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terça-feira, dezembro 12, 2017

Manaus: como eu a vi ou sonhei (21)


Por Jefferson Peres

Mas o xodó e o xexo não eram as únicas opções dos que tinham dinheiro curto. Havia uma alternativa ao alcance de todos, que eram as empregadas domésticas. As caboclas, ou cabocas, como são chamadas ainda hoje, com supressão do “L”, como forma designativa de mais de um segmento social do que de uma categoria étnica ou racial. Cabocla era toda moça empregada em casa de família, fosse do tipo regional, de feições indiáticas, ou fosse mulata ou mesmo branca.

Talvez pela sua condição social, marcada por severas restrições e ausência de vínculos familiares, elas adotavam um comportamento peculiar. Embora dessem preferência a homens de farda, não eram exclusivistas nem faziam discriminação. Na ausência do namorado, substituíam-no tranquilamente por outro, ao qual se davam, generosamente, sem nenhum remorso.

Eram encontradas, em grande número, na Praça da Polícia, para onde iam, depois do jantar, e onde ficavam dando voltas, em duplas ou em grupos de três ou quatro. Para lá se encaminhavam também vários grupos de rapazes com intenção de abordagem. Havia os habitués, chamados de “caboqueiros” porque tinham por elas especial predileção, aliás, compreensível, seja pelo aspecto financeiro, seja pelo menor risco de doença venérea ou, ainda, pelo gosto diferente do sexo não-mercenário.

A aproximação não era difícil, nem tampouco a consecução do objetivo, mas exigia uma pequena encenação, com eles fingindo que desejavam apenas um namoro inocente, e elas fingindo que acreditavam. Até porque elas quase sempre juravam que eram virgens. Às vezes o ato já estava sendo consumado, mas elas continuavam jurando.

É curioso constatar que geralmente eram frígidas, no mais das vezes não alcançando o orgasmo. A facilidade com que cediam aos apelos não era determinada, assim, por um apetite sexual exacerbado. Muito menos por interesse material. Nunca pediam nem aceitavam pagamento, e muitas se mostravam ofendidas se lhes ofereciam dinheiro. Isto leva a crer que se entregavam como uma concessão, em troca do puro prazer da companhia masculina.

O problema com elas podia ser o local de encontro, a menos que o interessado fosse locatário de um pequeno apartamento ou tivesse amigo que lhe cedesse a chave de algum. E sempre havia no grupo dois ou três que, em sociedade com outros, mantinham garçoniéres em velhos edifícios do centro. Quando não aparecia esse quebra-galho, e se havia algum dinheiro no bolso, podia-se ir a uma casa especializada.


Ainda não havíamos ingressado na era dos motéis, mas existiam seus precursores, os rendez-vous, dos quais o mais procurado e acessível era a Pensão Ritz. Situava-se na esquina da Rua Dr. Moreira com o Beco do Comércio e pertencia a Flora Lifsitch, uma bela russa – ou seria polonesa? – que atendia os clientes embalando-se numa rede, com as pernas inchadas de erisipela.

Recebia o pagamento, deitada, e invariavelmente perguntava se a garota era virgem, temerosa de complicações com a Vara de Menores. Ante a resposta negativa, talvez por brincadeira, pedia para fazer ela mesma um exame ginecológico, sempre recusado sem que ela insistisse. A seguir, o casal era encaminhado para um dos quartos, verdadeiros cubículos, divididos por tabiques, com a tradicional cama de ferro no centro. Desconfortáveis e pouco asseados, nem por isso a procura diminuía. Às vezes era preciso esperar na fila.

Havia também o rendez-vouz da Barbadiana, na Cachoerinha, pertencente a uma preta velha que mal falava português e usava o traje que identificava facilmente os naturais de Barbados: vestido comprido, chapéu, meias e uma inseparável sombrinha na mão. Mas sua casa era evitada pela distância, que custava uma boa corrida de automóvel.

Se não havia dinheiro algum, o jeito era apelar para a “pensão calango”, expressão que designava os terrenos baldios e as ruas cobertas de mato. O trânsito escasso, a iluminação deficiente e a abundância de terrenos sem muros, facilitavam a vida dos casais sem dinheiro.

Os mais procurados ficavam nas ruas transversais à Getúlio Vargas, como a Huascar de Figueiredo (então Saldanha Marinho), onde havia até um canavial entre o covão e uma velha estância, e a 24 de Maio. Mas não faltava quem utilizasse até mesmo ruas, como a área em torno do Teatro Amazonas e a ladeira do Pimpão, correndo o risco de flagrantes da Polícia. Quem sabe a circunstância não fosse até estimulante?

O certo é que, raparigas ou cabocas, profissionais ou amadoras, pouco importa que sobre elas recaísse a condenação de toda a sociedade. Para os jovens do meu tempo, elas representaram as boas samaritanas, sem as quais muito de nos teriam penado um longo e sofrido jejum até o casamento.

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