Espaço destinado a fazer uma breve retrospectiva sobre a geração mimeográfo e seus poetas mais representativos, além de toques bem-humorados sobre música, quadrinhos, cinema, literatura, poesia e bobagens generalizadas
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sexta-feira, julho 08, 2011
Aula 23 do Curso Intensivo de Rock: Beatles (Parte 1)
Enquanto nos Estados Unidos, em 1955, começava o fenômeno chamado rock’n’roll, o ritmo que tomava conta da cena inglesa naquele momento se chamava “skiffle” e provocara um entusiasmo maluco pelo velho jazz Dixieland e pelas baladas do Sul dos Estados Unidos.
Todo mundo estava aprendendo a tocar aquele tipo de música, numa espécie de redescoberta jazzística fora de tempo.
O skiffle era bem mais simples que seu modelo americano e qualquer um podia dominar seus rudimentos musicais.
Os pequenos conjuntos com guitarra, banjo, kazoo e “wash-board” (uma espécie de “táboa de lavar roupa” de aço, que se repercutia com os dedos envolvidos por dedais metálicos) começaram a brotar como cogumelos depois da chuva.
Havia centenas deles em cada cidade e praticamente todos os rapazes da época tocavam em alguma banda de skiffle.
Mas foi quando a música “Heartbreak Hotel”, de Elvis Presley, estourou na Inglaterra que a porca torceu o rabo.
O seu estilo, o seu penteado, o seu famoso rebolado, os seus gestos provocantes e o seu ar de rebeldia foram imediatamente incorporados pelos jovens da classe média urbana.
Elvis significava uma maneira de romper com o establishment, destacar-se como indivíduo e mandar à merda os valores tradicionais da sociedade.
Começava aí aquilo que os teóricos mais descolados iriam chamar de conflito de gerações.
O curioso é que conforme o rock’n’roll americano se espalhava pelo país, os adolescentes ingleses adotavam penteados com os cabelos puxados para trás, longos e espessos, formando verdadeiras touceiras no cocoruto, de tal modo cheio de creme ou brilhantina que eram conhecidos como “greasies”.
Foi então que uma nova tribo urbana começou a surgir.
Centenas de garotões penteados à Elvis Presley, com enormes suíças, vestidos com casacos justos com golas de pele, camisas brancas com um laço em forma de gravata, calças justíssimas (negras, de preferência) e sapatos bicudos.
Os “teddy boys” tornaram-se as ovelhas negras da tradicional família britânica e sinalizavam uma revolta que não hesitava em usar da violência quando tinha necessidade de se afirmar ou impor respeito.
O ted boy típico era uma espécie de rebelde sem causa orgulhoso de si mesmo, que via na música o único meio de se comunicar com o mundo exterior.
Para desespero dos caretas, eles desenvolveram uma nova linguagem, cheia de gírias, perceptível somente para quem era iniciado no babado.
Quando se encontravam, os teddy boys não trocavam frases: trocavam ritmos, discutiam música, inventavam danças, bolavam gírias e aumentavam a distância entre a sua geração e a de seus pais, que compreendiam cada vez menos estes novos códigos, sentido-se mais ou menos excluídos por uma vasta conspiração juvenil e reagindo como podiam por meio de pequenas repressões locais que reforçavam a fé dos novos convertidos.
As razões destes conflitos eram invariavelmente as mesmas desde que o mundo é mundo: o toca-disco muito alto repetindo sempre as mesmas músicas, impedindo o moleque de se concentrar nos estudos e o resto da família de assistir televisão sossegada.
Os cabelos, que estavam muito compridos, ou então muito sujos de brilhantina, ou ainda penteados incorretamente.
As roupas, que eram muito indecentes ou que chamavam muito a atenção ou que eram pouco masculinas e por aí afora.
Foi nesse ambiente de cobrança patriarcal que uma turma de legítimos teddy boys eliminou o roll do rock e desencadeou uma nova revolução sonora.
Todas as bandas juvenis inglesas que surgiram no final dos anos 50 procuravam imitar Cliff Richards and The Shadows, considerado o melhor grupo da época por ter emplacado um single badaladíssimo, “Apache”, e logo depois ter estourado mundialmente com a sonífera balada “The House Of Rising Sun”.
