Por José
Nêumanne
É tentador
acreditar que o previsto e previsível malogro da reforma da Previdência nas
atuais circunstâncias decorre da impopularidade do presidente Michel Temer.
Como alguém com aprovação de 3% pretende acabar com direitos adquiridos de
milhões de trabalhadores com uma penada só, pergunta-se com aquela empáfia
própria de quem se sente dono da verdade. O buraco, entretanto, é muito mais
embaixo.
Fernando
Henrique, do PSDB, com a autoridade de quem ganhou a eleição no primeiro turno
montado no corcel do Plano Real, arriado por sua equipe no Ministério da
Fazenda do governo provisório de Itamar Franco, que foi vice de Collor, também
tentou e conseguiu um arremedo menos que satisfatório para poder chamar de sua
uma reforma saneadora e pioneira.
Quem tiver
dúvidas a esse respeito leia o volume recém-lançado no qual compilou suas
observações cotidianas e nelas se queixou do desempenho do relator do projeto
que apadrinhava na Câmara, o então poderoso e hoje presidente da República
Michel Temer. O tempo provou que os remendos obtidos à época passaram longe de
encaminhar uma solução definitiva para o rombo nas contas provocado pelo
déficit previdenciário.
Seu
sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, também fez uma tentativa e, com a
autoridade histórica adquirida de sua anterior liderança sindical, obteve um
pálido e tímido projeto que criou um sistema especial para o funcionalismo
público, mas também não resolveu o problema. E atingiu uma situação definida
como “ou faz agora ou vai ter de ser muito mais radical no futuro”. Falastrão,
hipócrita e mendaz, como de hábito, o ex-presidente hoje se posta à frente das
passeatas de “trabalhadores” ameaçados pela fúria reformista do “golpista”.
Tudo lero-lero!
Depois da
gestão desgraçada e desastrada do próprio Lula e de sua self-made woman Dilma
Rousseff, o Brasil quebrado, com mais de 12 milhões de desempregados e contas
públicas impagáveis que afundam o Orçamento federal num déficit previsível e,
ainda assim inatingível, de R$ 159 bilhões no ano, a conclusão do ou “cede um
pouco ou perde tudo” se torna cada vez mais urgente. Mas nem assim é possível
prever uma conquista qualquer na busca desesperada do equilíbrio orçamentário.
No
princípio dessa batalha eu disse ao microfone, diante das câmeras, no écran
deste blog ou na tinta sobre papel do jornal que não há estratégia de
comunicação que salve a reforma de Previdência no Congresso, por mais
fisiológico e governista que este seja, se nessa reforma não vier um sério,
profundo e rigoroso combate aos privilégios. A equipe que toma conta da
comunicação no governo federal é indigente do ponto de vista do talento, do
conhecimento e da criatividade. Os resultados a esperar de suas campanhas só
podem situar-se abaixo de zero.
No
entanto, uma visita à História recente é suficiente para ver que, da mesma
forma mudanças no intocável sistema previdenciário são extremamente
impopulares, a caça aos privilégios elege outsiders e afunda políticos
comprometidos com privilégios, seja por gozá-los, seja por defendê-los.
Exemplo à
mão é Fernando Collor de Mello, um obscuro governador de Alagoas que, depois de
um programa na televisão, tornou-se um dos maiores fenômenos de popularidades
da política brasileira. A ponto de derrotar numa só eleição líderes notórios
como Ulysses Guimarães, o todo-poderoso multipresidente do PMDB, Mário Covas, o
gestor mais que bem-sucedido das contas do maior e mais rico Estado da
Federação, Luiz Inácio Lula da Silva, depois daquele hoje aparentemente
distante pleito de 1989 o mais popular político profissional do País, e Leonel
Brizola, um semideus do populismo de esquerda do pós-getulismo.
O “caçador
de marajás” tornou-se um campeão da corrupção, como só acontece nessas
campanhas de moralismo hipócrita, mas o tema do privilégio continua de pé. Pois
o combate à corrupção da Lava Jato, os fartos exemplos de banditismo do PT, do
PMDB e do PSDB, principais ocupantes do poder neste século, e os movimentos de
rua entre 2013 e 2015 não mudaram a realidade nem o ódio popular que ela
provoca, criando novos ídolos.
