Por Miguel Duclós
O texto abaixo, tradução da matéria de capa da revista Time,
de 5 de março de 1973, é um documento importante, embora com aspectos
lamentáveis. Escrita num momento crucial em que a fama e a repercussão de Carlos
Castañeda estavam no auge, com livros vendendo como água, tinha o propósito
implícito e explícito de classificá-lo como um mentiroso fantasioso.
A reportagem sedimentou a informação, ao meu ver equivocada,
dos dados biográficos de Castañeda relativos ao Peru. Na entrevista a Carmina
Fort, de 1991, Castañeda lamenta o ocorrido e ironiza o esforço da revista em
situar seus antepassados entre índios: “talvez achassem mais coerente que eu
fosse um tipo de índio ou coisa que o valha”.
Independente disso, procurei traduzir a reportagem da revista
Time com a maior fidelidade possível. Confiram:
A fronteira do México é um grande divisor. Abaixo dela, o
amontoado de estruturas da racionalidade ocidental hesita e afunda. O modelo
familiar de sociedade – proprietário e camponês, padre e político, aparece por
sobre um estranho chão – o México oculto, com seus brujos e carismáticos, seus
feiticeiros e videntes. Alguns de seus costumes datam de 2.000 a 3.000 anos,
como o uso do peiote, o cogumelo e o culto da glória da manhã dos antigos
toltecas e astecas. Quatro séculos de repressão católica em nome da fé e da
razão reduziram estes antigos costumes a uma subcultura, ridicularizada e
perseguida. Mesmo num país de 53 milhões de habitantes, onde muitos mercados
nas cidadezinhas têm vendedores de ervas medicinais, botões de peiote e
beija-flores secos, o mundo dos feiticeiros ainda persiste. Seus cultos tem
sido alvo de interesse de antropólogos há tempos. Mas cinco anos atrás,
dificilmente alguém poderia adivinhar que uma tese de mestrado neste assunto
recôndito, publicado na conservadora editora da Universidade da Califórnia,
pudesse se tornar um dos livros mais vendidos do início dos anos 70.
VELHO YAQUI. O
livro era Os ensinamentos de Don Juan: O
caminho Yaqui de conhecimento (1968) (1). Suas seqüências Uma Estranha Realidade (2) e o atual Viagem a Ixtlan (1972) fizeram os EUA
cultuar a figura de seu autor e seu tema: um antropólogo chamado Carlos
Castaneda e um misterioso velho yaqui de Sonora chamado Don Juan Matus. Os
livros de Castaneda são essencialmente histórias de como um ocidental
racionalista é iniciado na prática da feitiçaria indígena. Eles cobrem um
espaço de dez anos, durante os quais, sob a estranha, exigente e às vezes
cômica tutelagem de Don Juan, um jovem acadêmico é obrigado a introduzir-se e
compreender o que chama de a “estranha realidade” do mundo dos feiticeiros. O
aprendizado da iluminação é um tema comum entre as leituras favoritas dos
jovens americanos de hoje (por exemplo, Herman Hesse com seu romance Sidarta). A diferença é que Castaneda
não apresenta seu ciclo de Don Juan como ficção, mas como um documentário sem
embelezamentos.
O malicioso e musculoso bruxo velho e seu aluno acadêmico
certinho encontraram primeiramente audiência nos jovens da contra-cultura, dos
quais muitos ficaram intrigados pelos relatos das experiências com plantas alucinógenas (ou psicotrópicas).
Erva-do-diabo, cogumelos mágicos, peiote. Os Ensinamentos venderam mais de 300 mil cópias de capa mole e está
sendo vendido atualmente numa taxa de 16 mil cópias por semana. Mas os livros
de Castaneda não são propaganda de drogas, e agora a classe-média
pseudo-intelectual começou a abordá-lo. Ixtlan
é um best-seller de capa dura, e suas vendas com capa mole (3), de acordo com o
editor Ned Brown, irão fazer seu autor milionário.
Para dezenas de milhares de leitores, o primeiro encontro de
Castaneda com Juan Matus, que aconteceu num empoeirado ônibus do Arizona, é um
evento literário mais conhecido do que o encontro de Dante e Beatrice perto de
Arno. Porque os ensinamentos de Don Juan foram impressos no exato momento em
que, mais do que nunca, os americanos estão dispostos a levar em conta
abordagens “não racionais” da realidade.
Esta nova abertura de mente se mostra em vários níveis, dos experimentos
de ESP financiados indiretamente pelo governo dos EUA até a multidão chorosa de
13 anos da Califórnia tornando-se exultante com a chegada de um guru infantil
num jato fretado de Bombay. O acupunturista agora divide os holofotes com
Marcus Welby, M.D, e suas agulhas parecem funcionar, sem que ninguém saiba por
quê. Entretanto, a fama crescente de Castaneda trouxe também dúvidas
crescentes. Don Juan não tem outra
testemunha verificável, e Juan Matus é um nome tão comum entre os índios yaquis
quanto John Smith é mais adiante, no norte. Castaneda é real? Se sim, ele
inventou Don Juan? Ou Castaneda apenas está colocando-o no mundo real?
