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sábado, outubro 20, 2018

Armando Nahmias 4Ever




O Fast Club, uma das eternas paixões do meu brother Felix Valois. Em pé: Antônio Piola, Casemiro, Pompeu, Marialvo, Zezinho e Zequinha Piola. Agachados: Paulo Pernambucano, Rangel, Edson Piola, Simão e Adinamar. (foto by blog Bau Velho, do estimado Carlos Zamith)

Outubro de 1969. Dois anos mais velho do que eu, Armando Nahmias morava ao lado da casa do seu Aluysio Silva e foi um dos primeiros moleques com que fiz amizade quando fui morar na Rua Parintins. 

Fanático pelo futebol estiloso do ponta de lança Edson Piola, uma das glórias do futebol amazonense de todos os tempos, Armandinho era um dos poucos peladeiros que participava de “rachas” no meio da rua irradiando o jogo, como se tivesse incorporado o próprio craque fastiano: “Bola com Edson Piola. Driblou o primeiro, driblou o segundo. Tocou para Fuinha. Recebeu de volta na entrada da área. Vai chutar. Chutou. É gol. Goooollll de Edson Piola! Ele vai pra Copa! Em 70!”. 

Acabou se tornando conhecido como Armandinho Edson Piola.

Nessa época, a imprensa amazonense estava forçando a barra para que Edson Piola fosse convocado para a Seleção Brasileira, como reserva do Tostão. Não colou, apesar de ele ser melhor, na época, do que o Tostão. Sem bairrismos. De qualquer forma, o craque amazonense foi convidado para viajar ao México e ser comentarista esportivo de uma das rádios locais. Quer dizer, Edson Piola iria para a Copa do Mundo de qualquer jeito.

Armandinho aproveitava o mote para ironizar uma família de ribeirinhos pálidos e magricelas, tangidos pela cheia do Rio Solimões, que estavam morando no bodozal da Rua Maués e, salvo engano, eram parentes do Rui Assunção. Sempre que via um deles caminhando pela rua, Armandinho detonava: “Esse não vai ver o Edson Piola na Copa do México, em 70!”. E caía na gargalhada.

Artilheiro do campeonato amazonense de 1963, com 23 gols, quando tinha apenas 19 anos, Edson Piola foi o grande craque de uma família de craques em que se destacaram seus irmãos Antonio e Zequinha Piola e seu pai Antônio Petrúcio, atacante do Fast Club no período 1936-1946, que ganhou o apelido de “Piola” porque seu futebol lembrava muito o do atacante Piola, um dos destaques da seleção italiana campeã do mundo em 1938.

Campeão e artilheiro pelo Nacional, Paissandu e Fast Club, Edson Piola driblava maravilhosamente bem, chutava com precisão e suas cabeçadas eram quase sempre indefensáveis. Ele é registrado na CBF como autor de um dos gols mais rápidos do Brasil, marcado aos 10 segundos, num jogo entre Fast Club e Tuna Luso. Edson Piola largou o futebol em 1972, aos 28 anos, sendo posteriormente eleito presidente do Fast, cargo que exerceu por seis anos.

Primo da Fátima Loura e do Antônio José (aka “Anzol”), Antônio Aluísio era um moleque de 14 anos que morava no final da Rua Borba e pilotava uma motocicleta Honda C-125 com a disposição suicida de um praticante de “Freestyle” encharcado de anfetaminas. Saindo de sua casa na Rua Borba em direção à Rua Parintins, a 100 km/h, ele soltava as mãos do guidão e ficava em pé em cima da motocicleta, enquanto cortava todas as ruas transversais do bairro (Ajuricaba, Ipixuna, Santa Isabel, Silves, Manicoré, Itacoatiara e Tefé) sem dar confiança para os semáforos.

Em frente ao Top Bar, ele se sentava de novo sobre a moto e sem tocar no guidão, apenas com o auxílio do corpo, dobrava à direita, na Rua Parintins, e ia até a Rua Urucará na mesma velocidade. Só então ele colocava as mãos no guidão, freava, fazia o retorno na Parintins, subia até a Borba, e embicava de novo em direção à sua casa em alta velocidade repetindo a mesma presepada.