A questão
passa ao largo de lendas urbanas como a inexistência do déficit previdenciário
ou a anatemização automática dos aumentos de idade para se aposentar ou de
contribuição para formar o capital da aposentadoria. Mas não sai do cerne da
condição siamesa de reforma da Previdência e combate ao privilégio. Pelo
simples fato de que continuam como dantes no “cartel” de Abrantes tanto os
privilégios absurdos quanto os volumes impagáveis dos recursos necessários para
remunerar o que os trabalhadores merecem quando param de trabalhar.
Acompanho
agora notícias na televisão sobre absurdos de pensões e aposentadorias de
políticos. A comparação é simples e dura: enquanto o Congresso se prepara para
debater a proposta do governo de reforma da Previdência, que, se aprovada,
estabelecerá uma idade mínima de 65 anos para a aposentadoria e exigirá 49 anos
de contribuição para alguém receber o teto (R$ 5,5 mil) pago pelo Instituto
Nacional do Seguro Social (INSS), pelo menos 30 políticos aposentados e com
mandato acumulam ganhos que, em valores brutos, garantem a eles renda mensal de
até R$ 64 mil.
O G1,
portal da Globo, fez um levantamento sobre o pagamento de pensões a
ex-governadores e de aposentadoria a ex-deputados e ex-senadores e cruzou as
informações. Descobriu, por exemplo, que pelo menos 11 políticos acumulam
ganhos por terem sido governadores e senadores e outros sete por terem sido
governadores e deputados federais. Também identificou 12 políticos com mandato
no Congresso (oito senadores e quatro deputados federais) que acumulam, além do
salário de parlamentar, pensão como ex-governadores.
O acúmulo
de pensões e aposentadorias (ou de salários e pensões) não é ilegal. Mas se
aprovada da forma como foi enviada ao Congresso, a proposta de reforma da
Previdência extinguirá o sistema de aposentadoria dos parlamentares, e eles
terão de passar a contribuir para o INSS e a ficar sujeitos às mesmas regras e
mesmos benefícios dos trabalhadores do setor privado. Se aprovada, essa regra
valerá para os deputados e senadores eleitos após a reforma. Os atuais
parlamentares e ex-parlamentares continuariam a receber em razão do chamado
“direito adquirido”. Além disso, a reforma não impedirá o acúmulo de
aposentadorias e pensões.
Para sair
do exemplo fácil dos casos excepcionais é possível também agora trazer a prova
mais acachapante de que o combate à reforma urgente e necessária não é feito
pelo trabalhador que sua, paga muito e recebe pouco ao se aposentar, mas
daqueles que passaram a ser chamados de “marajás” nos tempos do “carcará
sanguinolento”. Oportuna reportagem de Adriana Fernandes e Idiana Tomazel, da
Sucursal do Estado em Brasília, dá valiosa contribuição ao debate ao reproduzir
nas páginas da Economia deste jornal que, se as normas da reforma tais como
agora propostas pelo governo federal fossem levadas à prática, dois terços dos
trabalhadores não seriam alcançados por elas.
Esse
cálculo foi feito pelo consultor do Senado Pedro Nery. O economista usou como
base os dados sobre o perfil de quem já está aposentado ou recebe outro
benefício previdenciário. Segundo a reportagem citada, “o quadro mostra,
portanto, que a grande maioria da população não seria atingida pelas mudanças
que o governo tenta aprovar no Congresso Nacional na primeira semana de
dezembro. Seriam alcançados pela reforma 34,6% dos trabalhadores”.
Apesar
dessa evidência publicada num jornal de grande circulação, porém, as centrais
sindicais e os partidos populistas de esquerda seguem arregimentando
manifestações contra as mudanças nas ruas. E os deputados e senadores ainda se
recusam a dar os três quintos dos votos necessários à aprovação da reforma, que
não é apenas urgente e necessária, mas absolutamente indispensável.
Pelo
simples fato de que, caso a contabilidade não se torne racional, e logo, não
haverá em futuro muito próximo dinheiro suficiente para pagar aposentadoria a
ninguém, os que não serão atingidos pelas alterações, seja porque já estão aposentados,
seja por fazerem parte dos tais dois terços que, mesmo ainda pleiteando suas
aposentadorias, não são privilegiados como os 12 senadores ex-governadores
citados ontem nos noticiários da GloboNews como recebedores de quinhões de até
R$ 64 mil mensais (caso do peemedebista potiguar Garibaldi Alves). Ou dos R$ 52
mil por mês recebidos pelo petista acreano Jorge Viana, que se recusa a debater
o tamanho de sua benesse, de vez que ela é legal. Pouco lhe importa que seja,
porém, imoral. É isso.
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