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sábado, julho 09, 2011
Aula 22 do Curso Intensivo de Rock: Jerry Lee Lewis e Bo Diddley
Agora, cronometre no relógio esse tempo: um minuto e 51 segundos.
Pois este foi o tempo que Jerry Lee Lewis demorou para contar certo por teclas tortas toda a história do rock’n’roll em “Great Balls Of Fire”, o menor manifesto definitivo da música pop.
Martelando seu piano, ele tornou-se o “Killer” (“assassino”) que matava seis milhões de fãs com bolachas de menos de dois minutos.
Porém, não há um único álbum que contenha todas as obras-primas desse filho de Ferriday, na Lousiana, e aqui as coletâneas são violências necessárias para se conhecer toda a extensão de suas loucuras.
O álbum “The Essential One & Only Jerry Lee Lewis” é uma das várias compilações com o melhor do estuprador de pianos, abrangendo material de 56 a 62.
Óbvio: como ele sempre foi incomparável, qualquer uma delas teria suas ausências, aqui plenamente compensadas pelas vinte pérolas de Jerry Lee.
Melodias que duravam menos que um beijo e traziam o dinheiro que caía pelas suas calças justas, nos primeiros acordes da indústria do rock.
Que ganhou muita grana com ele, mas só retribuiu com alguns discos de ouro.
Mas o verdadeiro toque dourado estava na revolução de “Great Balls Of Fire”.
Otis Blackwell e Jack Hammer escreveram a canção para a fúria profana de Jerry Lee.
As lambadas demoníacas que extraía do piano levaram o seu primo – o pastor televisivo Jimmy Swaggart – a perguntar “como deve estar a alma de Lewis, agora que ele se entregou de vez à música do Satã?”.
Ele respondia à sua maneira: acelerando o Cadillac branco pelas ruas de Memphis e assobiando “Breathless”.
Seu primeiro compacto, “Crazy Arms”, foi gravado em 56 no mágico estúdio de Sam Philips, naquela cidade.
Na mesma gravadora Sun, onde pouco antes garotos como Elvis Presley, Johnny Cash, Roy Orbinson e Carl Perkins revelavam o rock’n’roll.
Os “braços loucos” de Lewis era um R&B com sotaque country.
A canção não chegou a parada alguma, nem mesmo às especializadas em country, por ser considerada “muito vulgar” pelo gosto médio americano.
Só que com “Whole Lotta Shakin’ Goin’ On”, seu segundo single, a história foi diferente: com um minuto a mais do que as “grandes bolas de fogo”, a canção vendeu seis milhões de cópias nos EUA, em 57.
Primeiro lugar na parada de country & western, terceiro na de pop, o disco ficou trinta semanas nas listas dos mais vendidos.
O terceiro compacto, “Great Balls Of Fire”, repetiu a dose, bem como “Breathless”, “High School Confidential” e outros incontáveis hits ao longo de sua carreira, celebrizada pelo diretor americano Jim McBride no filme “Great Balls Of Fire” (89), com Dennis Quaid no papel de Lewis e o próprio regravando alguns de seus sucessos na trilha sonora.
Jerry Lee escancarou as portas do mercado fonográfico ao subvertê-lo.
Queriam mais um guitarrista: ele era um pianista de dedos cheios, alegre e sensual como o próprio rock’n’roll.
Ao tocar seu instrumento, o “Killer” sugeria algo que fosse feito com a amante.
Nos momentos mais alucinados, poderia fazer Elvis parecer um escoteiro ajudando uma mãe americana a atravessar a rua.
Afinal de contas, naquela época, ninguém cantava e tocava como ele pecava (basta dizer que se casou com uma prima de treze anos com quem vive até hoje, mas isso é um outro papo).
Para muitos estudiosos do assunto, entretanto, o verdadeiro rockabilly (mas podem me chamar de rock’n’roll) não começou com Elvis Presley, Bill Halley, Chuck Berry, Little Richard ou Jerry Lee Lewis, e sim com um single lançado em 1955.