Dentre essas possibilidades, uma coisa é certa: não há
dúvida que Castaneda, ou um homem sob este nome, existe: ele está vivo e bem em
Los Angeles. É um falante antropólogo de olhos castanhos, rodeado de provas
concretas de existência como uma caminhonete Volkswagen, um cartão de crédito,
um apartamento em Westwood e uma casa de praia. Sua celebridade também é
concreta. Ela o dificulta a dar aulas e palestras, especialmente depois de um
incidente ano passado no campus de Irvine da Universidade de Califórnia, quando
um professor chamado John Wallace conseguiu uma cópia de xerox do manuscrito de
Viagem a Ixtlan , colocou junto com
algumas anotações de um seminário sobre xamanismo que Castaneda dava, e vendeu
o resultado para a revista Penthouse. Isso enfureceu Castaneda a tal ponto que
ele tornou-se relutante em se comprometer a proferir qualquer tipo de palestra
no futuro. No momento ele vive em Los
Angeles “tão inacessível quanto possível”, recuperando as forças de tempos em
tempos no lugar que Don Juan chamou de “ponto de poder”, no topo de uma
montanha próxima ao norte de Malibu, que é uma cadeia de montanhas mirando o
Pacífico. Muito se distancia das ofertas para filmar: “Eu não quero ver Antonny
Quinn como Don Juan”, disse com aspereza. Qualquer um que tente sondar a vida
de Castaneda encontra um labirinto de contradições. Mas, para os admiradores de
Castaneda, isto pouco importa. “Veja desta forma”, disse um. “Ou Castaneda está
dizendo a verdade documental acerca de si e de Don Juan, e neste caso é um
grande antropólogo, ou é uma verdade fantasiosa, e neste caso ele é um grande
romancista. De uma forma ou de outra, Castaneda vence”.
De fato, apesar de o homem ser um enigma embrulhado em um
mistério embrulhado em uma tortilla, o trabalho é maravilhosamente lúcido. O
relato de Castaneda desdobra-se com poder narrativo sem igual em outros estudos
antropológicos. Seu terreno ornado de cactos organ pipe, desde as deslumbrantes
montanhas do deserto mexicano até o interior bagunçado da cabana de Don Juan
parece perfeitamente real. É um mundo profundamente articulado em detalhes,
como o país Yoknapatawpha de Faulkner. Em todos os livros, mas especialmente em
Viagem a Ixtlan, Castaneda faz o
leitor experimentar a pressão de ventos misteriosos e o farfalhar de folhas no
crepúsculo, a atenção especial do caçador para o som e o cheiro a crueza
extrema da vida indígena, o cheiro cru da tequila, o odioso e fibroso gosto do
peiote, a poeira no carro e o alteamento do vôo do corvo. É um ambiente
admiravelmente concreto, denso e com sentido animista.
A educação de um feiticeiro, como Castaneda descreve, é
árdua. Através de Don Juan ela destrói necessariamente a interpretação do mundo
dos antropólogos; do que pode e não pode ser chamado “real”. Os Ensinamentos descrevem os primeiros
passos deste processo, que envolvem drogas naturais. Uma é a Lophophora williamsii, o cacto de peiote
que, como promete Don Juan, revela a entidade chamada Mescalito, um poderoso
mestre que ensina a você o “modo correto de viver”. Outra é a Erva do Diabo, que Don Juan trata como uma
presença feminina implacável. A terceira é o humito¸ o “fuminho”, preparado com
restos do cogumelo Psilocybe, secos e
envelhecidos por um ano e então misturados com cinco outras plantas, incluindo
sálvia. Ele é fumado com um cachimbo ritual e usado para adivinhações.
Estas drogas, Don Juan insiste, dão acesso ao “poder” de
forças impessoais na amplitude do mundo que um “homem de conhecimento”, seu
termo para feiticeiro, “deve aprender a usar”. Preparadas e administradas por
Don Juan, estas drogas levam Castaneda a confrontos cada vez mais empolgantes
ou apavorantes. Após mastigar botões de peiote, Castaneda tem encontros
sucessivos com Mescalito como um cão preto, uma coluna, uma luz cantante ou uma
espécie de grilo com a cabeça enrugada. Ele ouve impressionantes ruídos,
impossíveis de se interpretar, oriundos das imóveis cadeias de montanhas de
lava. Após fumar o humito e convesar com um coiote bilíngüe, ele vê o “guardião
do outro mundo” aparecer na sua presença como um mosquito de cem pés com crista
espetada e mandíbulas salivantes. Após esfregar seu corpo num ungüento feito
com datura, o apavorado antropólogo sente várias sensações de estar voando.
Através de tudo isso, Castaneda raramente tem alguma idéia
do que está acontecendo. Ele não pode ter certeza do que isto significa e mesmo
se tudo isto “realmente” aconteceu, afinal de contas. Esta interpretação teve
de ser fornecida por Don Juan.
Por que, então, numa época cheia de descrições de viagens,
boas e ruins, as descrições de Castaneda são mais importantes do que as outras?
Primeiro, porque elas são aparentemente conduzidas por um sistema – embora ele
não tenha percebido isso quando ocorriam – imposto sacerdotalmente e com
rigorosa disciplina pelo seu guia índio.
