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terça-feira, dezembro 05, 2017

Recebe o afeto que se encerra


Por Deonísio da Silva

Olavo Bilac escreveu alguns dos mais belos poemas do cancioneiro do Brasil. Só mesmo um son of a bitch para trocar cancioneiro por songbook, como fazem certos apedeutas, para designar o conjunto da obra poética de alguém que a tenha também musicado, certos de que incrustando palavras e expressões do Inglês em suas falas e textos redimem o estilo pavoroso, marcado por estas e outras deformações.

Nossa mãe é a língua portuguesa. Substituir certas palavras por neologismos dispensáveis e imprecisos, como neste caso, equivale a vender a mãe a troco mais de nada. E deveria ser tipificado como crime de lesa-língua, por analogia com o de lesa-pátria. Embora às vezes neologismos sejam necessários, sobretudo no âmbito da tecnologia e dos inventos, em geral eles disfarçam a pobreza vocabular do falante ou escrevente.

O título desta coluna é um verso de Olavo Bilac, autor do Hino à Bandeira Nacional, que tem música de Francisco Braga. O jornalista e romancista Paulo Francis inspirou-se neste verso e chamou O Afeto Que se Encerra o livro de memórias que publicou em 1980, aos cinquenta anos.

Por ter inventado o serviço militar e o livro didático e certamente por escrever melhor do que eles, o poeta Olavo Bilac foi escolhido inimigo de diversos modernistas e de outros autoproclamados vanguardistas. E uma geração inteira tem deixado de prestar atenção à beleza de versos como estes: “Sobre a imensa nação brasileira,/ Nos momentos de festa ou de dor,/ Paira sempre sagrada bandeira,/ Pavilhão da justiça e do amor!”.

Não é, pois, apenas o nosso Hino Nacional que é bonito, equiparado em beleza aos dos EUA, da Bósnia, do México e do Chile, mas também o nosso Hino à Bandeira Nacional.

Em vez de apelar a guerras, batalhas sangrentas e a outras memoráveis revoluções, sebaças, motins, arruaças ou seja lá que nome tenham, o autor fala em “pendão da esperança”, “nobre presença”, “céu de puríssimo anil”, “verdura sem par destas matas” e “esplendor do Cruzeiro do Sul”.

E depois de estender o tapete ecológico de palavras repletas de sereno bem-estar, diz que “contemplando o teu vulto sagrado,/ Compreendemos o nosso dever:/ E o Brasil por seus filhos amado,/ Poderoso e feliz há-de-ser”.

Convenhamos que são porradas desferidas como se fossem tapas de luva de pelica em figuras referenciais de nossa atual classe política, muitas das quais já presas, em prisão domiciliar ou a caminho da  cadeia.

Encerra a proclamação de seu afeto para com este símbolo majestoso de nossa nacionalidade constituindo-se como que em porta-bandeira poético, invocando-a: “Sobre a imensa nação brasileira,/ Nos momentos de festa ou de dor,/ Paira sempre, sagrada bandeira,/ Pavilhão da justiça e do amor!”.

O fluminense Olavo Bilac era apenas uma criança quando outro grande poeta brasileiro, o baiano Castro Alves, publicara versos tão ou mais belos sobre nossa bandeira, mas furiosos. Denuncia a escravidão,  primeiramente na forma de uma pergunta – “que bandeira é esta que impudente na gávea tripudia?” — e depois de vituperar o mal do século (aquele, sim, era o mal do século, não o romantismo), fecha o poema com três estrofes finais de arrepiar.

No período, a abolição e a república, como tantos outros escritores, eram as referências solares da vida intelectual da segunda metade do século XIX, como são para nós hoje a faxina em nossa vida política e a redenção da dignidade brasileira, pois somos um povo digno.

Diante da “fatalidade atroz que a mente esmaga”, o poeta brada contra a escravidão e conclama: “Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!/ Andrada! Arranca este pendão dos ares! Colombo! Fecha a porta dos teus mares!”.

Deonísio da Silva é Diretor do Instituto da Palavra & Professor Titular Visitante da Universidade Estácio de Sá

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