Por Deonísio da Silva
Em 1988, Collor ainda não era candidato a presidente da
República, mas foi eleito no ano seguinte. Foi o primeiro ovo de Colombo na
sucessão presidencial. O que ele fez, qualquer um poderia fazer. Mas somente
ele a fez. Atribuiu todos os males do Brasil ao então presidente José Sarney,
tomou para bandeiras de sua campanha os temas que estavam na mídia e
ofereceu-se como opção aos dois que lideravam a disputa: Brizola e Lula. Dizem
que a História só se repete como farsa, todavia a sucessão do próximo ano está
bem parecida com a de 1989, se substituirmos Brizola e Lula por Lula e
Bolsonaro.
Mas por que ovo de Colombo, ovo da serpente e expressões
assemelhadas que já começam a vir para o proscênio? É que o povo prefere
ilustrar seus conceitos com verbos de ação. Baba-ovo (bajular), pisar em ovos
(agir com cautela), contar com o ovo no fiofó da galinha (apostar em algo
incerto) – eis algumas das numerosas expressões do Português que ilustram esta
estratégia.
Algumas são muito antigas e remontam às nascentes da
agricultura e da pecuária, quando o homem deixou de ser nômade e passou a
conviver com os bichos, fossem ovelhas, vacas, porcos, aves, pássaros etc., não
mais ao redor das tendas em que morava, mas no ambiente doméstico, palavra do
mesmo étimo de domesticar, que é o que ele fez com os bichos, trazendo-os para
perto de si e às vezes para dentro de casa, quando não para a própria cama em
que dormia.
Ao receber o Prêmio Nobel de Literatura, José Saramago
lembrou em seu discurso de posse que seus avós levavam pequenos porquinhos para
dormir com eles: “Debaixo das mantas grosseiras, o calor dos humanos livrava os
animaizinhos do enregelamento e salvava-os de uma morte certa. Ainda que fossem
gente de bom carácter, não era por primores de alma compassiva que os dois
velhos assim procediam: o que os preocupava, sem sentimentalismos nem
retóricas, era proteger o seu ganha-pão, com a naturalidade de quem, para
manter a vida, não aprendeu a pensar mais do que o indispensável”.
Foi de contextos como este que surgiram expressões que
recorreram à agricultura e à pecuária, de que é exemplo também “pôr o carro
diante dos bois”, acrescentada mais tarde, quando da antiga vida agropastoril
restavam apenas lembranças.
Outra expressão muito lembrada é ovo da serpente, título de
um filme do célebre cineasta sueco Ingmar Bergman, que viu indícios da ascensão
nazista na Europa, comparando-os ao que se pode entrever num ovo de serpente já
fertilizado. Passou a designar um mal que já mostra seus primeiros sinais,
ainda que tênues.
Temos também ovo cósmico, expressão criada pelo astrônomo
belga Georges Lemaître, designando a matéria altamente compacta que teria
possibilitado o grande estouro que criou tudo, o átomo primordial.
Mas de todas elas, uma das mais expressões mais lembradas em
que o ovo está presente é o que teria ocorrido com Cristóvão Colombo. Num
banquete organizado ainda no século XV pelo cardeal espanhol Pedro González de
Mendoza para celebrar a descoberta da América, ao exemplificar que o glorioso
feito poderia ter sido obra de qualquer outro, mas que apenas ele a fizera,
Colombo tomou um ovo cozido e desafiou que um dos convivas pusesse aquele ovo
em pé. Ninguém conseguiu. Ele, então, retomou o mesmo ovo, deu-lhe uma pequena
batida e o fixou em pé sobre a mesa.
Um dos cortesãos retrucou: “Assim é fácil”. E Colombo
concluiu: “O mesmo ocorreu com a descoberta do Novo Mundo. Tudo que é natural
parece fácil, após conhecido ou encontrado. A dificuldade está em ser o
inventor, o primeiro a conhecer ou a demonstrar”.
Outros historiadores, porém, argumentam que o arquiteto e
escultor italiano Filippo Bruneschini já tinha feito isto antes, ao demonstrar
o invento da sustentação de um domo, e que o genovês, conhecendo a história, a
repetira diante dos espanhóis.
Seja como for, a estratégia da demonstração foi atribuída a
Colombo, assim passou à História e ilustra antigas antologias escolares que
tinham o objetivo de instruir os alunos com textos de cultura geral.
É provável que no próximo ano surja um ovo de Colombo na
sucessão presidencial.
Nenhum comentário:
Postar um comentário