Segundo, porque Castaneda manteve notas extensas e extraordinariamente
vívidas. Um exemplo de descrição do efeito do peiote: “Em questão de instantes, um túnel formou-se
ao redor de mim, muito baixo e estreito, duro e estranhamente frio. Sentia-se o
seu toque como um muro de alumínio sólido... Lembro-me de ter que rastejar ao
redor de uma espécie de ponto redondo onde o túnel acabava. Quando finalmente
cheguei, se cheguei, havia esquecido tudo acerca do cachorro, Don Juan, e de
mim mesmo”. Talvez o mais importante, Castaneda permanece sempre um
racionalista tradicional. Seu único alívio são as perguntas: um constante, e às
vezes infrutífero, esforço de manter um diálogo socrático com Don Juan.
“Eu voei como um pássaro?”. “Você sempre me pergunta
questões que eu não posso responder... O que você quer saber não faz sentido.
Pássaros voam como pássaros e um homem que tenha fumado erva do diabo também..”.
“Então eu não voei realmente, Don Juan, eu voei na minha imaginação. Onde estava
meu corpo?”. E por aí vai.
De acordo com ele, a primeira fase do aprendizado vai de
1961 até 1965 quando, assustado por estar perdendo seu senso de realidade “e
possuindo então milhares de páginas de anotações “ se afastou de Don Juan. Em
1968, quando os Ensinamentos apareceram,
voltou a descer ao México para dar ao velho uma cópia. Um segundo ciclo de
instruções então começou. Castaneda percebeu gradualmente que o uso de plantas
psicotrópicas para Don Juan não era um fim em si mesmo, e que o caminho do
feiticeiro poderia ser trilhado sem drogas.
Mas isto requer um perfeito aguçamento da vontade. Don Juan
insiste que um homem de conhecimento só pode transformar-se a partir de um
“guerreiro”, não literalmente um soldado profissional, mas um homem
inteiramente ligado no seu ambiente, ágil, descarregado de sentimentos ou de
“história pessoal”. Um guerreiro sabe que cada ato pode ser o último. E está
sozinho. A morte é a base de sua vida, e sob sua presença constante ele age
sempre “impecavelmente”. Este estoicismo existencialista é a idéia central dos
livros. O objetivo do guerreiro é o de se tornar um “homem de conhecimento”, e
então entrar no clube seleto dos feiticeiros, isto é, “ver”... “Ver”, no
sistema de Don Juan, significa sentir o mundo diretamente, agarrando-se à sua
essência, sem interpretá-lo. O segundo livro de Castaneda, Uma Estranha Realidade, descreve os esforços de Don Juan para
induzi-lo a “ver” com a ajuda do fumo de cogumelo. Viagem a Ixtlan¸ apesar de recontar muitas experiências no deserto
anteriores à sua introdução ao peiote, datura e o cogumelo, lida com o segundo
estágio: “ver” sem as drogas.
A dificuldade, diz Castaneda, “está em aprender a perceber
com todo seu corpo, e não apenas com seus olhos e a razão. O mundo se torna uma
correnteza de eventos tremendamente rápidos e únicos. Então você deve preparar
seu corpo para fazê-lo um bom receptor; o corpo é consciente, e deve ser
tratado impecavelmente”. Mais fácil dizer do que fazer. Parte do treino exige
uma sintonia concentrada, detalhada, e mesmo religiosa, com o sentido do deserto,
com seus animais e pássaros, sons e sombras, com as mudanças de seus ventos, e
os locais onde um xamã pode confrontar suas entidades espirituais: pontos de
poder, buracos ou abrigos. Quando Castaneda descreve seu aprendizado como
caçador e colhedor de plantas, aprendendo sobre as propriedades das ervas e as
ciladas para coelhos, a narrativa é absorvente. Don Juan e o deserto o tornam
apto, esporadicamente e sem drogas, a “ver” ou, nas palavras de um yaqui,
“parar o mundo”. Mas tal estado de interpretação da experiência livre confunde
a descrição mesmo para aqueles que acreditam que Castaneda fala sinceramente.
SÁBIOS. Nem todo
mundo pode, faz ou quer. Mas em alguns locais o trabalho de Castaneda é
admirado extravagantemente como uma revivificação de um modo de cognição que
foi bastante negligenciado pelo Ocidente, soterrado pelo materialismo e pelo
desespero de Pascal, desde a Renascença.
Mike Murphy, fundador do Instituto Esalen diz: “O essencial das lições
que Don Juan tem a ensinar são aquelas lições eternas, que foram ensinadas
pelos grandes sábios da Índia e os mestres espirituais da modernidade”. O autor
Alan Watts argumenta que os livros de Castaneda oferecem uma alternativa tanto
para o judaico-cristianismo cheio de culpa quanto para os pontos de vista cego
dos homens mecanicistas: “O estilo de Don Juan leva o homem para algo central e
importante. Não nos separar da natureza nos põe de volta a uma posição de
dignidade”.
Mas estes reconhecimentos e analogias não validam, de forma
alguma, a proclamação mais mundial da importância dos livros de Castaneda: a
sutileza de que são a consideração antropológica, específica e confiável de um
aspecto da cultura indígena do México como mostradas pela fala de uma pessoa,
um xamã chamado Juan Matus. Esta prova
depende da credibilidade de Don Juan como criatura e Castaneda como testemunha.
