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sexta-feira, novembro 24, 2017

Poeira de Estrelas – Histórias de Boemia, Humor e Música (9)


Por Luiz Carlos Miele

Um ditado que todo mundo conhece é aquele que diz: mãe só tem uma. E um dos comentários menos felizes que conheço sobre o mesmo ditado é o que diz: só tem uma porque duas ninguém aguentaria. Pois bem, eu tenho duas, nasci delas e adoro as duas.

A primeira é D. Irma D’ Ugo Miele, a que me gerou, mãe do parto. A segunda é Regina Macedo, mãe do palco. Na verdade, elas são a mesma pessoa. D. Irma me deu à luz… Regina Macedo luz, câmera, ação. O pseudônimo identifica a cantora, atriz e produtora de televisão.

Lembro que, aos oito anos de idade, eu tive uma crise de asma, enquanto a mãe cantora ensaiava o show do cassino de São Vicente. Sem saber como me salvar da crise, a empregada, apavorada, me levou para o cassino. Quando entrei no ensaio e senti pela primeira vez aquela magia, os músicos afinando os instrumentos, os iluminadores preparando a luz para o show, acho que descobrir que nunca mais os meus heróis seriam os mocinhos das histórias em quadrinhos.

A maioria das crianças da minha geração cresceu aprendendo “Atirei o pau no gato”, pois a primeira canção que eu decorei foi “Long ago and far way”, que minha mãe tinha de cantar ao lado do organista André Penazzi, de quem era a lady crooner. Assim, comecei a me preparar para a carreira artística, embora, minha primeira participação no mundo do show business tenha sido bastante desastrosa.

Num espetáculo de teatro, o vilão avançou para a minha amada genitora de faca em punho, conforme exigia o script. Eu, na plateia, filho zeloso e apavorado com a cena, interrompi o espetáculo, causando um grande tumulto com os gritos de “socorro, vão matar a minha mãe”. Depois disso, dona Regina me devolveu para dona Irma, adiando por algum tempo minha estreia, achando que eu ainda não estava preparado para o palco e suas emoções.

Até que a rádio Excelsior preparou uma série de programas intitulada Meu filho, meu orgulho, que focalizava a vida de grandes vultos da história brasileira. Um garoto deveria interpretar a infância desses grandes vultos, mas o menino que foi contratado ficou muito nervoso e não conseguia fazer o papel.

Foi quando a minha mãe, não só porque queria me ter ao seu lado no trabalho, com também porque havia recebido meus últimos boletins do colégio, que antecipavam que eu estava longe dos destinos dos médicos, advogados, economistas e presidentes da República, resolveu que era hora de eu tentar outra coisa e disse ao diretor do programa: “Acho que meu filho pode quebrar esse galho”. E assim nos tornamos, mais do que mãe e filho, colegas.

Eu ficava entre fascinado e orgulhoso de ouvi-la cantando em italiano, castelhano, francês e inglês, quer dizer, ela sustentava a mim e às minhas irmãs (Eliana e Regina) em quatro idiomas. Daí para frente, sempre que recebia a oferta de um novo contrato, minha mãe condicionava à minha contratação, e assim conheci com ela os princípios do profissionalismo, do respeito aos colegas, do amor à arte de ver e ler e de ouvir e aprender.

Ela me levou ao encontro da música, embora tenha desistido de me ensinar piano. Era aluna de Camargo Guarnieri, e penso que minha indisciplina foi demais para ela, que já estudava com o mestre. Mas enquanto eu fazia as minhas primeiras participações em alguns programas, ela, que já havia deixado de cantar, exercia as funções de atriz e produtora.

Era a responsável pela programação diurna da TV Paulista (depois TV Globo). Lá, realizou programas de música clássica e popular, além de entrevistas memoráveis, como a que fez com a mãe de Che Guevara. Vendo a programação atual da TV, no horário da tarde, acredito que o que a minha mãe fazia de melhor era não ler no ar as reportagens das revistas especializadas em fofocas da vida dos astros da televisão.

E eu fui, assim, aprendendo a trilhar os primeiros caminhos da produção na TV. Além de me encaminhar na vida artística, ela também me ensinou os princípios da honestidade, mas também não precisava exagerar. Tanto eu quanto ela, em diferentes ocasiões, saímos da Rede Globo deixando para trás meses de salários e direitos por puro orgulho.

Finalmente, ela deixou a carreira, mas não a convivência com a arte. Mas, para poder lecionar oficialmente piano e flauta, era necessária a formação universitária. Portanto, nada mais lógico que ela entrasse para a faculdade aos 57 anos de idade, formando-se quatro anos depois. Minha mãe, meu orgulho!

Durante o período universitário, ela foi chamada algumas vezes para novelas na Globo. Foi a avó de Cristiane Torloni, que eu recebi na família com o maior carinho, é claro, e depois a mãe de Antônio Fagundes, o que me deixou na verdade com ciúmes.

Realizada artisticamente, mas preocupada espiritualmente, ela atendeu o chamado de uma sociedade esotérica, a Eubiose, que possui quatro templos no Brasil, onde são estudadas todas as religiões. Os templos ficam em Itaparica, São Paulo, São Lourenço e Maria da Fé.

É claro que o mais fácil não servia para ela, que optou por Maria da Fé. Fica no interior de Minas Gerais, que, com relação a São Paulo, onde moram suas filhas (minhas irmãs) e seus netos (Quiara e Quico), e ao Rio de Janeiro, onde eu moro, tem as seguintes características similares: fica igualmente muuuiiittoooo longe das duas cidades, não tem aeroporto, também não tem rodoviária, mas, em compensação, também não tem nenhum táxi.

Mas tem lá a minha mãe. Mãe do parto, mãe do palco.


Suas bênçãos, minha mãe!

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