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sexta-feira, julho 15, 2011

Aula 3 do Curso Intensivo de Rock: Bing Crosby


Outro gênero musical oriundo do country, que surgiu no Texas, incorporando por isso mesmo influência mexicana, foi o “western swing”, também chamado, pejorativamente, de “música dos vaqueiros do Oeste” e que teve em Bob Wills seu principal difusor.

Em plena década de 30, quando predominava os moods dançante das grandes orquestras, Bob Wills, por influência dos músicos mariachis da sua banda, adicionou aos instrumentos de corda do country uma seção de metais e percussão, formando a primeira grande orquestra de country & western da história.

Seu mais famoso single, “San Antonio Rose”, chegou a vender mais de um milhão de cópias e foi gravado posteriormente por Bing Crosby.

E aqui não custa nada lembrar uma coisa curiosa.

O corretor ortográfico de português do Word sublinha com uma ondinha vermelha o nome de Bing Crosby quando você o escreve. Ou seja: é um “erro”.

O mesmo corretor “reconhece” Frank Sinatra e Elvis Presley e os deixa passar sem as humilhantes ondinhas vermelhas.

Corretores ortográficos de computador são famosos pela burrice, mas a do Word é preocupante.

Ao dar Bing Crosby como “erro”, é como se ele estivesse apagando do universo eletrônico o cantor mais importante e influente do século 20.

“Bing Crosby, o mais importante e influente do século passado?”, perguntará você.

“E o Frank Sinatra? E o Valdik Soriano? E o Abílio Farias? E o Nunes Filho?”

Tudo bem, mas, aqui, não se trata de gostar mais deste ou daquele.

O historiador e crítico de jazz Gary Giddins, que acaba de publicar o primeiro volume de sua (aguardada há anos) biografia de Crosby, também não exibe suas preferências.

Limita-se a arrolar fatos e números. E estes são acachapantes.


O livro, “Bing Crosby: A Pocketful of Dreams – The Early Years: 1903-1940”, leva 728 páginas para resumir a monumental contribuição do homem à música (e à indústria fonográfica).

Mesmo assim, só contou metade da história, porque Bing morreu em 1977, aos 74 anos – e a segunda metade de sua vida, cobrindo os anos da guerra, é que, diz o biógrafo, foi a realmente importante. Vem aí o segundo volume.

Eis aqui, em pílulas, uma amostra da passagem de Bing Crosby pelo planeta, apesar do Word não saber quem ele foi: Bing foi o primeiro cantor de verdade contratado por uma orquestra (em 1926, por Paul Whiteman).

Até então, o vocal das orquestras era feito por um dos músicos, que também “cantava”.

De 1927 a 1962, Bing entrou nas paradas de sucesso dos EUA com 368 gravações sob seu nome (e outras 28 como vocalista de orquestras). Total: 396 entradas no hit parade.

Giddins compara essa façanha à de outros artistas: Paul Whiteman (220), Frank Sinatra (209), Elvis Presley (149), Glenn Miller (129), Nat King Cole (118), Louis Armstrong (85) e os Beatles (68).

Não adianta perguntar pelo cantor X ou pelo grupo Y: todos estão abaixo desses números.

Dessas 396 gravações, 38 chegaram ao primeiro lugar – o maior número atingido até hoje por um artista. Os Beatles emplacaram 24 primeiros lugares e Elvis, 18.

Nos anos 30 e 40, um primeiro lugar de Bing só costumava ser desbancado por outro primeiro lugar de Bing.

Às vezes, os lados A e B de um single se revezavam nos dois primeiros lugares.

E não era raro que tivesse cinco gravações na lista das 10 mais.


A gravação de “White Christmas” por Bing ainda é a mais popular de todos os tempos – a única na história a permanecer nas paradas por 20 anos, de 1942 a 1962 (com exceção de um único ano).

Em 1998, quando ninguém esperava, voltou à parada inglesa.

Em 1960, a indústria fonográfica americana creditou Bing pela venda de 200 milhões de discos até então.

Em 1980, esse número já dobrara.

Bing teve sorte. Bem no comecinho, ainda chegou a cantar com megafone.

Mas então a indústria lançou o microfone elétrico.

Ele foi o primeiro a dominar a técnica do microfone e a cantar, não “diante” do ouvinte, como um tenor de ópera, mas “para” o ouvinte – como um crooner.

Ao fazer isto, Bing sensualizou a música popular, tirando-a do domínio dos cantores cômicos ou com vozes efeminadas, que até então prevaleciam.

Bing foi o primeiro intérprete, branco ou negro, a assimilar a importância de Louis Armstrong como cantor.

E olhe que Louis só gravou como cantor em fins de 1925, pouco antes de Bing estrear com Paul Whiteman.


Isso tornou Bing o primeiro cantor branco “de jazz” da história – o primeiro a “torcer” as frases, dividi-las a seu bel prazer e emprestar uma tintura de blues à enunciação.

Mas, para isso, teve bons professores: era amigo de Armstrong e, quando viajava com a orquestra de Whiteman, seu companheiro de quarto era Bix Beiderbecke.

O trio vocal de Paul Whiteman, os Rhythm Boys, formado por Bing, Al Rinker (irmão de Mildred Bailey) e Barry Harris, foi o primeiro conjunto vocal influenciado pelo jazz.