Ainda que não haja corroboração, além dos escritos de Castaneda, de que Don
Juan tenha feito o que ele disse que fez, e mesmo que tenha, afinal de contas,
existido.
Desde que os Ensinamentos
apareceram, candidatos a discípulos e turistas da contracultura têm viajado
para o México atrás do velho homem. Alguém poderia esperar a Primeira Convenção
dos Procuradores de Don Juan no QG do Bar dos Brujos do Hotel Mescalito. Jovens
mexicanos estão animados com o fato de que os livros de Castaneda sequer podem
ser lançados lá em tradução espanhola. Um estudante mexicano que está
procurando por conta própria Don Juan disse: “Se os livros forem lançados, a
busca por ele pode se tornar facilmente o estouro de uma corrida para o ouro”.
Castaneda afirma que seu mestre nasceu em 1891 e sofreu com
a dispersão dos yaquis por todo o México desde a década de 1890 até a revolução
de 1910. Seus pais foram mortos por soldados. Ele então se tornou nômade. Isto
ajuda a explicar porque os elementos da feitiçaria de Don Juan são combinações
de crenças xamanísticas de diferentes culturas. Alguns deles não são, de forma
alguma, representativos da cultura yaqui. Muitas tribos indígenas, como os
huichols, usam o peiote ritualmente, tanto ao norte quanto ao sul da fronteira.
Algumas numa mistura sincrética do Cristianismo e do xamanismo. Mas os yaquis
não são usuários de peiote. Don Juan, portanto, pode se tornar difícil de
encontrar, porque sabiamente se afasta de seus admiradores inconvenientes. Ou
talvez seja um índio mestiço, uma colagem de outros. Ou pode ser um xamã
puramente fictício criado por Castaneda.
As opiniões divergem larga e apaixonadamente, mesmo entre os
admiradores mais profundos dos escritos de Castaneda. “É possível que todos esses
livros sejam não-fictícios?”, pergunta o romancista Joyce Carol Oates
candidamente. “Eles me parecem excelentes trabalhos de arte num tema parecido
com o de Hesse, da iniciação de um jovem em ‘outros modos’ de realidade. Eles
são admiravelmente construídos. O personagem de Don Juan é inesquecível. Existe
uma motivação novelística, crescente, repleta de suspense, e uma gradual
revelação do personagem”.
GULLIVER. É
verdade, a leitura dos livros de Castaneda é como um Bildungsroman altamente
orquestrado. Mas os antropólogos se
preocupam menos com a excelência literária do que com a ilusão do xamanismo,
assim como com a sua aparente desconexão com os yaquis. “Eu acredito
basicamente que o trabalho tem um alto grau de imaginação”, diz Jesus Ochoa,
chefe do museu de etnografia do Museu Nacional de Antropologia do México. O Dr.
Francis Hsu da Universidade do Noroeste repreende: “Castaneda é uma nova moda.
Eu gostei dos livros da mesma maneira que das viagens de Gulliver”. Mas os
colegas veteranos de Castaneda na UCLA, que deram o PHD por Ixtlan ao seu antigo estudante,
discordam: Castaneda, como um professor colocou, é um “gênio nato”, para o qual
a rotina oficial e o lenga-lenga burocrático são desconsiderados; sua
confiabilidade como testemunha não é posta em questão.
De qualquer forma, no mínimo é óbvio que “Don Juan Matus” é
um pseudônimo usado para proteger a privacidade de seu professor. A necessidade
de ser inacessível e esquivo é um tema central dos livros. Mais de uma vez Don Juan encoraja Castaneda a
segui-lo e livrar-se não apenas das rotinas diárias, com sua percepção
estúpida, mas também do próprio passado. “Ninguém sabe minha experiência
pessoal”, explica o velho homem em Ixtlan.
“Ninguém sabe quem eu sou ou o que faço. Não apenas eu... ou nós tomamos tudo
como certo e real, ou não. Se seguirmos o primeiro caminho, nos entediamos até
a morte conosco mesmos e com o mundo. Se seguirmos o segundo e apagarmos a
história pessoal, criamos uma névoa em torno de nós, um estado muito misterioso
e excitante”.
Desafortunadamente para qualquer um que esteja ansioso para
ter garantias acerca da vida de Castaneda, o aprendiz de Don Juan tomou a lição
muito cuidadosamente. Depois que os Ensinamentos
tornaram-se um bestseller underground, muito se supôs que seu autor era o El
Freako da Academia do Ácido, adornado com peles e olhos de pebolim, e com seu
cérebro sendo um labirinto corroído iluminado por misteriosos alcalóides,
viajando sobre o deserto com um corvo em sua cabeça. Mas Castaneda significa
bosque de castanhas, e o homem se parece pouco com uma castanha: um robusto e
cortês latino-americano, de 1.65 de altura e 68kg e aparentemente encorpado por
vitaminas. O cabelo escuro e crespo é cortado curto, e os olhos brilham
umedecidos e atenciosos. No vestuário, Castaneda é tradicional a ponto de
passar desapercebido, cobrindo-se ou com paletós de negócios escuros ou com
calças Lee esportiva do tipo Trevino. Seu adorno são as palavras, que escorrem
dele num fluxo incessante, auto-irônico e fascinante. “Oh, eu sou um
mentiroso!”, ele gargalha, abrindo suas mãos calosas e curtas. “Oh, como eu
gosto de espalhar besteira por aí!”.