Quer dizer, todos é apenas força de expressão.
Pelo menos um grupo estava na contramão da boiada.
O Quarrymen observava o desempenho dos Shadows pela televisão apenas para conseguir tirar este ou aquele acorde.
De resto, detestavam aqueles músicos, todos eles limpinhos, bem arrumadinhos e penteados corretamente, que quase não se mexiam no palco, a não ser para fazer indefinidamente os mesmos três passinhos pra direita e pra esquerda.
O Quarrymen era um grupo formado por John Lennon, Paul McCartney, George Harrison, Stuart Sutcliffe e outros músicos ocasionais, que viviam fazendo covers de Little Richards pelas bibocas de Liverpool.
Como adoravam uma boa sacanagem, uma noite trocaram o nome do conjunto para “The Rainbow” (“O arco-íris”) porque cada um deles tinha aparecido com uma camisa de uma cor diferente.
Depois, tornaram-se Johnny and the Moondogs já que naquela época era comum os grupos mais famosos adotarem nomes longos destacando o líder, como Rory Storm and the Hurricanes, Cas and the Casanovas e Buddy Holly and the Crickets.
Por gostarem muito de Buddy Holly e dos seus Crickets (“grilos”), um deles sugeriu que o grupo deveria adotar um novo nome, de preferência “beetles” (“besouros”).
Lennon, que adorava um jogo de palavras, e era capaz de perder um amigo pra não perder uma piada, misturou “beetles” com “beat” (“batida”) e criou o nome “beatles”, satirizando de uma só tacada os Crickets e os escritores beatniks, que estavam cada vez mais na moda.
O empresário dos rapazes, mais maluco ainda e inspirado no romance “A Ilha do Tesouro”, sugeriu que o nome da banda fosse “Long John and The Silver Beatles”.
É evidente que para o brincalhão John, aquele “João Grandão” significava um puta constrangimento e em pouco tempo o grupo passou a se chamar apenas Silver Beatles, para, finalmente, ser resumido a Beatles.
Depois de uma excursão desbundante pela Alemanha, penando nos palcos das espeluncas de Hamburgo – tocaram na Reeperbhan (“Rua do Pecado”), um reduto de prostíbulo na zona mais barra pesada da cidade –, os Beatles retornaram a Liverpool, onde acabaram fazendo escola, dormindo em qualquer lugar, alimentando-se irregularmente, passando frio e entupindo-se de álcool e “prellys” (“bolinhas”) para segurar a onda.
Eles tocavam até seis horas seguidas no Cavern Club, um porão da Mathew Street superlotado de tal forma que saía fumaça pelos dutos de ar, devido à condensação do suor da audiência compacta no ar frio do lado de fora.
Foi naquela confusão que o almofadinha Brian Epstein, cuja família tinha uma loja musical em Liverpool, conheceu e se fascinou pelos Beatles, oferecendo-se para empresariá-los.
Epstein financiou a gravação de uma fita demo e seguiu para Londres, iniciando a sua via crucis junto às gravadoras.
O selo Parlophone tinha sido comprado de uma gravadora alemã nos anos 30 pela poderosa Eletrical and Musical Industries (EMI) e era conhecido nos anos 50 como um “junk label”, um selo de terceira categoria.
Além de artistas obscuros, lançava discos cômicos de nomes como Peter Ustinov e Peter Sellers.
George Martin se tornara diretor-artístico do selo em 1954 e se ressentia da posição secundária na empresa.
Em 1962, o selo principal da EMI, Columbia, tinha estourado seu artista Cliff Richards and The Shadows, um sucesso invejado por Martin.
Foi por isso que ele se dispôs a atender aquele jovem que se apresentava como empresário de uma banda de rock de Liverpool.
Martin gostou e marcou um dia para virem a Londres.
A aventura estava começando.
Em junho de 62, os Beatles entravam na sede da EMI em Abbey Road.
A empatia entre eles e Martin foi imediata: conversaram, brincaram e entraram no estúdio onde gravaram músicas do repertório de palco, como “Besame Mucho” e “Red Sails In The Sunset”.
