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terça-feira, novembro 28, 2017

Poeira de Estrelas – Histórias de Boemia, Humor e Música (17)


Por Luiz Carlos Miele

A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida. A frase, claro, é de Vinicius de Moraes e faz parte do show Vivendo Vinicius, que eu tive o prazer de dirigir no Metropolitan, do Rio de Janeiro. E que encontros. Os grandes parceiros do poetinha: Baden, Carlinhos Lyra, Toquinho e Leila Pinheiro ou Miúcha cantando Tom.

Depois, São Paulo, é claro, para outros encontros. E lembranças, como as do Claridge Bar, ali na 9 de julho, no antigo Claridge Hotel.

O hotel mudou de nome, está vazio e triste, apesar dos heróicos esforços de Edgar Maluf, proprietário também do jornal São Paulo em Notícias. Hospedei-me no hotel e no jornal para escrever algumas crônicas sobre a ponte aérea Rio-São Paulo.

Dou um pulo no bar, outrora um dos endereços mais elegantes de São Paulo. O velho piano branco de cauda ainda está lá, um velho piano que não toca mais, como diz a canção de Dori Caymmi. Frequentei muito o bar no início da minha carreira de crimes.

A música era espetacular. Dick Farney no piano, com aquele repertório maravilhoso de canções norte americanas. Farnésio Dutra era o nome verdadeiro do Dick. Não é de admirar que ele tenha mudado. Shu Viana ao contrabaixo e Rubinho na bateria (o Zimbo Trio ainda não havia sido inventado para a imortalidade). Eu tinha muito contato com os músicos, porque ajudava um pouco nas produções do Jazz Clube de São Paulo, cuja presidente era minha prima, Lenita Miranda de Figueiredo.

Grande jornalista da Folha, pianista, produtora de sofisticados programas da rádio Excelsior, foi Lenita que me ensinou, quando eu tinha 12 anos de idade, que Errol Gardner, Art Tatum e Oscar Peterson jamais gravariam o axé.

Passei pelo bar à tarde para deixar um recado dela para o Rubinho. Tipo quatro da tarde, nenhum freguês ainda, apenas o barman em mangas de camisa, limpando os copos, como nos filmes. Eu entro, deixo o recado com ele, que me serve uma vodca com tônica (boca-livre, é claro, eu era superduro).

Enquanto eu saboreava o presente, Nat King Cole, que estava hospedado no hotel, fazendo hora para o ensaio na noite seguinte, pergunta se o bar “is open”. O barman hesita em dizer que não.

Ele entra, pergunta o que eu estou tomando, estranha a vodca com tônica, mas resolve experimentar assim mesmo. Digo a ele que sou seu fã, falo do tremendo sucesso de bilheteria. Ele quer saber se o sucesso no Brasil é devido apenas às suas gravações em espanhol, aquelas cascatas tipo “Cachito, cachito, cachito mio”.

Eu respondo honestamente, que em grande parte sim, mas existe muita gente no Brasil que conhece bastante seu repertório mais sofisticado, e aí aproveito tudo que a Lenita me ensinou e dou um show de Nat King Cole.

Canto (canto?) várias de suas letras e, de quebra, cito várias gravações do tempo em que ele não era cantor, mas pianistas, com seu extraordinário King Cole Trio. Lembro que foi o primeiro trio a fazer sucesso sem bateria (piano, baixo e guitarra).

O rei, o king, se empolga com a espantosa erudição jazzística daquele garoto, pede a chave do piano branco, mais duas vodcas, e eu ganho um show exclusivo de mais de uma hora de Nat King Cole. Eu, ele e o barman, que à essa altura liberou mesmo a vodca, inclusive para ele, barman.

Mas não adiantou nada. No dia seguinte, quando contei a história no colégio, ninguém acreditou:

– Então tá, Miele. Nat King Cole fez o show só para você, e depois você comeu a Elizabeth Taylor.

Ficou por isso mesmo, lá no colégio. Mas eu, o barman e Nat King Cole sabemos a verdade. (A parte da Elizabeth Taylor é mentira mesmo.)

Bem, o Dick e o Shu já se foram, assim como o hotel e o bar. Ficaram as lembranças. “Como um verso jogado num canto de um velho piano que não toca mais”. 

Falando em Dick Farney e Nat King Cole, uma curiosidade para os fãs dos dois. Dick Farney, um brasileiro, foi o primeiro cantor no mundo a gravar, nos Estados Unidos, a canção Tenderly.

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