Os Mills Brothers e as Boswell Sisters vieram logo depois, inspirados nele.

Bing surgiu em cena exatamente quando a música americana entrava na maioridade, com a revelação de letristas sofisticados como Lorenz Hart, Ira Gershwin e Cole Porter.

Mas, sem Bing para lhes fazer justiça (pronunciando cada sílaba com correção, sem o menor ranço caipira), aquelas letras talvez não fossem tão longe.

Para os que se habituaram a ver Bing como um símbolo da caretice americana, o livro de Gary Giddins pode ser um choque.


“A primeira coisa a se entender sobre Bing Crosby é que ele foi o primeiro branco hip nascido nos EUA”, disse seu colega, o band-leader Artie Shaw, em 1992.

Hip não significa hippie – significa mais.

Os hippies apenas fizeram, com o beneplácito dos anos 60 e 70, o que os hips dos anos 20 e 30 já faziam escondido, como fumar maconha, falar uma gíria própria e ficar cool, “na deles”.

Bing, que era o rei da gíria e o protótipo do cool, usou maconha (enrustido) por toda a vida e defendia (publicamente) sua descriminalização.

Assim que ficou famoso como cantor, Hollywood levou-o para filmar.

A primeira coisa a fazer era operar suas orelhas, que, no futuro, alguém compararia a “um táxi com as duas portas abertas”.

Mas Bing recusou-se e levou suas orelhas de abano até o fim.

Desde o primeiro filme, Bing impôs uma condição de que nunca abriu mão: seu nome jamais apareceria sozinho na tela ou antes do título. Era a famosa “cláusula Crosby”.

Com isso, queria fazer justiça aos colegas e não se sentir responsável pelo sucesso (ou fracasso) dos filmes.

Mas nenhum deles fracassou.


Numa época em que não havia fita magnética e os discos eram gravados direto na cera, com toda a orquestra ao vivo (se alguém errasse, tinham de fazer tudo de novo), Bing levava duas horas para gravar cinco canções.

Uma faixa perfeita a cada 24 minutos!

Bing foi o primeiro a gravar um disco em que o cantor entrava antes da orquestra.

Essa gravação foi a de “Taint So, Honey, Taint So”, de Willard Robison, em 1928.

Bing deixou Paul Whiteman e estourou solo no Paramount Theater em 1931 – dez anos antes de Sinatra deixar Tommy Dorsey e estourar solo no mesmo Paramount Theater.

Nenhum outro cantor lançou mais standards (canções que ele foi o primeiro a gravar e que ficaram associadas a ele para sempre) – nem mesmo Fred Astaire (como se acreditava) ou Sinatra.

Eis algumas: “Out Of Nowhere”, “Just One More Chance”, “I Surrender Dear”, “Stardust”, “Wrap Your Troubles In Dreams”, “Dancing In The Dark”, “I Apologize”, “How Deep Is the Ocean”, “Please”, “Temptation”, “Love Thy Neighbor”, “June In January”, “It’s Easy to Remember”, “But Beautiful”, “Pennies From Heaven”, “Moonlight Becomes You”, “Swinging On A Star”, “What’s New?”, “True Love” – muitas mais, mas chega. Ele era a primeira escolha de todos os compositores.

Foi Bing, e não Sophie Tucker, quem, em 1932, ressuscitou “Some Of These Days”, um esquecido sucesso de 1910.

Sophie gravou-a um ano depois e fez sua carreira em cima dela.

Foi Bing também quem exumou canções americanas do século 19 em domínio público e fez delas standards, como a (por sua causa) eterna “Swanee River”.


Em 1932, auge da Grande Depressão, Bing gravou “Brother, Can You Spare A Dime?”, e lançou a moda das canções sobre a crise, avós das futuras canções “de protesto”.

Até 1933, nenhuma canção country jamais saíra dos limites da roça em qualquer gravação.

Bing gravou “Home On The Range” e fez dela sucesso nacional.

Os cantores sertanejos americanos passaram a imitá-lo, a música country foi “descoberta” e deu no que deu.

Naquele ano, ao contratar o conjunto vocal negro Mills Brothers como atração fixa em seu programa de rádio, Bing inaugurou a integração racial na música americana – dois anos antes de Benny Goodman ter o pianista Teddy Wilson em seu trio.

Até então, nos EUA, brancos e negros não podiam ser vistos ou ouvidos tocando juntos, em pé de igualdade.

Foi também Bing quem lançou a moda da música “havaiana”, ao gravar “Song Of The Islands”, em 1937.

Na seqüência, gravou todas as canções sobre o Havaí que, 20 anos depois, seriam adotadas por aquele cantor, como se chamava mesmo? Ah, sim, Elvis Presley.

Bing ajudou a financiar as pesquisas que resultaram na fita magnética e foi o primeiro a pré-gravar programas de rádio.

Donde o mundo nunca ficará carente de Bing Crosby – porque, desde 1946, foram cerca de 2 mil programas gravados, com máxima qualidade de som, e quase todos sobreviveram.

Bing Crosby também vai sobreviver – se o corretor ortográfico do Word deixar ou não.

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