Martin gostou mais de uma canção dos próprios Beatles, “Love Me Do”, achando-a pobre de acordes e de rimas, mas diferente por ser construída em torno de uma batida interessante de Pete Best.
Os Beatles voltaram para Liverpool enquanto Martin dava tratos à bola para saber se valia a pena contratar uma banda tão pouco comercial.
Ele havia comunicado a Brian Epstein que gostara de todos menos do baterista e que se gravasse, usaria músico de estúdio.
A opinião foi fatal para Peter Best, detonado sumariamente e substituído por Ringo Starr, o narigudo baterista da banda Rory Storm and The Hurricanes.
No dia 11 de setembro, quando os Beatles entraram no estúdio dois de Abbey Road encontraram Andy White, o baterista profissional contratado por Martin para gravar com eles.
Mesmo apresentado a Ringo, Martin decidiu manter White porque não ouvira o novo baterista dos Beatles tocar.
Ele pediu à banda que tocasse mais uma vez “Love Me Do”, para esquentar os rapazes, e viu que a música melhorara, com a adição de uma gaita tocada por Lennon, copiada do sucesso “Hey Baby”, de Bruce Channel.
Quando começou a gravação, Martin deu um pandeiro para Ringo com ordem de dar dois toques a cada três compassos.
Ringo ficou tão desolado que Martin concordou em gravar com ele também, colocando a voz na versão que ficasse melhor.
Depois de quinze passagens, que deixaram a boca de John Lennon dura de tanto tocar gaita, Martin se deu por satisfeito.
Após dez minutos de descanso, foram gravar o lado B do single, “P.S.: I Love You”, escolhido para dar destaque a Paul, o favorito de Martin.
O produtor inicialmente deu um par de maracas para Ringo tocar, deixando-o furioso.
Depois ele gravou e, no final, prevaleceram as versões com Ringo na bateria.
Na reunião seguinte dos diretores da EMI, Martin anunciou que ia lançar uma banda chamada The Beatles.
Como o nome soava como “besouros”, os demais executivos pensaram que se tratava de mais um disco humorístico.
Martin rebateu que era um disco sério.
“Logo todos vão ouvir falar deles”, disse Martin.
Ninguém deu a mínima.
O hit “Love Me Do” foi lançado em outubro de 62, quando as paradas inglesas estavam dominadas por americanos como Ray Charles e Carole King, ou por cantores ingleses como Helen Shapiro e Shane Fenton.
Uma gravadora concorrente, a Decca apregoava que os artistas solo, àquela altura, detinham o gosto popular e que as bandas estavam mortas.
A EMI nada fez para divulgar o compacto, mas começou a reação de baixo para cima com a ajuda dos fãs de Liverpool e do próprio Epstein, que comprou nada menos de 10 mil cópias, entulhando sua loja com caixas.
A força da imprensa musical e dos fãs levou o disco ao vigésimo lugar no mês de dezembro de 1962.
A essa altura, os Beatles já tinham gravado seu segundo compacto, “Please, Please Me” e “Ask Me Why”.
Lançado em janeiro de 1963, o disco logo chegou ao primeiro lugar na Inglaterra e vieram as primeiras apresentações na televisão.
Em agosto, “She Loves You” atingia o topo do hit-parade, inaugurando a era do “Iê-Iê-Iê”.
Em setembro, uma versão mais acelerada do blues “Twist And Shout” batia todos os recordes de vendas.
Enfim em novembro, surgia a canção que os levaria ao estrelato mundial: “I Wanna To Hold Your Hand”, com um milhão de cópias vendidas antes do lançamento, apenas na Inglaterra.
Os Beatles apareceram no momento certo.
Tiveram sorte, talento, carisma, criatividade e Deus sabe lá mais o que para fazer sucesso.
Além de serem os primeiros, encontraram no empresário Brian Epstein e no produtor George Martin os caras ideais para fazê-los deslanchar e conquistar o mundo.
A juventude inglesa tinha necessidade deles e eles souberam como ninguém corresponder a essa expectativa.