De um lado, “Bo Diddley”, e do outro “I’m A Man”, escrito por um guitarrista de blues do Mississipi que ficou para sempre conhecido como Bo Diddley.
Ele reivindica a invenção da batida (“hambone”, “jungle shuffle” ou “Diddley beat”) que pulsa no gênero, adaptada, segundo ele, de tambores africanos.
Além de ter introduzido ritmos africanos e solos de guitarras com jeito de blues na música popular americana, Bo Diddley criou aquele solucinho sensual entrecortando a canção que, em seguida, Buddy Holly e Elvis Presley copiaram.
Foi apenas o começo do assalto ao talento e à originalidade de Bo.
Quando começou a gravar, Diddley misturava a guitarra endemoniada com maracas, gaitas e piano boogie em recados curtos e grossos como “Little Girl”, “Road Runner” e “Diddley Daddy” ou partia para longas jams incendiárias (“Do The Robot”) abrindo os caminhos para o funk.
Os brancos, que tinham acesso aos meios de comunicação, roubaram tantos dos negros que, no meio dos anos 60, quando o rock chegou ao auge da fama e fazia milionários da noite pro dia, Bo Diddley sumiu.
Na época ele dizia, com uma certa dose de ironia amarga, que os brancos haviam ficado com o rock e os negros com o R&B (que ele traduzia, muito puto, para “ripoff & bullshit”, algo como “fodido e mal pago”).
Basta dizer que “Bo Diddley Is A Gunslinger”, “Hey Bo Diddley”, “Story Of Bo Diddley”, “Bo Diddley’s Dog”, “Bo Jam”, “Bo Guitar” e “Diddley Daddy” não são títulos de autobiografias, mas canções criadas por ele.
O cara era tão bom que foi louvado por Deus e Jesus & Mary Chain, que para ele gravaram “Bo Diddley Is Jesus”. Amém.
Ella Mc Daniel inventou um músico maior que a pretensão.
Ella é ele, Bo Diddley, que aos 16 anos boxeava e ouvia dos fãs: “Go, Bo Diddley”.
Ele não sabia o que isto significava, mas gostou do apelido, que virou nome e título do primeiro compacto.
Bo era personagem de si mesmo. Criatura maior que o criador.
Nascido em 28 de dezembro de 1928, Ella Bates tomou da tia Gussie McDaniel o sobrenome.
Com ela saiu do cafundó de McComb, no Mississippi.
A mãe, pobre, o deixou na mão da tia, que o levou a Chicago e ao estudo do violino clássico, por 14 anos.
Aos 12 anos ouviu o primeiro disco de blues, num lar envolto na religiosidade gospel.
O bluesman John Lee Hooker o enfeitiçou pelo resto da vida.
Um ano depois, a irmã Lucille o presenteou com o primeiro instrumento, um violão.
As luvas de boxe vieram a seguir.
Aos 15 anos, Ella era semiprofissional e ganhava, dando porradas, os trocados que precisava para viver.
Ganhou nas batidas o apelido de toda a vida.
Da brincadeira da primeira banda, The Hipsters, ficou o estilingado nas cordas da guitarra.
De sons perdidos na memória vieram os tambores da África de sua música.
Da amizade de Jerome Green ressoaram as maracas de Cuba na percussão.
Das canções de “pergunta-e-resposta” dos shouting blues que ouvia, ecoaram as harmonias vocais, que influenciariam o rap.
Da guitarra tocada com aulas de violino estalaram os acordes que Bo não soube explicar, do mesmo jeito que não sabe por que é Bo.
Na segunda metade dos anos 50, o músico foi responsável pela transição entre o blues e o rock, um novo estilo que surgia inspirado na música negra.
Foi ele quem influenciou Buddy Holly a criar “Not Fade Away”, que em 1964 se tornaria o primeiro single dos Rolling Stones a entrar na parada norte-americana.
