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segunda-feira, julho 11, 2011

Aula 15 do Curso Intensivo de Rock: John Lee Hooker


Em junho de 2001, morreu John Lee Hooker, o bluesman que forneceu a centelha para dezenas de guitar heroes do rock – entre eles, confessadamente, Keith Richards, Stevie Ray Vaughan, John Mayall, George Thorogood, Eric Burdon e Eric Clapton – e que era considerado o rei do boogie.

O guitarrista Carlos Santana, reverente, dizia que ele fora “uma força superior dentro da música americana”.

Morreu dormindo, o velho Hooker, mas não estava parado – como de resto, nunca esteve.

No dia 30 daquele mesmo mês, era aguardado em Montain Winery, em Saratoga, na Califórnia, para recomeçar a turnê que passaria depois por San Diego e Seattle.

John Lee Hooker tentou explicar o blues numa antiga canção, “Teachin’ the Blues”: “Acordes elegantes não significam nada / Se você não tem a batida. / Jogue os acordes elegantes fora”.

A batida costumava ser um sapato velho, som que marcava o ritmo para a voz, que já era grave há 50 anos, e o violão tocado como se fosse uma guitarra elétrica.

A batida, na verdade, era o coração incansável do cantor.

Aos 83 anos, John Lee Hooker ainda não havia aprendido acordes elegantes. Mas seu coração era grande. Batia forte e compassado.

Nascido em 22 de agosto de 1917 em Clarksdale, Mississippi, Hooker estava perto de fazer 84 anos, dos quais pelo menos 70 foram dedicados ao blues.


Era considerado a verdadeira ponte entre a tradição do blues acústico do Delta do Mississippi e o R&B elétrico de Chicago.

Embora tenha sido desde moleque uma figura fundamental da cena musical de Detroit, onde se estabeleceu em 1943, Hooker só gravou seu primeiro single, “Boogie Chillen”, em 1948.

Surpreendentemente, aquela canção crua se tornou um hit, alcançando o topo das paradas de rhythm’n’blues.

Ele não parou mais e começou a escrever parte da história do blues com singles como “Hobo Blues”, “Hoogie Boogie” e “Crawling Kingsnake”.

Em 1951, com “I’m In The Mood”, Hooker selou a lenda.

Nos anos 50, ele gravou sob uma grande variedade de codinomes, como Texas Slim, Delta John, Birmingham Sam e Johnny Williams.

Entre os anos 50 e os 60 gravou mais de uma centena de canções, incluindo sucessos como “Time Is Marching”, “I Love You Honey”, “Baby Lee” e “No Shoes And Boom Boom”.

O inventor do boogie “de-uma-nota-só” foi para o blues de Detroit o que Muddy Waters e Howlin’ Wolf representaram para o de Chicago.

Como eles, vindo do Mississippi, Hooker partiu das raízes rurais para iniciar-se no processo de eletrificação do estilo que originaria o rock’n’roll.

A essência da coisa toda já estava na interação guitarra/footstomp e na expressividade da voz de Hooker, sempre temperada com as tiradas sacanas das letras e os impagáveis “hey, heys” e “yac, yacs”.

Não é à toa que suas canções foram revisitadas por tantos: dos Stones e dos Animals até Nick Cave e Cowboy Junkies.

A aproximação de Hooker com o rock veio desde 59, quando se apresentou pela primeira vez no festival folk de Newport.

Foi seu passaporte para ser reverenciado por toda uma geração de músicos americanos e ingleses.

Durante os anos 60, ele expandiu sua influência pela Europa, com várias excursões e ocasionais gravações.

Mas o ápice desta associação viria em 70, no seu antológico registro com o quinteto californiano Canned Heat.


Encabeçado pelo gaitista/vocalista Bob “Bear” Hite e pelo multiinstrumentista Alan “Blind Owl” Wilson, o grupo era um “estranho no ninho” na cena psicodélica de Los Angeles.

A começar pelas figuras de seus frontmen, chamados de “Urso” (pela obesidade) e “Coruja Cega” (pelos óculos fundo-de-garrafa que usava).

Mas era o som que os diferenciavam das bandas psicodélicas: um blues rock básico, de uma eficiência à toda prova, muito mais para Bourbon do que para ácido lisérgico.

Sob estas condições, projetaram-se com louvor nos festivais de Monterey (67) e Woodstock (69).

Com uma posição consolidada em 70, o grupo foi encontrar Hooker vivendo na Califórnia, na época sem excursionar.

Foi daí que surgiu a idéia de gravarem juntos.