Quando estava de bom humor, ele parava a moto em frente ao bar e convidava algum dos moleques presentes para subir na garupa. Luiz Lobão, Chico Porrada, Rubens Patinete, Sidão Ribeiro, Kepelé, Fábio Costa, Petrônio Aguiar e eu próprio foram alguns dos suicidas que encararam aquela experiência kamikaze indescritível. O bailado que ele fazia sem tocar no guidão, apenas inclinando o corpo para um lado e para outro fazendo com que a motocicleta em alta velocidade quase roçasse o chão, era verdadeiramente de tirar o fôlego. Antônio Aluísio desafiava a morte umas 50 vezes por dia. Era um louco.

Morador da COHAB-AM do Parque Dez, Marcus Lima (aka “Markito”) tinha 15 anos, possuía uma motocicleta Honda C-90 e também fazia as mesmas lambanças de Antônio Aluísio – apenas em uma velocidade menor. Quando os dois se encontravam em frente ao Top Bar para se desafiarem mutuamente sobre duas rodas, a molecada ia à loucura porque aquele era um duelo de titãs. Os dois eram exímios motoqueiros e, por incrível que pareça, jamais haviam se envolvido em acidentes.

No começo de uma noite de domingo daquele mês de outubro, entretanto, a ema gemeu no tronco da jurema. As cocotinhas Silane e Edna pediram ao Antônio Aluísio para dar um passeio de moto até o aeroporto de Ponta Pelada. O motoqueiro concordou e colocou as duas na garupa.

Markito resolveu acompanhá-los no passeio e Armandinho Edson Piola, que estava de bobeira me esperando para irmos juntos ao cinema das 20h (a gente havia armado uma parada com duas molecas na sessão das 13h), se aboletou na garupa do Markito.

Como a Honda C-90 estava com os faróis queimados, Markito sugeriu que Antônio Aluísio dirigisse um pouco mais devagar para ele aproveitar a iluminação da Honda C-125, já que a iluminação pública das ruas de Manaus deixava muito a desejar.

Os dois motoqueiros seguiram pela Rua Borba, contornaram a Boca do Imboca, em Educandos, embicaram pela Leopoldo Peres e seguiram pela Presidente Kennedy até o aeroporto Ponta Pelada, sem sobressaltos. Na volta, fizeram o mesmo trajeto.

Em frente à igrejinha do Pobre-Diabo, na Rua Borba, Antônio Aluísio percebeu que o semáforo da Rua Silves havia ficado no modo “laranja” e resolveu aproveitar o mesmo. Ele acelerou ao máximo e conseguiu passar pelo sinal na hora em que ele ficava “vermelho”.

Markito, que vinha um pouco mais atrás numa moto de menor potência e de faróis apagados, tentou fazer o mesmo. Infelizmente, embaixo do semáforo, a sua motocicleta foi atingida por um ônibus em alta velocidade, que estava indo do Japiim em direção ao centro da cidade.

Com o impacto da batida, Markito foi cuspido a uns cinco metros de distância e fraturou as duas pernas. Armandinho ficou preso na motocicleta embaixo do ônibus e foi arrastado por quase 50 metros, o tempo necessário para o ônibus parar.

Apesar de ter sido socorrido na mesma hora, ele não resistiu aos ferimentos e faleceu na mesa de operação da Beneficente Portuguesa. Seu corpo começou a ser velado na casa de seus pais na madrugada da segunda-feira.

Minha mãe me acordou com o dia amanhecendo, perguntando se eu não ia velar o corpo do meu parceiro. Quase morri do coração. Armandinho não viu o Edson Piola em ação, na Copa do México, em 70.

E pela primeira vez na vida eu percebi que a dama de negro não estava para brincadeiras. Até então, eu acreditava piamente que moleques da nossa idade eram imortais. Não eram.

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