NÉVOA. Castaneda
diz que não fuma e não bebe destilados; não usa maconha; e mesmo café o
desagrada. Diz que não usa mais peiote, e sua a única experiência com drogas
foi aquela com Don Juan. Seu encontro com a cultura do ácido foi improdutivo.
Convidado em 1964 para uma festa em East Village em que estavam presentes
luminares como Timothy Leary, ele simplesmente achou o papo absurdo: “Havia
crianças entregues a revelações incoerentes. Um feiticeiro toma alucinógenos
por uma razão distinta da cabeça, e após chegar onde queria, ele para de
tomá-los”.
A apresentação de si mesmo de Castaneda como Sr. Certinho,
deve-se notar, não podia ser melhor planejada para contrariar aqueles que
buscam saber sua história pessoal. O que, de fato, está por trás de tudo? O
Castaneda “histórico”, antropólogo e aprendiz de xamã, começa quando ele
encontra Don Juan em 1960; os livros e sua carreira bem documentada na UCLA
contam na sua vida a partir essa data. Antes disso, a névoa.
Estando durante muitas horas com Castaneda em algumas
semanas, a correspondente da TIME, Sandra Burton, o achou atraente, solícito e
convincente “até um certo ponto”, mas bastante firme em avisar que ao falar de
sua vida pré-Don Juan, poderia trocar
nomes, lugares e datas sem, entretanto, alterar a verdade emocional sobre sua
vida. “Eu não menti nem inventei”, disse a ela. “Inventar seria voltar atrás e
não dizer nada ou dar as certezas que todos buscam”. À medida que a conversa
prosseguia, Castaneda mostrou várias versões de sua vida, que continuaram
mudando quando Burton mostrou a ele o fato de que muitas de suas informações
não batiam, emocionalmente ou de qualquer outra forma.
De acordo com ele, Castaneda não é seu nome original. Ele nasceu
anonimamente, disse, numa “bastante conhecida” família de São Paulo, no dia de
Natal, em 1935. Seu pai, que depois se tornou um professor de literatura, tinha
17 anos, e sua mãe 15. Como seus pais eram tão imaturos, o pequeno Carlos foi
encaixado para ser criado pelos avós maternos numa granja de galinhas no
interior do Brasil.
Quando Carlos tinha seis anos, a história continua, seus
pais tomaram a criança de volta, e o trataram com uma afetuosidade cheia de
culpa. “Foi um ano infernal”, ele diz sem rodeios, “porque eu estava vivendo
com duas crianças”. Mas um ano depois sua mãe morreu. O diagnóstico médico foi
de pneumonia, mas os Castanedas eram indolentes, uma condição de indolência
adormecida, que ele acredita ser a doença cultural do Ocidente. Ele fala de uma
lembrança emocionante: “Ela era amorosa, muito bonita e insatisfeita, um
ornamento. Meu desespero era que eu queria fazer alguma coisa por ela, mas como
ela podia me ouvir? Eu tinha apenas seis anos...”
Castaneda foi então deixado com seu pai, uma figura
imprecisa que ele cita nos livros com um misto de ternura e piedade disfarçando
o desprezo. A fraqueza de vontade de seu pai é o contrário da “impecabilidade”
de seu pai adotivo, Don Juan. Castaneda descreve os esforços do seu pai de
tornar-se um escritor como uma farsa de indecisão. Mas acrescenta: “Eu sou meu
pai. Antes de encontrar Don Juan, passaria anos apontando meus lápis, e então
pegaria uma dor de cabeça cada vez que sentasse para escrever. Don Juan me
ensinou que isso é estúpido. Se você quer fazer uma coisa, faça impecavelmente.
Isto é tudo que importa”.
Castaneda foi posto numa “muito apropriada” escola de Buenos
Aires, Nicolas Avellaneda. Ele conta que permaneceu lá até fazer 15 anos,
aprendendo o espanhol (ele também fala italiano e português) com o qual
posteriormente entrevistaria Don Juan. Mas ele tornou-se tão incontrolável que
um tio, o patriarca da família, o colocou numa família adotiva em Los
Angeles. Em 1951 mudou-se para os EUA e
se alistou no segundo grau de Hollywood. Formando-se cerca de dois anos depois,
tentou cursar escultura na Academia de Belas Artes de Milão, mas “Eu não tinha
a sensibilidade ou abertura de espírito para me tornar um grande artista”.
Deprimido, em crise, ele voltou para Los Angeles e começou um curso de
psicologia social na UCLA, se transferindo depois para o curso de antropologia.
Ele diz: “Eu realmente lancei minha vida através da janela. Disse a mim mesmo:
se algo deve funcionar, deve ser algo novo”. Em 1959 mudou seu nome
oficialmente para Castaneda.
BIOGRAFIA. Esta é
a autobiografia de Castaneda. Ela cria uma consistência elegante. O impetuoso
jovem mudando de seu pano de fundo acadêmico numa cultura européia exausta e
provinciana para a revitalização através de um xamã; o gesto de abandonar o
passado para desembaraçar-se de lembranças debilitantes. Infelizmente, nada
disso é verdade.
