Por Jefferson Peres
Mas o xodó e o xexo não eram as únicas opções dos que tinham
dinheiro curto. Havia uma alternativa ao alcance de todos, que eram as
empregadas domésticas. As caboclas, ou cabocas, como são chamadas ainda hoje,
com supressão do “L”, como forma designativa de mais de um segmento social do
que de uma categoria étnica ou racial. Cabocla era toda moça empregada em casa
de família, fosse do tipo regional, de feições indiáticas, ou fosse mulata ou
mesmo branca.
Talvez pela sua condição social, marcada por severas
restrições e ausência de vínculos familiares, elas adotavam um comportamento
peculiar. Embora dessem preferência a homens de farda, não eram exclusivistas
nem faziam discriminação. Na ausência do namorado, substituíam-no
tranquilamente por outro, ao qual se davam, generosamente, sem nenhum remorso.
Eram encontradas, em grande número, na Praça da Polícia,
para onde iam, depois do jantar, e onde ficavam dando voltas, em duplas ou em
grupos de três ou quatro. Para lá se encaminhavam também vários grupos de
rapazes com intenção de abordagem. Havia os habitués,
chamados de “caboqueiros” porque tinham por elas especial predileção, aliás,
compreensível, seja pelo aspecto financeiro, seja pelo menor risco de doença
venérea ou, ainda, pelo gosto diferente do sexo não-mercenário.
A aproximação não era difícil, nem tampouco a consecução do
objetivo, mas exigia uma pequena encenação, com eles fingindo que desejavam
apenas um namoro inocente, e elas fingindo que acreditavam. Até porque elas
quase sempre juravam que eram virgens. Às vezes o ato já estava sendo
consumado, mas elas continuavam jurando.
É curioso constatar que geralmente eram frígidas, no mais
das vezes não alcançando o orgasmo. A facilidade com que cediam aos apelos não
era determinada, assim, por um apetite sexual exacerbado. Muito menos por
interesse material. Nunca pediam nem aceitavam pagamento, e muitas se mostravam
ofendidas se lhes ofereciam dinheiro. Isto leva a crer que se entregavam como
uma concessão, em troca do puro prazer da companhia masculina.
O problema com elas podia ser o local de encontro, a menos
que o interessado fosse locatário de um pequeno apartamento ou tivesse amigo
que lhe cedesse a chave de algum. E sempre havia no grupo dois ou três que, em
sociedade com outros, mantinham garçoniéres
em velhos edifícios do centro. Quando não aparecia esse quebra-galho, e se
havia algum dinheiro no bolso, podia-se ir a uma casa especializada.
Ainda não havíamos ingressado na era dos motéis, mas
existiam seus precursores, os rendez-vous,
dos quais o mais procurado e acessível era a Pensão Ritz. Situava-se na esquina
da Rua Dr. Moreira com o Beco do Comércio e pertencia a Flora Lifsitch, uma
bela russa – ou seria polonesa? – que atendia os clientes embalando-se numa
rede, com as pernas inchadas de erisipela.
Recebia o pagamento, deitada, e invariavelmente perguntava
se a garota era virgem, temerosa de complicações com a Vara de Menores. Ante a
resposta negativa, talvez por brincadeira, pedia para fazer ela mesma um exame
ginecológico, sempre recusado sem que ela insistisse. A seguir, o casal era
encaminhado para um dos quartos, verdadeiros cubículos, divididos por tabiques,
com a tradicional cama de ferro no centro. Desconfortáveis e pouco asseados,
nem por isso a procura diminuía. Às vezes era preciso esperar na fila.
Havia também o rendez-vouz
da Barbadiana, na Cachoerinha, pertencente a uma preta velha que mal falava
português e usava o traje que identificava facilmente os naturais de Barbados:
vestido comprido, chapéu, meias e uma inseparável sombrinha na mão. Mas sua
casa era evitada pela distância, que custava uma boa corrida de automóvel.
Se não havia dinheiro algum, o jeito era apelar para a
“pensão calango”, expressão que designava os terrenos baldios e as ruas
cobertas de mato. O trânsito escasso, a iluminação deficiente e a abundância de
terrenos sem muros, facilitavam a vida dos casais sem dinheiro.
Os mais procurados ficavam nas ruas transversais à Getúlio
Vargas, como a Huascar de Figueiredo (então Saldanha Marinho), onde havia até
um canavial entre o covão e uma velha estância, e a 24 de Maio. Mas não faltava
quem utilizasse até mesmo ruas, como a área em torno do Teatro Amazonas e a
ladeira do Pimpão, correndo o risco de flagrantes da Polícia. Quem sabe a
circunstância não fosse até estimulante?
O certo é que, raparigas ou cabocas, profissionais ou
amadoras, pouco importa que sobre elas recaísse a condenação de toda a
sociedade. Para os jovens do meu tempo, elas representaram as boas samaritanas,
sem as quais muito de nos teriam penado um longo e sofrido jejum até o
casamento.
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