O número e a excitação dos fãs começaram a tomar proporções alarmantes jamais vistas em país algum.
Os deputados fizeram interpelações na Câmara dos Comuns, para saber quanto poderia custar o frete da polícia na mais pequena deslocação do quarteto.
Cada uma de suas aparições era motivo para cenas delirantes.
Os locais em que se apresentavam eram tomados de assalto por milhares de jovens que faziam filas durante noites inteiras para poder entrar.
Quando os ingressos estavam esgotados a polícia tinha que desimpedir as ruas em volta com jatos d’água ou com cães policiais porque os fãs, desesperados por não poderem entrar, queriam acabar com tudo.
Durante o espetáculo, a zorra era muito maior ainda.
A música era abafada pelos gritos estridentes de centenas de ninfetas de 14 a 16 anos, batendo com os pés na cadeira, atirando para o palco calcinhas, soutiens, sapatos, estojos de maquiagem, agendas e um monte de outros objetos, correndo o risco de ferir os próprios músicos.
Muitos médicos afirmavam, categoricamente, que a mulherada tinha orgasmos múltiplos com a simples visão dos seus ídolos.
A imprensa apoderou-se de tais temas e explorava ao máximo, nas primeiras páginas, as peripécias de cada novo concerto.
Nesse fim do ano de 1963, os Beatles partilhavam a primazia das notícias com Christine Keeler e o escândalo Profumo.
A imagem clássica da Inglaterra desmoronava-se no sexo e no rock’n’roll.
Faltava apenas as drogas entrarem em campo para completar a santíssima trindade. Oh, yeah!
A ascensão dos besouros beatniks seria, apropriadamente, parecida com um vôo cego.
Eles queriam emular a música ensolarada do rock americano, que tomara aos poucos o espaço de Frank Sinatra entre as canções mais executadas no final dos anos 50.
A “fossa” de Sinatra, melodiosa e tradicional, daria lugar para a agitação juvenil do rock-balada, que projetava uma idéia mais descompromissada de relacionamento romântico, um estilo de vida menos regrado e formal, que os jovens comprariam em massa.
Os garotos de Liverpool, declaradamente apaixonados pela América, acrescentariam alguns poderosos ingredientes ao rock americano.
Como Elvis, estouraram nos EUA com a ajuda da TV, do programa Ed Sullivan Show, pouco depois de lançarem o disco “Meet The Beatles”, em 1964.
Calculou-se que 73 milhões de pessoas viram a aparição.
Alguns meses depois, o filme “Os Reis do Iê-Iê-Iê” (“A Hard Day’s Night”), como os de Elvis, criou filas nas portas dos cinemas. E o grupo iniciou a primeira turnê americana: 25 cidades.
Como acontecera na Inglaterra, os Beatles conquistaram a América de forma surpreendente – e eles foram os primeiros a se surpreender.
Lennon reclamou que não podia conhecer o país, porque, fora do palco, o único lugar onde conseguiam ficar seguros era no hotel.
Em 1963, a gravadora Capitol, braço americano da EMI, recusara lançar o grupo nos EUA (apenas a Vee Jay Records lançou o razoavelmente sucedido “Introducing The Beatles”).
Mas, depois da explosão da “beatlemania” na Inglaterra, a conquista da América era tudo que a EMI/Capitol poderia sonhar em 1964. Ou mais.
A gravadora planejou a invasão da ex-colônia como uma “blitzkrieg”: o plano era lançar um disco dos Beatles a cada seis meses.
Em apenas três anos, os Beatles lotaram todas as “caverns” da Inglaterra, e sua estridência escandalizou os ouvidos dos pais.
A histeria dos fãs não escandalizou menos os integrantes do grupo.
Lennon dizia ter pesadelos em que era atacado por uma multidão.
Ironicamente, seria morto em dezembro de 1980 por um fã chamado Mark Chapman – um de seus discípulos.
Conquistando a Inglaterra e a América, logo conquistariam todo o Ocidente.
A fórmula do “twist and shout” – ritmo dançante adrenalinado por gritos, para descarga física coletiva – os levou à fama mundial, mas não a explica integralmente.
