cidade, que se pode afirmar e florescer no período de tempo que esta
crônica abrange).
Cerrado o parêntesis, e antes
de dar as poucas notícias que neste livro cabem sobre a vida desse português de
boa cepa (que sabia tão bem quanto o Eça, do qual aliás era bom leitor,
distinguir as virtudes com que um espesso verde dos Açores devia acompanhar uma
ventrecha de pirarucu na brasa, das delicadezas brancas de um Colares
envelhecido para vincar o gosto de um tambaqui cozido na alfavaca, sem nunca se
confundir na apreciação de um Mateus Rosé servido para regalia de um guisado
qualquer, como hoje é frequente em Manaus) – ainda quero sugerir, nesta época
em que mestrados e doutorados vicejam como flores silvestres na primavera, que
está faltando um estudo sério, hoje a gente chama de tese, em torno do papel
que Joaquim Gonçalves de Araujo exerceu na vida econômica do Amazonas, não
importa que seja favorável ou desfavorável o enfoque que lhe seja dado (desde
que sirva ao entendimento do caminho que percorreu no Amazonas o processo de
implantação do capitalismo no Brasil). A sugestão vai dirigida aos caboclos
meus irmãos que hoje dão corpo à Universidade do Amazonas.
Os dados que ofereço, posto
que sucintos, são da melhor fonte, quero dizer irrefutáveis. Só me meto em
coisa séria quando sei que posso fazer a minha parte também a sério.
J.G. de Araujo, assim que se
fez moço e ganhou força de trabalho, partiu para ser regatão. Não foi virtude
só dele. Assim fizeram portugueses, árabes e judeus que aqui chegaram. Foi
regatear primeiro nas proximidades do Rio Negro, depois foi se alongando por
outros rios. Ganhou dinheiro (como até hoje qualquer regatão ganha, cobrando o
preço que faz na hora de acordo às suas conveniências e sempre às
inconveniências da vida do caboclo seu freguês), e então começou por montar,
muito bem montada, uma mercearia em Manaus. Já pensando em poder abastecer (e
financiar com os seus aviamentos) os que viriam a ser os famosos
coronéis-de-barranco, ele, por sua vez, abastecido por dinheiros da banca
europeia.
Até aí pelos começos dos anos
30, pode ser avaliado ao redor dos cinco mil o número de portugueses vivendo em
Manaus. A todos, também se pode dizer sem erro, de algum modo estava ligado o
português Joaquim. Financiava os mais variados tipos de atividade. Desde
seringalistas do interior a comerciantes da capital, entre os quais vários
taverneiros. O comendador, como gostava de ser chamado, mandou buscar ou
incentivou a vinda a aqui financiou portugueses que exerciam os mais variados
tipos de atividade, artesãos, pedreiros, sapateiros, carpinteiros, com o
declarado intuito de fortalecer a estrutura social da cidade. Pretendeu
implantar uma indústria de móveis e para isso mandou vir de Lisboa um
marceneiro de gênio, Manoel Alves, que instalou sua oficina de trabalho ali na
Marcilio Dias. O empreendimento não deu certo porque o Alves repartia o seu amor
entre a madeira e a boemia e era doido pelo jogo.
Quando a crise econômica ficou
ainda mais aguda, por meados dos 30, e já maior o número de portugueses no
Amazonas, começou a ganhar corpo, entre eles, um movimento de retorno. Teria
sido mais conveniente ao governo de Portugal sustar esse regresso com apoio que
consistiu em financiamento, através do Banco Ultramarino, ao próprio J.G., com
juros baixos a longo prazo. Empréstimo, consta, de uns três mil contos, soma de
vulto para a época, devidamente resgatado pelo grande comerciante. Que de
comerciante, homem da borracha, passou a dedicar-se à pecuária estendendo o seu
pequeno império às terras do Rio Branco, onde, além da criação de cavalos,
manteve milhares de cabeças de gado. E afinal ingressou em atividades
industriais, montando uma fábrica de beneficiamento de borracha ali no igarapé
dos Educandos, outra de tratamento da castanha para exportação, além, da
produção em grande quantidade de banana-passa, que exportava para a Itália.
O escritor português Ferreira
de Castro, famoso autor de A Selva, recolheu (e registrou por escrito) do seu
patrício J.G. a impressão de um sovina. É bem diferente a opinião de muitos que
o conheceram de perto. Era homem rigoroso, e íntegro, a quem não faltava,
todavia, a virtude da generosidade. Muitas vezes a Santa Casa de Misericórdia
não fechou as portas porque o comerciante lhe abriu as mãos, quer dizer, os
bolsos. Sem falar na ajuda decisiva e constante à Sociedade Beneficente
Portuguesa, que ajudou a fundar e de cuja assembleia foi presidente. Casado com
dona Maria Adelaide, J.G. de Araujo deixou duas filhas, Maria Adelaide e Aneth
e dois filhos, Agesislau e Aloísio. Aloísio, engenheiro que chegou a deputado e
presidente da Associação Comercial do Amazonas, projetou, me contaram que
sempre gratuitamente, alguns edifícios de Manaus, entre eles o da Santa Casa.
Vincula-se à ação de J.G. de
Araujo no Amazonas a importância que teve a sua ajuda na realização da obra
cinematográfica de Silvio Santos, português como ele, e que foi sem sombra de
dúvida um dos admiráveis pioneiros do cinema no Brasil, autor de documentários
e longa-metragem, que focalizam, sobretudo, a vida no interior da floresta
amazônica, os principais deles, “No País das Amazonas” e “No Rastro do
Eldorado”. Toda a obra de Silvio foi realizada entre 1952 e 1927, antes
portanto da época que nossa crônica registra. Sirva, contudo, este verbete, que
faz justiça ao milionário J. G., de homenagem ao admirável artista, cuja obra
permaneceu longos anos esquecida, até que foi redescoberta e devidamente
valorizada durante o I Festival Norte do Cinema, em 1969, para emoção do
cineasta, que morreu um ano depois.
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