Entre 1955 e 1959 Castaneda estava cadastrado, com esse
nome, com uma especialização pré-psicologia no Colégio da Cidade de Los
Angeles. Seus estudos nas artes liberais incluem, em seus primeiros dois anos,
dois cursos em escrita criativa e um em jornalismo. Vernon King, seu professor
em psicologia criativa no CCLA, ainda tem uma cópia dos Ensinamentos com a dedicatória “Para um grande professor, Vernon
King, de um de seus estudantes, Carlos Castaneda”.
Mais do que isso, registros de imigração mostram que Carlos
Cesar Arana Castaneda realmente entrou nos EUA, em São Francisco, no ano que
diz que entrou, em 1951. Este Castaneda também tinha 1.65m e pesava 64 kilos e
veio da América Latina. Mas ele era peruano, nascido no Dia de Natal, em 1925,
na antiga cidade inca de Cajamarca, o que faz com que ele tenha 48 anos, e não
38, neste ano. Seu pai não era um acadêmico, mas um ourives e relojoeiro
chamado Cesar Arana Burungaray. Sua mãe, Susana Castaneda Navoa, morreu quando
Carlos tinha 24, e não seis anos. Seu filho passou três anos no ensino médio na
escola local e então se mudou para Lima em 1948, quando se formou no Colegio
Nacional de Nuestra Senora de Guadalupe. Então estudou escultura e pintura não
em Milão, mas na Escola de Belas Artes de Peru. Um de seus colegas ali, Jose
Bracamonte, se lembra do seu amigo Carlos como alguém esperto e cheio de
recursos, que vivia basicamente de jogos de azar (cartas, jóquei, dados) e
guardava com obsessão o desejo de mudar-se para os EUA. “Nós todos gostávamos
de Carlos”, lembra Brecamonte. “Ele era brilhante, imaginativo, animado, um
grande mentiroso e um verdadeiro amigo”.
IRMÃ. Castaneda
escrevia para casa esporadicamente, pelo menos até 1969, o ano em que Don Juan
veio à tona. Sua prima Lucy Chavez, que foi criada com ele “como uma irmã”,
ainda guarda suas cartas. Elas indicam que ele lutou no exército
norte-americano, e o deixou após sofrer um ferimento leve ou “choque nervoso”.
Lucy não tem certeza sobre isso. (O Departamento de Defesa, entretanto, não tem
nenhum registro do serviço de Carlos Arana Castaneda).
Quando a TIME confrontou Castaneda com estes detalhes como o
período e a transposição da morte de sua mãe, Castaneda ficou opaco. “Os sentimentos
de alguém sobre sua mãe”, declarou, “não dependem da biologia ou do tempo.
Parentesco como sistema não tem nada a ver com sentimentos”. A prima Lucy
lembra quando a mãe de Castaneda morreu, ele ficou estupefato. Recusou-se a
comparecer no funeral, trancando-se num quarto por três dias sem comer. E
quando saiu anunciou que estava saindo de casa. Apesar disso a explicação de
Castaneda sobre suas mentiras é ao mesmo tempo perfeita e totalmente esquiva:
“Me pedir para confirmar minha vida dando-me minhas estatísticas”, diz, “é como
usar ciência para validar feitiçaria. Rouba do mundo sua mágica e faz a todos
nós nos afastarmos do ponto”. Em resumo, a programação de Castaneda pretende um
absoluto controle sobre sua identidade.
Muito bem. Mas onde uma licença poética, a
“auto-representação artística” que o programa de Castaneda pretende, termina?
Enquanto os livros vendem-se aos montes, a resistência aumenta. Três paródias
de Castaneda apareceram nas revistas de Nova York, e depois papers indicando
que a crítica prepara-se para taxar Don Juan como uma espécie de Ossian
antropológico, aquele lendário poeta gaélico do terceiro século cujos trabalhos
James Macpherson fraudou no século XVIII para os leitores britânicos.
Os fãs de Castaneda não devem assustar-se, no entanto. Uma
estranha justificativa pode ser dada afirmando-se que os livros sobre Don Juan
estão num nível diferente de honestidade do que o passado pré-Don Juan de
Castaneda. Por exemplo, qual é o motivo de um erudito acadêmico trazê-lo à
tona? Os Ensinamentos foram
submetidos a uma editora universitária e surpreendentemente projetou-se para o
sucesso de vendas. Além disso, ganhar um grau acadêmico da UCLA não é algo tão
difícil para que um candidato empregue uma confabulação tão vasta apenas para
evitar a pesquisa. Uma pequena fraude, talvez, mas não um sistema inteiro à
maneira dos Ensinamentos, escrito por
um estudante desconhecido, a princípio, sem esperanças de sucesso comercial.
Porque esta era a situação de Castaneda no verão de 1960: um
jovem estudante peruano com ambições limitadas. Não há motivos para dúvidas de
seu testemunho de como seu trabalho começou. “Eu queria entrar na graduação e
fazer um bom trabalho para ser um acadêmico e sabia que se tivesse oportunidade
de publicar um paper pequeno precocemente, eu o faria”. Um de seus professores
na UCLA, Clement Meighan, o influenciou a se interessar por xamanismo.