Havia um humor nos Beatles inédito no circo pop, uma espécie de ironia suburbana, uma “nonchalance” que, ao mesmo tempo que parecia não levar a vida a sério, criticava a vida séria.
A letra de “A Hard Day’s Night”, por exemplo, diz: “Estou trabalhando feito cachorro.” (puro Lennon)
No ano seguinte, 1965, o grupo faria novo filme: “Help!”
Apesar de não ter o frescor do filme dirigido por Richard Lester, era eficiente e também obteve muito sucesso.
A canção-título é uma síntese da primeira fase dos Beatles: a tristeza de um homem, deprimido por amor – “Help me if you can / I’m feeling down” (“Ajude-me se você puder / Estou me sentindo fodido”) –, cantada num tom alegre.
Nessa dissociação entre o que diz a letra e o que transparece a música está outro segredo dos Beatles.
Era como se eles dissessem: todos nós sofremos e, justamente por isso, não adianta sofrer sozinho, como se um fosse mais especial que o outro.
Rir não é o melhor remédio, mas chorar, menos ainda. A quintessência do pop.
O jornalista Allan Kozinn, do New York Times, atribui esse trunfo dos Beatles ao choque entre John Lennon e Paul McCartney – um choque criativo, mas que terminaria mal.
Lennon estava interessado em dizer coisas fortes e simples, como mantras comportamentais, e tinha antena para isso.
Suas letras não tinham elaboração como as de Bob Dylan (Dylan, por sinal, certa vez levou canções novas para Lennon ouvir. “Preste atenção nas palavras”, dizia. Lennon ficou fascinado), mas tinham frases memorizáveis, em tom de protesto doce.
McCartney conhecia mais música.
Nas letras, preferia palavras de entusiasmo (“When I’m home I’m feeling all right’, na mesma “A Hard Day’s Night”).
Em comum, além da paixão pelo rock americano, eles gostavam de canções infantis, mas, a partir de 1966, começaram a se preocupar com o rumo de sua música.
Ela tinha de ganhar mais textura, consistência – riqueza.
Para a capa de “Yesterday... And Today”, o grupo fez uma foto cercado de pedaços de carne e boneças desmembradas.
A intenção era protestar contra a EMI/Capitol, porque a gravadora só estava interessada em vendê-los aos pedaços nos EUA.
A capa foi trocada uma semana depois, mas as relações com a gravadora ficariam longe de cicatrizadas.
Um primeiro impulso para criar canções mais elaboradas e discos “de conceito” viria da influência do guru Maharishi Mahesh Yogi, a quem os Beatles foram encontrar na Índia.
O disco daquele ano, “Revolver”, marcava o início da mudança, pegando o espírito das “flower children”, a juventude florida interessada em orientalismo e psicodelismo, e o alimentando com imagens surreais e arranjos coloridos.
Curiosamente, os rumores sobre o rompimento do grupo começariam a ser fortes a partir dali.
É quando os Beatles tomam uma decisão: não fariam mais apresentações ao vivo, tours cansativas e frenéticas.
Gravariam apenas em estúdio, onde, por sinal, inúmeras canções já haviam nascido, quase ao acaso, nos momentos em que os quatro brincavam com os instrumentos e as palavras.
Esse espírito brincalhão, que acabava disperso nos shows, apesar das roupas e penteados, não se perderia no disco de estúdio.
E eles estavam certos: em 1967, “Sargent Pepper’s Lonely Hearts Club Band” viria à luz.
Ainda hoje existem centenas de milhares de pessoas que se lembram com clareza cristalina do primeiro dia em que ouviram um trecho ou uma faixa de “Sgt. Pepper’s”.
Na maioria dos casos, ficou na memória a lembrança de um imenso pasmo – feita pelo grupo pop mais famoso do mundo.
Ali estava uma coleção de sons musicais absolutamente inédita, revolucionária.
Nunca se ouvira (ou imaginara) coisa parecida: rock’n’roll misturado com vaudeville, ragas indianas entremeadas a cravos renascentistas, atmosferas psicodélicas combinadas com climas circenses.