Entre outras de suas inúmeras composições está “Who Do You Love?”, que anos mais tarde foi se tornou um sucesso na voz de Jim Morrison, do The Doors.
As história da música conta que Diddley foi o primeiro artista a ser creditado sob o termo de “rock 'n roll”.
Foi no começo dos anos cinqüenta por um DJ de Cleveland, que antes de tocar uma de suas composições disse no ar: “Here is a man with an original sound, who is going to rock and roll you right out of your seat”, em português, algo como “aqui está um cara com um som original, que vai chacoalhá-lo para fora de suas cadeiras”.
Bandas como Rolling Stones, Buddy Holly, Animals, Yardbirds, Shadows, Cream, The Doors, The Who, ou seja, o “who’s who” do rock e blues bebeu das canções e se envenenou no beat da “square guitar”, a guitarra retangular que Bo bolou e construiu em 1958.
Um instrumento engraçado como o criador.
Apesar de ter feito a cabeça de muita gente boa, Bo Diddley ficou pobre e esquecido por mais de 20 anos.
Foi redescoberto pela mídia em 1987, e, três anos depois, sua gravadora colocou no mercado “The Chess Box”, uma caixa de dois CDS com 45 canções, quatro raridades e nove faixas inéditas, junto com um livreto de 24 páginas.
“Chess Box” abre com o groove inconfundível de “Bo Diddley”, seu maior sucesso, que chegou ao Top 10 de rhythm & blues em 1955.
Punhados de artistas dariam a alma e os bolsos pelo lado B do compacto de estréia, o escorregadio blues “I’m A Man”.
“Pretty Thing” deu nome a uma banda inglesa dos anos 60.
“Who Do You Love?”, ele pergunta, e tem como resposta o suspiro das muitas senhoras Diddley (mais de oito).
“Before You Accuse Me” é outra paulada bluesy.
O primeiro CD, que compreende canções de 55 a 59, tem três inéditas, que são versões alternadas para jóias lascadas como “Bring It To Jerome”.
O segundo disco começa ainda em 59 e chega até 68, com o tema “Bo Diddley 69”.
Não, apesar do título, não é sacanagem.
A canção já era influenciada pelo soul da Motown e com batidas da Stax.
Duas das tantas gravadoras que vivem dos ecos de Diddley, mas que haviam esquecido que ele continuava vivo e que precisava trabalhar para sobreviver.
Depois que voltou a ficar na moda, Bo Diddley passou a se apresentar nos concertos de blueseiros da velha guarda e não saiu mais da estrada, saboreando um sucesso meio tardio.
Nos anos seguintes, ele chegou a fazer cerca de duas centenas de apresentações por ano e esteve duas vezes no Brasil, participando do Free Jazz Festival.
Bo Diddley morreu de parada cardíaca em junho de 2008, em sua casa, na Flórida.
Há mais de trinta anos não compunha novas canções, embora mantivesse sua rotina de turnês regulares até 2006, ano em que sua saúde se complicou.
Estava no Rock 'n Roll Hall of Fame desde 1986.
Em 1998 ganhou um Grammy por toda sua obra, e em 2004, foi escolhido o vigésimo músico mais importante da história pela Rolling Stone norte-americana.
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Um comentário:
Amigo, curti seu texto, mas na parte sobre o Killer existem algumas informações equivocadas. Jerry Lee viveu com Myra, sua prima, por apenas 10 anos, sendo que você afirmou que eles estão juntos atualmente.
Em segundo, sobre o início do rockabilly existe uma confusão frequente sobre o estilo dos artistas e aqui não foi diferente. De fato ele não começou com Chuck Berry, Little Richard ou Jerry Lee Lewis, pois os mesmos tocavam rock'n'roll. Costuma-se pensar que tudo dos 50's é rockabilly, porém, o estilo se destaca por ter particularidades definidas, como baixo acústico tocado em estilo slap e vocal com aquele soluçar que o Elvis popularizou em início de carreira.
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