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sábado, julho 09, 2011

Aula 21 do Curso Intensivo de Rock: Little Richards


Correndo na raia por fora, mas atropelando Elvis e Berry nos dez metros finais da linha de chegada, surgiu um cidadão chamado Richard Wayne Penniman.

Para Richard, todo mundo é bom, todo mundo é grande, todo mundo é fantástico.

Fosse brasileiro, talvez ele dissesse “é uma gracinha” para meio mundo e se transformaria numa versão drag e black da Hebe Camargo.

O sujeito hoje se veste de modo conservador, vende bíblias, freqüenta sociedades religiosas e não lembra o maluco Little Richards que criou o grito de guerra “A-Wop-Bob-A-Loo-Bop-A-Lop-Bam-Boom!... Tutty Frutti, Awroty!”.

O que exatamente quer dizer esta espécie de esperanto da selva, o mais célebre grito de guerra do rock’n’roll?

Exegetas atenciosos concordariam que tem algo a ver com o Poder Feminino, pelos parcos versos em inglês e suas referências a mulheres que jogam os quadris para o leste e oeste, garotas como “Sue... ela sabe exatamente o que fazer” e “Daisy... ela sempre me leva à loucura”.

Versos cuspidos como que por uma metralhadora encharcada de adrenalina, pelo homem que – ao trocar o rock’n’roll pelo gospel – declarou: “Eu era um homossexual descarado até Deus me transformar”.

O compacto contendo “Tutti Frutti” surgiu do nada, em 1955, para vender mais de um milhão de cópias.

Como a garotada poderia permanecer imune?


O próprio Elvis Presley parecia uma freira perto de Little Richard, com seu ritmo atropelador, cabelo armado num pompadour, rosto maquiado e dois faróis de pura ameaça no lugar dos olhos.

Os limites estavam traçados: até hoje não apareceu nada tão selvagem ou brutal no picadeiro pop.

O fato de o próprio Prince lembrar tanto a ambigüidade-com-bigodinho de Richard fala por si só.

Assim como o gosto de seu conterrâneo James Brown – ambos, assim como Otis Redding, nasceram em Macon, Geórgia –, capturando os Upsetters, banda de apoio de Richard, quando este trocou os palcos profanos do rock’n’roll pelos púlpitos do circuito evangélico.

Entre 55 e 58 (data de sua primeira conversão à igreja), a fórmula mágica do primeiro single rendeu uma saraivada de clássicos.

O hit “Long Tall Sally” – apesar de posteriormente gravada por Elvis e pelos Beatles – consagrou-se como vítima de uma das maiores injustiças/ironias da civilização: no mesmo ano, a gravação mais vendida mundialmente foi a de Pat “Ser Bom Rapaz Foi O Meu Mal” Boone.

Na seqüência, Richards colocou nas paradas “Slippin’ And Slidin’”, “Ready Teddy”, “Jenny Jenny”, “Good Golly Miss Molly” e “Lucille”.

Depois de alguns anos dedicados inteiramente à religião, de repente lá estava ele, no palco do Okeh Club de Hollywood, em 1963, martelando o seu piano boogie e resgatando clássicos que encabeçam quaisquer listas das músicas que mais agitaram os anos 50-60, e que ajudaram a torná-lo, na opinião de muita gente (inclusive dele próprio), o verdadeiro “Rei do Rock’n’Roll”.

No palco rasgava as roupas, pulava em cima do piano e já era andrógino antes que a classe média soubesse o significado da palavra.

Foi um dos primeiros negros a cantar em night clubs brancos, e era mais fácil arranjar contrato, dizia, se o gerente pensasse que ele era homossexual.

O background de Little Richards era gospel, e não blues.

Ele foi precursor da soul music contemporânea.

Terceiro dos 12 filhos de um pedreiro, cresceu em Macon, Geórgia.

O pai morria de vergonha das afetações do filho.

A mãe, esperando curá-lo do que achava ser defeito de infância, levou-o para a igreja batista, onde descobriram que ele tinha talento para cantar.

Sonhando ser cantor de hinos evangélicos, trabalhou como lavador de pratos e faxineiro numa estação de ônibus enquanto se apresentava em lugares vagabundos.

Mudou de show e de nome até virar Little Richard.

Com “Tutti Frutti” virou celebridade nacional.

Até hoje diz que nunca esteve interessado em ganhar dinheiro, mas apenas em ser famoso e ter um Cadillac. Conseguiu.


Nos anos 50 excursionou freqüentemente pelo mundo inteiro.

Sua primeira conversão religiosa, como já dissemos, foi em 1957, mas, em 1963, voltou ao que chamava de “coisas do diabo”.

Se reconverteu de novo em 68, no auge do movimento hippie, mas voltou a cair na gandaia em 71.

Várias idas e voltas depois, Little Richard mora com a mãe numa casa modesta em Riverside, Califórnia.

Hoje, o músico já tem clara sua atitude a esse respeito.

“O rock’n’roll é meu trabalho e Deus é meu salvador”, afirmou. “Não acho que o rock’n’roll possa conter uma mensagem, é apenas meu trabalho”.

Parceiro, amigo e até patrão de gente como Gene Vincent, Otis Reading, James Brown e Jimi Hendrix, ele diz que guarda boas lembranças de todo mundo, até mesmo de Hendrix, que demitiu de sua banda.

“Jimi foi um grande cara e um bom amigo”, lembra.

“Não fiquei rico com o rock”, avisa. “Vivo bem, vivo confortavelmente, mas não estou rico”.

Ele diz que só pretende parar de cantar quando não existir mais um lugar onde o queiram cantando.

Richard só se recusa a falar de um tema: sua presumível homossexualidade, algo que já foi mais do que assumido.

“Não falo sobre isso, amo muitas pessoas e sou muito amado, é o que me importa”.

Elton John e George Michael falam a mesma coisa.

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