Por Luiz Carlos Miele
Uma das grandes clientes do Pujol era Beki Klabin. Grande
figura da sociedade carioca, Beki não respeitava os limites tradicionais de
seus pares, era independente e muito divertida. Sua grande paixão na vida foi
Charles Aznavour, o que não a impediu de namorar Waldick Soriano, mostrando
assim sua versatilidade.
Era vice-presidente do Diner’s Club do Brasil, presidido por
sua vez por seu ex-marido Horácio Klabin. Outra demonstração inequívoca de sua
personalidade, pois acho que ser vice de ex-marido é uma façanha respeitável.
Frequentava muito nosso clube, e uma noite pediu para me
chamar na porta, pois tinha um assunto importante a tratar. Surpreso por ela
não ter entrado, fui ao encontro. Um cinematográfico motorista fardado abriu a
porta do seu magnífico Bentley, e lá estava ela, ao lado de um aristocrático
cão afghan, único cachorro do mundo que tem sobrancelhas.
– Oi, Miele, desculpe eu não ter entrado, mas estou com o
cão.
Bem, o cachorro era mais bem-educado que a maioria dos
nossos clientes, de maneira que convidei os dois para entrar e tomar um
drinque. Ela me contou, então, a razão do drama que a afligia, e para o qual
ela pedia uma sugestão.
Seu filho, ia se casar com Wanda, mas noivo e noiva não
concordavam com um casamento religioso, atitude contestatória de muitos jovens
da época.
Isso representava um grande problema para Beki, pois a avó
de Paulo era extremamente religiosa e iria sofrer muito se o casamento não
seguisse uma cerimônia tradicional, com padre, altar etc. Já estava devidamente
doutrinada para aceitar qualquer padre, desde que a cerimônia fosse
tradicional.
Eu não podia perder nem a amiga, nem a cliente, e
principalmente a vice-presidente do Diner’s que nos salvava toda semana,
efetuando o pagamento dos cartões a cada segunda-feira, quando o prazo normal é
de um mês.
Respondi que a solução era muito fácil. Era só dizer para a
avó que o casamento ia ser oficiado por um rabino grego.
Acho que a época era desses desvarios. A Beki achou a idéia
ótima, os noivos concordaram imediatamente. E feitos os proclamas, a efeméride
realizou-se no luxuoso apartamento da família.
A produção contou com a colaboração do contrarregra que
trabalhava comigo na TV e foi providenciado um altar, aquele genuflexório, um
livro de orações etc.
A Wandinha de vestido de noiva (de minissaia, mas noiva),
Paulinho de fraque e, é claro, eu de rabino e grego, de paletó preto, colete e
gravata de crochê.
A avó, matriarca da família, sentada naquela cadeira de
espaldar alto, com a bengala de castão.
Oficiei o matrimônio com a maior dignidade, diga-se de
passagem. Como texto, uma fala com um estranho sotaque que ninguém poderia entender,
muito menos a matriarca:
– Trobraniakis varonsky chatronivev. Vortazim nik faskanu yamusquen
Paulo et Wanda patrany.
Os noivos colocaram as alianças, eu pedi taças de champanhe
para mim e para alguns parentes coniventes com aquela farsa, tomei a champanhe
(já estava fazendo falta àquela altura) e, lembrando de outras cerimônias,
isolei a taça na parede, com a saudação “Trovansky matrimonian!”
Imediatamente, todos os presentes acompanharam o meu gesto e
todas as taças foram estilhaçadas na parede, para tristeza da Beki:
– Ai, meu Deus, as minhas taças de cristal da Romênia.
De qualquer maneira, fiquei com uma ponta de arrependimento
quando a avó, comovida, beijou minha mão em religiosa reverência.
Apenas um passageiro constrangimento, que passou logo que o
som do conjunto de Luiz Carlos Vinhas, que eu também havia providenciado,
agitasse o ambiente: “avisou, avisou, avisou, que vai rolar na festa”. E a
festa rolou.
As taças que sobraram ficaram mais algumas vezes cheias e
vazias. Liberado das minhas atividades litúrgicas, passei às atividades do
samba, que exerço com razoável competência. Impressionada com o desembaraço
coreográfico do “rabino”, a avó desconfiou.
Para manter a seriedade da cerimônia anterior, fomos ambos
afastados da sala. Põe a vovó na varanda e o Miele no táxi, que fica tudo
certo.
No dia seguinte, o Horácio Klabin me ligou, para saber se
aquela “performance” da noite anterior tinha custado alguma coisa, se eu tinha
algum cachê a receber. Não tinha.
De qualquer maneira, ele resolveu retribuir e marcou uma
mesa de dezoito pessoas no Pujol. Eram os casais amigos, que tinham vindo de
São Paulo para o casamento. Era uma mesa que garantia o equivalente a uma
semana de faturamento. Champanhe, caviar etc. No fim, uma despesa maravilhosa.
Não me lembro dos valores da época, mas, só para ilustrar, vamos imaginar uma
cifra de dez mil reais.
O Horácio pediu a conta, eu elegantemente respondi que
mandaria cobrar no escritório, ele retrucou que nada disso e fez um cheque de
11 mil reais, incluindo mais 10% além do serviço obrigatório, o que levou
maîtres e garçons a votarem nele para personalidade da semana. Todos os
garçons, menos um. Completamente idiota, ele ignorou a generosidade e puxando a
manga do paletó do Dr. Horácio, exclamou:
– Doutor, o senhor vai me desculpar, mas o cigarro aqui é
por fora. Tem dois Hollywood na mesa.
É claro que eu comecei imediatamente a me desculpar, ficou
tudo meio confuso, os convidados todos já estavam na escada que levava para o
andar térreo, o Horácio respondeu que não havia problema, eu disse que o garçom
era um substituto, o maître começou a chamar pelo nome merecido a mãe do garçom,
mas o próprio retribuiu. Segundos fora, e o maître acerta um dos melhores
cruzados de esquerda que eu já havia visto. Só que na direção errada, pois o
garçom desabou pela escada, levando com ele aquela confusão de blazers,
penteados e casacos de pele. Como num lance de boliche: strike.
E no alto da escada, eu, ex-rabino e provavelmente
ex-cliente do Diner’s, exclamando sem graça:
– Obrigado pela preferência, apareçam sempre.
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