Castaneda decidiu que o campo mais fácil seria etnobotânica, a classificação
das plantas psicotrópicas usadas pelos feiticeiros. Então apareceu Don Juan.
As visitas para o sudoeste e o deserto mexicano gradualmente
se tornaram a espinha dorsal da vida de Castaneda. Impressionado com seu
trabalho, o grupo da UCLA encorajou-o. O professor Meighan lembra: “Carlos era
o tipo de estudante que um professor espera”. O professor de sociologia Harold
Garfinkel, um dos pais da etnometodologia, deu a Castaneda estímulos constantes
e duras críticas. Depois da primeira experiência com peiote (agosto de 1961),
Castaneda apresentou a ele uma longa “análise” de suas visões. Garfinkel disse:
“Não explique para mim. Você não é ninguém. Apenas me fale diretamente e em
detalhes o jeito que aconteceu”. A riqueza de detalhes era tudo na parceria. O
perplexo estudante passou anos revisando sua tese, vivendo de trabalhos
estranhos como motorista de táxi e garoto de entregas, e mandou para ele
novamente. Garfinkel continuou sem se impressionar. “Ele não gostou do meu
esforço para explicar o comportamento de Don Juan psicologicamente. “Você quer
ser o queridinho em Esalen?”, perguntou. Castaneda reescreveu a tese pela
terceira vez.
Assim como as várias versões da vida de Castaneda, os livros
eram um convite para a consideração de visões contraditórias da verdade. No
centro de seus livros e do método de Don Juan estava, é claro, a hipótese de
que a realidade não é algo absoluto. Ela vem para cada um de nós culturalmente determinada,
altamente pré-concebida. “O mundo se torna coerente pela nossa descrição dele”,
argumenta Castaneda, repetindo Don Juan. “Desde o momento do nascimento, o
mundo está sendo descrito para nós. O que nós vemos é apenas uma descrição”.
MULTIUNIVERSO. Em
resumo, o que o homem toma como realidade, assim como suas noções das
possibilidades racionais do mundo, é determinado pelo consenso, por um contrato
social que varia de cultura para cultura. Através da história, a coisas tem
sido dura para qualquer pessoa que questionar sua larga reprodução,
especialmente se, como Castaneda, tenta persuadir os outros a aceitar sua
própria visão.
Antropologia, por sua natureza, lida com diferentes visões,
e, portanto, com realidades literalmente diferentes, em diferentes culturas.
Como nota Edmund Carpenter, colega de Castaneda no Colégio Adelphi, “Nativos
tem muitas realidades diferentes. Eles acreditam num multiuniverso, ou
biuniverso, mas não num universo como nós acreditamos”. Ainda que esse
relativismo erudito seja indigesto para muitas pessoas que gostam de
assegurar-se que existe apenas um mundo e que a “validade” de interpretação de
uma cultura deve ser medida apenas contra essa norma. Qualquer mito, eles
diriam, pode convenientemente ser visto como uma forma embrionária do que o
Ocidente chama de história linear, uma dança da chuva é apenas um meio
“ineficiente” de fazer o que um semeador de nuvens faz bem.
Os livros de Castaneda insistem em uma outra forma. Ele é
eloqüente e convincente em explicar como é inútil explicar ou julgar outra
cultura nos termos das categorias particulares de sua própria. “Suponhamos que
haja um antropólogo Navajo”, ele diz. “Seria muito interessante convidá-lo a
estudar-nos. Ele poderia perguntar questões extraordinárias, como ‘quantos no
seu grupo de parentesco foram enfeitiçados?’. Esta é uma questão tremendamente
importante nos termos dos Navajos. E é claro, você diria ‘Eu não sei’ e pensaria
‘que questão idiota’. Enquanto isso, o Navajo está pensando ‘Meu deus, que ser
rastejante! Rastejante e primitivo!’”
Inverta os papéis, argumenta Castaneda e você tem o típico
antropólogo ocidental no trabalho de campo. “É infernal a quantidade de
trabalho”, ele diz, referindo-se aos anos passados junto com Don Juan. “O que
Don Juan fez comigo foi simples assim: ele estava fazendo seu grupo de
feiticeiros disponível, preparando os passos necessários”. O Professor Michael
Harne da Nova Escola de Pesquisa Social, amigo de Castaneda e uma autoridade em
xamanismo, explica: “A maior parte dos antropólogos apenas fornece os
resultados. Ao invés de sintetizar as entrevistas, Castaneda nos leva através
do processo”.
Não são esses anos de estudos, mas sim a natureza da
revelação que ele oferece que deixou Castaneda em apuro com os racionalistas. Para
entrar no consenso sobre a realidade de outro homem, o seu próprio deve cair, e
como ninguém pode abandonar facilmente sua própria descrição habitual, ela deve
forçosamente ser quebrada. Os precedentes históricos, mesmo no Ocidente, são
abundantes. Mesmo desde o mistério das religiões de êxtase da Grécia, nossa
cultura tem sido continuamente desafiada pelo desejo de escapar de suas
próprias propriedades dominantes: o linear, o categórico, o fixo.
O que quer que Castaneda seja – uma figura central na
evolução da antropologia, como pensam alguns líderes acadêmicos ou apenas um
novelista brilhante com conhecimento único do deserto e da sabedoria indígena,
seus trabalhos devem ser considerados. E eles continuam. Neste momento, ele
está terminando o quarto e último volume da série de Don Juan, Contos de Poder (4), programado para
lançamento no próximo ano.