E também havia as letras, que para o suplemento literário do jornal inglês The Times eram “um barômetro dos nossos tempos” – fragmentos de imagens coladas num ritmo vertiginoso, lado a lado com os comentários socio-políticos mais agudos.
“Sgt. Pepper’s” expandiu o vocabulário e o alcance do rock como jamais se sonhara, elevando o gênero à inédita categoria de arte conceitual.
A idéia do disco surgiu de uma música de Paul McCartney – “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band” – que ele compusera inspirado na onda de nostalgia vitoriana que na época varria a indústria de moda londrina.
A música falava de uma banda imaginária liderada, vinte anos atrás, por um tal Billy Shears. Nada de mais.
Até que Paul sugeriu a George Martin: por que não fazer um álbum inteiro como se a Sgt. Pepper’s Band existisse mesmo? Como se fosse a banda do Sargento Pimenta que estivesse tocando? Martin tremeu nas bases.
As máquinas de quatro canais usadas nos estúdios da época não comportariam a quantidade de idéias que os Beatles faziam jorrar.
A solução foi um intrincado sistema de interligação de gravadores que gerou uma enormidade de superposições de fitas.
E as fitas nunca pareciam suficientes para a criatividade dos Beatles – encharcados de LSD, eles escancaram as portas de sua percepção.
A obra-prima de “Sgt. Pepper’s” foi uma das últimas verdadeiras parcerias de Lennon e McCartney.
John havia começado a escrevê-la sozinho, baseado em dedicada leitura dos jornais e na morte da milionária Tara Browne, amiga dele e dos Stones, vítima de um acidente automobilístico.
Paul ofereceu para John algumas frases curtas – “acordei, caí da cama, arrastei o pente pela minha cabeça”.
“A Day In The Life”, a música escolhida para encerrar o álbum, foi, provavelmente, a faixa mais difícil – todas as demais davam uma sensação de picadeiro de circo, até mesmo a indianista e intimista “Within You, Without You”, de George Harrison, que terminava em gargalhadas.
Em “A Day In The Life” os Beatles queriam ser sérios. E sérios como nunca.
Para o grand finale da música, John pediu, literalmente, “um som que crescesse até o fim do mundo”.
Martin encomendou uma orquestra de 41 músicos. Deu a eles apenas uma instrução: disse quais eram as notas mais altas e mais baixas que teriam que tocar. No miolo, era cada um por si.
O resultado estonteante foi comparado por um crítico ao som “de um sarcófago sendo fechado”, mas para os Beatles ainda não era um encerramento definitivo.
Adicionaram, nos últimos sulcos do disco, duas coisas a mais: primeiro, um palavreado incompreensível gravado de trás pra frente. Depois, uma nota na freqüência de 20 MHz, audível apenas para cães.
Em 1967 eles ainda fariam “Magical Mistery Tour”, mas a morte de Brian Epstein havia rompido a mágica.
Por falta de produtor que o substituísse confiavelmente, em 1968 os Beatles decidiram criar a própria gravadora: exatamente a Apple, com a qual lançariam outro grande disco, conhecido como o álbum branco.
No mesmo ano fariam outro filme, “Yellow Submarine”, cuja canção-título recebeu inúmeras interpretações também, mas Lennon dizia ter partido de uma música infantil.
Com momentos infantis e adultos, os Beatles continuavam a falar para seu público maior: o adolescente.
Mas 1968 também seria o ano em que os Fab Four (abreviação de “Fabulous Four”, “quarteto fabuloso”, apelido dado ao grupo pelos críticos mais antenados) passaram a planejar novos passos na carreira: as carreiras de cada um.
Lennon, apaixonado por Yoko Ono, seria o primeiro.
O disco era uma parceria dele com a mulher de origem japonesa, de quem McCartney reconheceria, mais tarde, ter tido ciúmes intensos “durante um ano”.
No ano seguinte, porém, o baixista daria o troco: casado com Linda Eastman, mulher vaidosa, de família rica, Paul lutaria com os parceiros para que seu sogro passasse a ser o empresário da banda.
O primeiro disco de 1969, “Get Back”, seria o último gravado exclusivamente pela Apple.
