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quinta-feira, maio 29, 2014

Groucho Marx: hilariante e rabugento


Biografia traça retrato pouco enaltecedor do mais famoso dos Irmãos Marx

Contar piadas para viver é a mais exigente das artes do show-business, e a história mostra que isso pode afetar a psique daqueles que seguem essa carreira. Muitos comediantes extraordinários sofreram de combinações de inconsequência, delírio e inadequação social que criaram desordens em suas vidas. Há duas possíveis explicações: a de que para fazer rir é preciso ser um desajustado; ou de que o dano emocional pode ser fruto do estresse do trabalho.

No caso de Groucho Marx, o escritor Stefan Kanker, autor do livro “Groucho: A vida e a época de Julius Henry Marx”, se apoia na primeira. O argumento-chave é a frase mais citada de Groucho, aquela sobre não querer ser membro de um clube que o aceite como sócio.

O autor acredita que se trata de uma convicção disfarçada de chiste e que, se a palavra “clube” for substituída por “mulher”, a frase explica por que, com seu comportamento abominável, levou suas três esposas e duas filhas a beber. Groucho se casou com mulheres que podia dominar e as tornou dependentes. Depois agiu deliberadamente para afastá-las de sua vida, tentando destruir a autoestima delas, uma qualidade da qual ele mesmo era deficiente.
Os relacionamentos de Groucho com os filhos seguiram um padrão igualmente tumultuado. Groucho discutia com eles, depreciava seus esforços criativos e depois lhes dava cheques polpudos, ao mesmo tempo para tentar consertar o estrago e mostrar-lhes como eram dependentes.

Kanfer acredita que a origem desse comportamento remonta à infância de Groucho, em particular à figura de Minnie, sua mãe manipuladora que o obrigou a abandonar a escola antes do tempo. Contra todas as probabilidades, ela transformou quatro de seus filhos, incluindo Groucho, nos Irmãos Marx, um grupo de vaudeville doidivanas, de início nada de extraordinário, que conquistaria a Broadway e Hollywood.

Apesar de as grandes falhas pessoais de Groucho impossibilitarem admiração total, elas não tiram o mérito de seu gênio cômico ou de sua duradoura posição na história do show-business. Os filmes dos Irmãos Marx, produções baratas saídas da linha de montagem de Hollywood, não são obras-primas: na maioria deles, os trechos musicais se alongam demais e interrompem fatalmente a ação.

Mas o personagem desenvolvido por Groucho – o vigarista nada dissimulado, anárquico, traiçoeiro – se realiza de forma soberba na maior parte de sua carreira. Quando seu sucesso no cinema entrou em declínio, Groucho veio a ser o primeiro apresentador de perguntas e respostas de televisão, especializado em desconcertar os convidados. Por exemplo, quando apresentou um homem com sotaque que se gabava de falar 11 línguas, Groucho perguntou: “E em qual delas você está falando agora?”
Kanfer cita muitas tiradas como esta, assim como diálogos dos filmes e peças teatrais dos Irmãos Marx. Na forma impressa, e sem a contribuição de sua elocução maliciosa, seu charuto e seus passos largos, muitos deles perdem a graça. Às vezes, também, o autor tem dificuldade em distinguir fato e lenda, algo talvez compreensível quando os próprios escritos autobiográficos de Groucho são uma mescla indiferenciada dos dois.

Ainda assim, o livro oferece um retrato revelador, às vezes pungente, de uma pessoa horrível que era um artista brilhante.

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