Por Deonísio da Silva
Olavo Bilac escreveu alguns dos mais belos poemas do
cancioneiro do Brasil. Só mesmo um son of a bitch para trocar cancioneiro por songbook,
como fazem certos apedeutas, para designar o conjunto da obra poética de alguém
que a tenha também musicado, certos de que incrustando palavras e expressões do
Inglês em suas falas e textos redimem o estilo pavoroso, marcado por estas e
outras deformações.
Nossa mãe é a língua portuguesa. Substituir certas palavras
por neologismos dispensáveis e imprecisos, como neste caso, equivale a vender a
mãe a troco mais de nada. E deveria ser tipificado como crime de lesa-língua,
por analogia com o de lesa-pátria. Embora às vezes neologismos sejam
necessários, sobretudo no âmbito da tecnologia e dos inventos, em geral eles
disfarçam a pobreza vocabular do falante ou escrevente.
O título desta coluna é um verso de Olavo Bilac, autor do
Hino à Bandeira Nacional, que tem música de Francisco Braga. O jornalista e
romancista Paulo Francis inspirou-se neste verso e chamou O Afeto Que se
Encerra o livro de memórias que publicou em 1980, aos cinquenta anos.
Por ter inventado o serviço militar e o livro didático e
certamente por escrever melhor do que eles, o poeta Olavo Bilac foi escolhido
inimigo de diversos modernistas e de outros autoproclamados vanguardistas. E
uma geração inteira tem deixado de prestar atenção à beleza de versos como
estes: “Sobre a imensa nação brasileira,/ Nos momentos de festa ou de dor,/
Paira sempre sagrada bandeira,/ Pavilhão da justiça e do amor!”.
Não é, pois, apenas o nosso Hino Nacional que é bonito,
equiparado em beleza aos dos EUA, da Bósnia, do México e do Chile, mas também o
nosso Hino à Bandeira Nacional.
Em vez de apelar a guerras, batalhas sangrentas e a outras
memoráveis revoluções, sebaças, motins, arruaças ou seja lá que nome tenham, o
autor fala em “pendão da esperança”, “nobre presença”, “céu de puríssimo anil”,
“verdura sem par destas matas” e “esplendor do Cruzeiro do Sul”.
E depois de estender o tapete ecológico de palavras repletas
de sereno bem-estar, diz que “contemplando o teu vulto sagrado,/ Compreendemos
o nosso dever:/ E o Brasil por seus filhos amado,/ Poderoso e feliz há-de-ser”.
Convenhamos que são porradas desferidas como se fossem tapas
de luva de pelica em figuras referenciais de nossa atual classe política,
muitas das quais já presas, em prisão domiciliar ou a caminho da cadeia.
Encerra a proclamação de seu afeto para com este símbolo
majestoso de nossa nacionalidade constituindo-se como que em porta-bandeira
poético, invocando-a: “Sobre a imensa nação brasileira,/ Nos momentos de festa
ou de dor,/ Paira sempre, sagrada bandeira,/ Pavilhão da justiça e do amor!”.
O fluminense Olavo Bilac era apenas uma criança quando outro
grande poeta brasileiro, o baiano Castro Alves, publicara versos tão ou mais
belos sobre nossa bandeira, mas furiosos. Denuncia a escravidão, primeiramente na forma de uma pergunta – “que
bandeira é esta que impudente na gávea tripudia?” — e depois de vituperar o mal
do século (aquele, sim, era o mal do século, não o romantismo), fecha o poema
com três estrofes finais de arrepiar.
No período, a abolição e a república, como tantos outros
escritores, eram as referências solares da vida intelectual da segunda metade
do século XIX, como são para nós hoje a faxina em nossa vida política e a
redenção da dignidade brasileira, pois somos um povo digno.
Diante da “fatalidade atroz que a mente esmaga”, o poeta
brada contra a escravidão e conclama: “Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!/
Andrada! Arranca este pendão dos ares! Colombo! Fecha a porta dos teus mares!”.
Deonísio da Silva é Diretor
do Instituto da Palavra & Professor Titular Visitante da Universidade
Estácio de Sá
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