Por Luiz Carlos Miele
Recentemente, revi, numa daquelas tardes de chuva, o filme Mãezinha querida, inspirado em livro
escrito pela filha da Joan Crawford. Vendo o filme, ou lendo o livro, você fica
com certeza de que mãe só tem uma, pois duas pestes como aquela ninguém
aguentaria.
No filme, a peste, no caso, é vivida pela Faye Dunaway,
linda e maravilhosa, vivendo com tal convicção o papel da megera que faz você
ficar com ódio dela em vez de imaginar coisas melhores para fazer com ela em
outra tarde de chuva.
Na verdade, eu nem deveria estar falando assim de Joan
Crawford, pois até já dividi o palco com ela. E trocamos até um beijo. Quer
dizer, que não sou o Jorginho Guinle, mas também já fui beijando por uma
ganhadora do Oscar. E sem gastar um tostão. Ou melhor, duzentos dólares, que
foi quanto custou uma noitada do Jorginho com a Marilyn Monroe. Ela ainda era a
Norma Jean, mas já tinha todas aquelas qualidades intelectuais que a deixaram
famosa.
De qualquer maneira, voltando à Ms. Crawford, ela havia
herdado a Pepsi-Cola e vinha ao Brasil para o lançamento oficial da marca. A
dupla Miele & Bôscoli, de quem provavelmente ela já havia ouvido falar
muito lá em Hollywood, foi contratada pela Thompson Propaganda, que tinha a
conta milionária, para cuidar de três shows em homenagem à ilustre convidada.
O primeiro dos shows foi uma comportada apresentação de Elis
Regina. Eu disse comportada porque recebemos mil recomendações sobre o
comportamento dos artistas com relação à estrela. Não devíamos falar no seu
nome, nem fazer nenhuma brincadeira com ela. E, principalmente, não lhe
oferecer uma Pepsi-Cola que, na verdade, ela detestava. Em vez disso, tivemos
que virar a cidade para encontrar o gim de sua marca preferida, que ela
enxugava legal.
No segundo show, apesar das recomendações, Jair Rodrigues
sentou nos braços da poltrona dela e cantou no seu ouvido Chão de Estrelas, pronunciando as palavras da maneira mais
explicada possível, para que ela pudesse entender toda a poesia da letra. Ela
não entendeu nada, é claro, fechou a cara, e Jair saiu rapidinho, comentando:
“Deixa que digam, que pensem, que falem, deixa isso pra lá, vem pra cá, o que é
que tem? Eu não tô fazendo nada, nem você também. Faz mal bater um papo assim
gostoso com alguém?”
E veio finalmente o terceiro show, no Golden Room do
Copacabana Palace, com a plateia a rigor, toda a sociedade carioca convidada e
presidentes da Pepsi de toda a América Latina.
Eu e Ronaldo preparamos um desfile de moda totalmente
diferente. Era como se fosse um casamento hippie (era a época do movimento,
lembram?).
O show chamava-se A
noite alucinante de Carnaby Street. Nosso amigo Zé Luiz Itajaí, dono de uma
loja chamada Biba, como a homônima de Londres, entrou com a roupa toda – a
noiva vestida em papel higiênico e tal. Era uma coisa arriscada, principalmente
pelo mau humor da Crawford, mas o pessoal da agência viu os ensaios, achou que valia
a pena e fomos em frente.
Apesar dos cuidados, resolvi fazer uma homenagem à nossa
convidada especial e fui pedir a letra de uma música tema de um dos seus filmes
ao Maurilinho de Almeida, que era o crooner da boate Sacha’s e fã da atriz.
De humor ferino e sofisticado, Murilinho tinha as suas
preferências eróticas e pagou a um fotógrafo do Jornal dos Esportes para fazer
para ele algumas fotos especiais nos vestiários do Maracanã. Ficou com uma
coleção de uma verdadeira seleção brasileira. Todos os jogadores nus, na saída
dos chuveiros. Enquanto mostrava a coleção, ele me dizia:
– Miele, o negócio é convidar para jantar os atacantes, que
são levinhos e comem pouco, porque os zagueiros dão uma despesa tremenda.
Deixando o esporte de lado e voltando à música, ele
recomendou:
– Olha, meu querido, não vai ficar bem para você cantar Johnny Guitar, se não vai ficar
parecendo uma bicha barbuda. Leva a letra de Everything I Have Is Yours, que foi tema de outro filme dela.
Decorei a letra e guardei para o fim do show. Começou com um
desfile, com várias moças da nossa sociedade, tudo muito elegante. A música por
conta do conjunto do Luiz Carlos Vinhas e duas gêmeas cantoras que ele estava
lançando – Celma e Célia (que entraram para a Bossa Nova e saíram a tempo para
ganhar uma grana com a música sertaneja). Até que entro no palco para a minha
homenagem.
Dou um sorriso e uma piscada para Joan (já estou me achando
íntimo). Quando estou na terceira frase da música, ela levanta e sai da sala.
Pânico total. Vejo o desespero no rosto dos diretores da agência. Pronto, lá se
foi a conta, todo o público surpreso, e eu, no palco, empapado de suor, pensando
no que é que eu fui arrumar.
Bem que me avisaram que a mulher era um pé no saco. Mas o
fim, ao contrário dos filmes dela, foi um happy
end. Quando comecei a cantar, ela levantou, saiu da sala pela porta que
dava acesso à cozinha, deu a volta por trás do palco, e entrou sem que eu visse,
fazendo um sinal de silêncio para a plateia. Veio na ponta dos pés, até chegar
ao meu lado, no minuto mais longo da minha carreira.
Quando levei um susto, ela me deu o braço e terminou a
música comigo, para alívio da turma da agência, dos presidentes das Pepsis da
Venezuela e do México, do respeitável público e, naturalmente, do locutor que
vos fala. Quer dizer, na verdade eu não tenho do que me queixar com relação ao
temível mau humor da atriz e empresária para quem a maioria das pessoas que
trabalhavam com ela tinha a mesma resposta: “Joan Crawford é a mãe.”
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