Fevereiro
de 1988. A Comissão de Frente do GRES Andanças de Ciganos (Sadok Pirangy,
Maurílio, Zé Alfaia, Ivan Chibata, Juarez Tavares, Almeida, Antídio Weil,
Petroba, Nelito, Galúcio, Luluca, Ruizinho, etc) está posicionada na área de
concentração da Av. Djalma Batista.
Todos estão elegantemente vestidos de
coronéis de barranco: paletó de linho branco, colete de cetim negro e chapéu
panamá. O que chama mais atenção é o fato de eles estarem descalços. É que o
responsável pelos sapatos da turma, o desencanado Wilson Fernandes, ainda não
deu o ar de sua graça.
Na
semana anterior, durante uma reunião no Barraka’s Drinks, Wilson Fernandes
anotou pacientemente o número do pé de cada um e se prontificou a doar pra
escola os sapatos de verniz exigidos pelo carnavalesco para garantir a nota dez
pra Comissão de Frente. Sem os sapatos de verniz, explicou o sujeito, o enredo
“O Grande Baile” estaria seriamente comprometido.
Como o Simona não costuma se
atrasar e tem como característica principal sempre honrar seus compromissos, a
turma está mais apreensiva do que de costume. Alguma coisa de muito grave ter
acontecido.
O
carro abre-alas começa a ser empurrado para a avenida para dar início ao
desfile. A apreensão da Comissão de Frente se transforma em princípio de
pânico. Desfilar descalço na passarela do samba não estava no script de “O
Grande Baile”, mas parece que vai ser o jeito.
De
repente, surge Wilson Fernandes, esbaforido, atravessando as alas já
posicionadas para o desfile, trazendo um gigantesco saco pendurado nas costas:
–
Porra, meus irmãos, desculpem o atraso, mas é que esse trânsito hoje estava de
lascar!
Antes
que alguém abrisse a boca, ele abre a boca do saco e descarrega a carga no
chão: trinta pares de sapatos de verniz, tal como exigira o carnavalesco.
O
problema é que os sapatos estavam soltos e, evidentemente, acabarm se
misturando dentro do saco. Foi um salve-se quem puder. Na pressa para calçar o
sapato e correr pra começar o desfile, aconteceu de tudo: neguinho com sapato
dois números menor do que o pé, neguinho calçando dois pés esquerdos, neguinho
com um número maior do que o outro, uma zorra total.
Apesar
de a Comissão de Frente ter desfilado como um cortejo de pinguins-imperiais
(tinha componente que simplesmente arrastava os pés na avenida, como Antídio
Weil, por conta das bolhas de calo surgidas instantaneamente nos pés em virtude
dos sapatos de verniz extra-apertados), ela conquistou nota dez.
Naquele
ano, o GRES Andanças de Ciganos terminou em quarto lugar. Vítima de
complicações decorrentes da diabetes, Wilson Fernandes faleceu em outubro de
2008. Era um guerreiro!
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