PONTO DO PODER.
Ele pode apresentar, mais claramente do que nos primeiros três livros, o
objetivo final dos dolorosos ensinamentos de Don Juan: um uso especial do
antigo desejo de conhecer, apaziguar e, se possível, usar as misteriosas forças
do universo. Neste propósito, a divisão do átomo, o pecado de Prometeu e a
busca de Castaneda pelo “ponto do poder” perto de Los Angeles, tudo pode ser
remotamente ligado. Um bom exemplo da mágica de Don Juan nos livros (fazendo
Carlos acreditar que seu carro havia sumido, naquele momento) soa como a
trapaça da corda do faquir que os gurus pensam ser estúpida. De todo modo,
também, os livros comunicam um sentido primordial de um poder percorrendo o
mundo, arrumando nossas percepções da realidade assim como fios de ferro sob um
grande campo magnético.
O poder de um feiticeiro, Castaneda insiste, é
“inimaginável”, mas a extensão que um aprendiz de feiticeiro pode esperar usar
é determinada, entre outras coisas, pelo seu grau de compromisso. O uso total
do poder só pode ser conseguido com a ajuda de um “aliado”, uma entidade
espiritual que anexa-se ao aprendiz como um guia “de uma maneira perigosa”. O
aliado desafia o aprendiz quando este aprende a “ver”, como Castaneda fez nos
primeiros livros. O aprendiz pode se esquivar desta batalha. Porque se ele
brigar com o aliado “como Jacó com o anjo” e perder, ele vai, nos termos
ligeiramente obscuros de Don Juan, ser “sugado”. Mas se ganhar, seu prêmio será
o “verdadeiro poder de entrar finalmente no mundo dos feiticeiros, quando todas
as interpretações cessam”.
Castaneda alega ter se esquivado até agora de sua batalha
final com um aliado. Ele admite enfrentar um conflito interno nesse assunto.
Diz que às vezes se sente fortemente puxado para longe do mundo dos feiticeiros
e de volta ao mundo ordinário. Ele tem um desejo real de ser reconhecido como
escritor e antropólogo, e usar seu recém-adquirido poder da fama em publicar um
livro atrás do outro para lançar luzes comunicáveis sobre outras realidades
para os leitores famintos.
ÁPICE. Mais do
que isso, como as maiores partes dos que experimentaram realidades diferentes e
voltaram, ele parece ter problemas em voltar. De acordo com os livros, Don Juan
o ensinou a abandonar os horários regulares “para trabalho e diversão” e mesmo
em seu apartamento em Los Angeles ele come e dorme quando dá na telha, ou foge
para o deserto. Mas seu trabalho de escritor é frequente e ocupa cerca de 18
horas por dia. Ele tem grande habilidade em evitar o público. Ninguém pode
saber onde encontrá-lo a uma determinada hora do dia, ou do ano. “Carlos irá
ligar para você de uma cabine telefônica”, diz Michael Korda, seu editor na Simon
& Schuster “e dizer que está em Los Angeles. E então o operador vai cortar
a ligação para cobrar mais, e ele se move e está em Yuma”. Seus poucos amigos
próximos não dão um basta à sua inconstância porque são assistentes, mas em
parte porque sua própria experiência é misteriosa e eles não sabem explicá-la.
Ele teve uma namorada, mas nem mesmo seus amigos sabem seu sobrenome. Ele evita
fotógrafos como a anunciadores de um desastre. “Eu vivo com este fluxo de
pessoas muito estranhas que estão esperando uma palavra de mim. Elas esperam
algo que eu não posso dar de forma alguma. Eu tive uma classe de alunos em
Irvine que era bastante cheia, e parecia que eles estavam apenas esperando que
eu explodisse”.
Em outros momentos ele parece decidido em se tornar um verdadeiro
feiticeiro ou ser derrotado. “O poder cuida de você”, diz, “e você não sabe
como. Agora eu estou na borda, e mudei todo minha forma. Escrever para ganhar o
PhD foi meu feito, minha feitiçaria e agora estou no ápice de um círculo que
inclui notoriedade. Mas esta é a última coisa que eu vou escrever sobre Don
Juan. Agora eu me tornarei um feiticeiro de verdade. Apenas minha morte pode
impedir isto”. É uma função romântica, esta gesticulação antropológica através
de uma troca de entidades que, em outro tempo, poderiam serem chamadas de
demônios. Será que Castaneda se tornará o Doutor Fausto de Malibu, atendido por
um Mefistófeles de sombreiro? Fique ligado no próximo episódio. Enquanto isto,
seus livros tornaram difícil para os leitores usar o termo primitivo com um ar
condescendente de novo.
Notas
(1) No Brasil A Erva do Diabo. (N do T)
(2) Talvez Uma Outra Realidade ou Uma Realidade Diferente
sejam soluções mais adequadas para o título. (N do T)
(3) Nos Estados Unidos, a publicação dos livros por vezes se
divide em paperback e hardback. (N do T)
(4) No Brasil, Porta Para o Infinito (N do T)
Nenhum comentário:
Postar um comentário