O espírito no qual rolaram estas sessões foi perfeitamente expresso no texto da capa interna de “Hooker N’ Heat”, o álbum duplo lançado no ano seguinte.

“Uma vez no estúdio, experimentamos cerca de oito amplificadores antigos, até encontrarmos o som real de Hooker – um som que não se ouvia em seus discos havia muito, muito tempo... Um microfone no amplificador, outro para a voz e um para captar as batidas de seu pé – ele nunca pára de batê-los! Não muito longe, uma garrafa de Chivas Regal e um copo d’água para torná-lo mais suave”.


A partir desse esquema, Hooker gravou sozinho o primeiro disco do álbum: uma sucessão de clássicos como “Messin’ With The Hook”, “The Feelin’ Is Gone”, “You Talk To Much” e “Bottle Up And Go”, envoltos em interpretações emocionadas.

Como bons discípulos, os membros do Canned Heat foram aparecendo aos poucos só no outro disco: das discretas intervenções do piano e da guitarra de Alan Wilson em “The World Today” e “I Got My Eyes On You”, respectivamente, até sua gaita comandando o resto do grupo para acompanhar o mestre na catarse de “Boogie Chillen N.º 2”.

O álbum também foi o epitáfio musical de Wilson, que morreu de overdose pouco depois de gravá-lo.

Em 81 surgiu um disco homônimo, documentando novo encontro (ao vivo) de Hooker e o Canned Heat, já nas mãos de Bob Hite.

Um belo registro, claro que sem a genialidade do anterior, mas igualmente fatídico: Bob Hite sofreria um ataque cardíaco mortal no mesmo ano.

De qualquer forma, o momento mais inspirado de Hooker – os anos 50 – pode ser revisitado em qualquer loja.

A gravadora Trama colocou no mercado o CD “King Of The Boogie”, disco fundamental do guitarrista e cantor daquela época, dentro de um pacote intitulado “Drive Archive Collection”.


A era hippie já veio encontrar Hooker como uma referência musical.

A primeira turnê de Bob Dylan, em abril de 1961, foi abrindo shows de Hooker no Greenwich Village.

Mas também o jazz reconheceu sua fundamental importância para o desenvolvimento da música americana.

Um dos golden boys do jazz, Branford Marsalis, gravou em 1997 o CD “I Heard You Twice The First Time”, no qual convidara Hooker para tocar e cantar em “Mabel”, uma faixa de sublime inspiração.

Também naquele mesmo ano, ao lançar seu disco “Don’t Look Back” (que tem produção de Van Morrison), Hooker falou ao jornal Estadão por telefone, de São Francisco, onde vivia.

“O passado sedimenta o caminho, mas é preciso olhar sempre pra frente”, disse o guitarrista, que também revelou que não foi influenciado inicialmente por Blind Lemmon Jefferson, como sua biografia oficial fazia crer.

“Minha primeira e maior influência foi meu padrasto, que amava o blues e me guiou nos primeiros passos”, ele contou.

Disse que ficou rico tocando o blues, mas que aquilo não mudou seu jeito de ver as coisas. E atacou: “Detesto rap, não é música, é ruído.”

Para John Lee Hooker, seu melhor disco seria sempre o próximo, o que ainda não fizera.

“Como eu disse, nunca olho para trás”, afirmou. “Aprendo com o passado e respeito o passado, mas vou para diante, estou de olho no futuro.”

Segundo Hooker, o blues mantinha-se em evidência – ao contrário do jazz, que perdeu muito espaço nos anos 90 – por ser uma música de linguagem universal e de fácil compreensão. “E é tocada com alma, o que a faz especial”, ponderou.

Com “The Healer”, de 1989, Hooker tornou-se o maior vendedor de discos de blues da história. É o álbum do gênero mais procurado de todos os tempos.

Em 1998, ele ganhou dois prêmios Grammy.

Movimentava sua carreira e não se deixava apanhar na armadilha da acomodação.

álbum “John Lee Hooker – The Best Of Friends” (Virgin Records) traz uma impressionante miríade de fãs famosos do músico: Ben Harper, Ry Cooder, Charlie Brown, Ike Turner, Los Lobos, Van Morrison, Eric Clapton, Robert Cray, Charlie Musselwhite, entre outros.

No ano 2000 foi lançado o disco “Stoned Immaculate”, no qual se promove um dueto inesperado (e virtual, já que nunca aconteceu) entre John Lee Hooker e Jim Morrison.

A faixa era “Roadhouse Blues” e é a melhor coisa do álbum (além de uma declamação de William Burroughs).

Nesse momento, quem sabe, Morrison e Hooker não estejam fazendo de fato uma jam session no paraíso.

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