Num lance comercial, os Beatles fizeram uma apresentação no teto de seu estúdio, filmada para divulgação. Seria sua última aparição tocando juntos.
O desconforto com os rigores técnicos da produção e da promoção faria o grupo voltar a negociar com a EMI para lançar, ainda em 1969, “Abbey Road”.
No ano seguinte, veio “Let It Be”, o último disco dos Beatles.
Irritado com a gravação, ou com a rejeição de seu sogro pelos outros integrantes, McCartney entrou na Justiça para dissolver o grupo. Os outros não gostaram.
Cada um tinha planos de fazer disco-solo, mas achavam que era preciso manter o grupo por mais tempo, sobretudo porque estava em renegociação com a gravadora.
O fim precipitado prejudicaria – e prejudicou – os rendimentos.
Ao longo dos anos 70 e 80, os litígios dentro da Apple e da Apple com a EMI adiariam um acordo. Não que o dinheiro parasse de entrar.
Em 1985, por exemplo, os direitos de publicação das letras de Lennon-McCartney (que, como Roberto e Erasmo Carlos no Brasil, fizeram acordo de assinar todas em dupla, ainda que uma minoria tenha realmente sido criada em parceria), com exceção de apenas quatro canções, foram vendidos a Michael Jackson por nada menos que US$ 47,5 milhões.
Lennon morreu em 1980, mas, sobretudo até 1975 (quando nasceu seu filho, Sean), conseguiu emplacar mais uma dose de hits, como “Imagine” e “Woman”.
Em algumas canções, ainda era o Lennon de sempre: versos como “As soon as you are born, / They make you feel small” (“Assim que você nasce, / Eles fazem você se sentir pequeno”) e ironias cortantes no desabafo de “The Dream Is Over” (“O sonho acabou / Eu não acredito nos Beatles, / Eu só acredito em mim/ Em mim e em Yoko”).
Mas, tal como as de McCartney, eram canções açucaradas, “easy listening”, incapazes de perturbar qualquer tipo de audiência. McCartney comporia com Jackson, entre outros parceiros, e daria novos saltos na fortuna.
É conhecida a frase de John Lennon em 1966, que causou muita polêmica: “Somos mais populares do que Jesus Cristo agora”.
Mas sua continuação é muito menos citada: “Não sei qual vai desaparecer primeiro: o rock’n’roll ou a cristandade. Jesus era legal, mas seus discípulos eram grosseiros e ordinários. Foi a deturpação deles que o arruinou.”
A popularidade sempre tinha sido um estorvo para os Beatles.
Ringo Starr declarou: “Tudo que queremos ser são quatro roqueiros, mas não podemos por causa da Apple. Tivemos de nos tornar homens de negócio”.
O que eles também não imaginavam é como essa popularidade seria duradoura.
O maior exemplo disso é o disco “One”, lançado em 1999, que reúne todas as 27 canções do grupo que em sua época chegou ao topo da parada de sucessos na Inglaterra e nos Estados Unidos.
O CD já vendeu mais de 20 milhões de exemplares no mundo inteiro, sendo o mais vendido em diversos países, dos EUA ao Brasil.
Como é possível que hits com quase 40 anos ainda possam fazer tanto sucesso?
O resultado bancário é vistoso. Paul McCartney possui uma das maiores fortunas pessoais do mundo, como prova a lista da revista Forbes: cerca de US$ 1 bilhão.
No setor artístico inglês, perde apenas para o compositor de “Cats”, “Evita” e “O Fantasma da Ópera”, Andrew Lloyd Webber, com quem partilha o gosto por colecionar obras de arte (Paul é dono de vários Rembrandts e Renoirs).
George Harrison não amealhou tanto quanto Paul, mas sua fortuna se aproximava dos US$ 200 milhões, quando morreu há dois anos, vítima de câncer cerebral.
Ringo e Yoko Ono, a viúva de Lennon, também não ficam atrás. E a cada dia as cifras aumentam.
McCartney e Yoko são os que mais lucram, porque recebem também os direitos sobre as performances das canções da dupla (George e Ringo fizeram poucas, no período dos Beatles).
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