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segunda-feira, dezembro 04, 2017

Manaus: como eu a vi ou sonhei (2)


Por Jefferson Péres

Ponto dos mais importantes da cidade era o cais do porto, o velho “Roadway”, como todos lhe chamávamos. Exibíamos com orgulho aos visitantes no início do século, pois era único no gênero em nosso país. Assentado sobre dezenas de bóias de ferro, que acompanhavam o fluxo das águas, permitia à cidade receber navios de grande calado durante todo o ano.

Ainda continua assim, mas sofreu consideráveis modificações em sua forma original, já que somente a pista da esquerda era ligada à terra. A outra, chamada de “torre”, ficava ilhada ao largo, sendo a carga transportada por um teleférico com vários guindastes, conhecidos popularmente por “macacos”, porque de longe apresentavam um curioso perfil simiesco.

Lá atracavam os navios estrangeiros da Booth Line e da Lamport, como o “Hillary”, aos quais só tínhamos acesso através de catraias e com autorização especial da Manaos Harbour, concessionária do porto. Era a única porta da cidade, então insulada do resto do país por via terrestre e, até 1945, desprovida de aeroporto.

Pelo “roadway” embarcava e desembarcava todo o fluxo de cargas e passageiros transportados por navios e hidroaviões. Era lá, portanto, que apresentávamos boas-vindas e despedidas a parentes e amigos, em momentos de intensa emoção. A rapidez atual do transporte aéreo transformou as viagens em acontecimentos corriqueiros, banais.

Naquele tempo eram ocorrências poucos frequentes, que exigiam meses de preparação, porque implicavam sempre numa longa ausência. Os navios de Lloyd que faziam a linha Manaus-Rio de Janeiro eram conhecidos da população e seus nomes soavam familiares a todos nós: Baependi, Almirante Alexandrino, Almirante Jaceguay e tantos outros, que se ligavam às pessoas, associados a viagens inesquecíveis.

Nos dias de partida, uma pequena multidão invadia o barco e era aquela efusão de choros e abraços quando o grumete passava a badalar uma sineta dourada anunciando a hora de partir. Pesarosos, desciam todos para o cais e de lá ficavam acenando até o navio desaparecer.

Quando entre os viajantes se incluíam uma alta autoridade civil ou militar, comparecia a banda da polícia ou do exército. Então, entre marchas, dobrados e apitos do navio, o cais virava uma verdadeira festa.


A movimentação não ocorria apenas nesses dias. Com ou sem navio, aos domingos, o “roadway” virava local de “footing” das famílias que, a partir das 17 horas, se encaminhavam para lá, onde permaneciam até o anoitecer.

Eram centenas de pessoas, principalmente da classe média, jovens e adultos, a desfilar tranquilamente admirando o movimento das embarcações e a evolução dos botos na superfície das águas.

De vez em quando, éramos brindados com um pôr-do-sol apoteótico e ficávamos todos deliciados na contemplação muda do espetáculo.

Esses passeios domingueiros tinham o sentido de uma busca nostálgica da visão perdida do rio. Paradoxalmente, numa região onde “o rio comanda a vida”, como disse Leandro Tocantins, Manaus voltou-lhe as costas.

No centro da cidade, em vez de uma avenida litorânea, temos uma barreira descontínua de edificações que só nos permite divisar o rio a breves espaços e a distância.

A construção do porto e do mercado, assim como as casas da Rua dos Barés emparedaram a área central, impedindo a abertura de uma avenida, que nos daria uma bela visão panorâmica do rio Negro.

Quem sabe, a nossa frustração não explicaria essas visitas dominicais como uma espécie de comunhão ritualística com as águas.

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