Oldelgário Tibiriçá,
64 anos, o narrador mais famoso do Brasil, divide opiniões. Sua família e seus
patrocinadores o amam, o resto o odeia. Mas, na hora de acompanhar os jogos da
Seleção, todos se unem para ouvir seu (cada vez mais desafinado) palavrório
varonil
Marcos Caetano
Amigos do esporte, torcedores do meu Brasil inzoneiro de
cinco títulos mundiais, sejam bem-vindos a este espaço de literatura em alta
definição!
Que beleza, minha gente. Que beleeeezaaaaa! Como é bom poder
praticar essa arte bonita, bonita, boniiiiiita da palavra escrita! Porque,
comigo, você sabe, amigo, informação é o que interessa. E para contar a minha
história de quarenta anos de carreira e dez copas do mundo, eu preciso, antes
de mais nada, agradecer a Brahma Chopp, Castrol gtx, Baterias Moura, Banco
Cacique, Preservativos Olla e Sinaf – planos de assistência funeral –, pelo
apoio incondicional que dão ao esporte em geral e a mim em particular.
Que maravilhaaaa! Não foi fácil, amigo! Não foi fácil chegar
até aqui. Só mesmo com a energia de uma Bateria Moura. Haja emoção! Sem o apoio
dos milhões de torcedores que nos brindam diariamente com sua audiência, que
acreditam na Seleção Brasileira e, acima de tudo, que consomem os bons produtos
que apoiam as nossas transmissões, este homem humilde do interior de Goiás
jamais teria chegado a um salário mensal de 2 mil reais, mais 975 mil de
merchandising.
Creiam-me, amigos do esporte: a vida nem sempre sorriu para
mim. Mas, falando muito e gritando mais ainda, a verdade é que eu cheguei lá.
Não pensem que o meu trabalho é fácil. Nada disso! Quando as pessoas me ouvem
narrando partidas pela televisão, devem imaginar que eu tenho um emprego de
sonho, que estou sempre presente aos grandes eventos globais e que vivo cercado
de celebridades, mas – agueeeenta, coraçãaaaao! – a realidade não é bem assim.
Narrar é uma coisa, comandar uma transmissão é outra. A cada jogo, eu sou
obrigado a realizar uma série de atividades tão complexas, que você, amigo de
casa, nem faz ideia.
Pra início de conversa, eu não sou apenas narrador. Na
condição de celebridade, as pessoas anseiam pelas minhas opiniões. Então, sou
obrigado a dá-las. Por exemplo: eu, que fui amigo do Senna, aprendi que, no
motor, só Castrol gtx. É uma opinião. Das boas. Outra: futebol se faz com 22
sujeitos e um juiz. Quando comecei, o pessoal só falava dos jogadores. Pra
fazer uma transmissão diferenciada, como se diz hoje em dia, tive a ideia de
dar meus pitacos sobre a arbitragem. Foi um sucesso. Como sou inquieto, pouco
tempo depois, inovei mais uma vez: inventei o comentarista de arbitragem. E
sabe por quê? Simples: pra poder discordar dele.
Fui eu que primeiro atinei pra essa verdade universal: sem
um mínimo de conflito não se faz uma boa transmissão. Acho incrível que ninguém
tenha reparado nisso. Porque, convenhamos, o comentarista de arbitragem é a
coisa mais inútil do mundo, e a prova é que o cara só existe aqui no Brasil
(roda a vinheta: Brasil-il-il!). Ele só está lá pra servir de escada. Quando o
jogo tá chato, eu brigo com ele e o pessoal abre o olho a tempo de ver o
logotipo da Brahma – beba com moderação, mas não muita... – lá na telinha.
Animado com essa coisa de arbitragem, emendei comentários
sobre a parte tática, técnica, psicológica, econômica, política, filosófica,
sociológica, estética e existencial do jogo de futebol. Fiquei tão bom nessa
coisa de comentarista que outro dia tratei da física das bolas de futebol,
mencionando inclusive a Segunda Lei de Newton, que não sei bem o que é, mas
achei que podia render um troco. Afinal, elogiei a tal lei. Se pagarem, sou até
capaz de mencionar a Primeira Lei na gentileza, sem cobrar um tostão. Gostaria
muito de falar sobre vinhos e relógios de pulso, mas isso tem sido difícil de
encaixar. Haja emoção! Tanta, tanta que, se fosse dinheiro, faltaria, e eu
teria de tomar emprestado no Banco Cacique, sempre a juros módicos, como não
cansam de garantir os simpáticos gerentes de conta.
Essa capacidade de ser um crânio nos comentários me ajuda
com uma dificuldade que venho enfrentando. Que drama, amigooo, que drama! É que
eu já não consigo guardar o nome dos jogadores. Há tempos só narro uma partida
depois de anotar os nomes num caderninho. E, mesmo assim, quando o plano da
televisão é aberto, não identifico ninguém. Por isso, quanto mais comentários,
menos narração. Minha sorte é que o povaréu não entende patavina de futebol
internacional e aí eu posso inventar. Outro dia narrei um jogo da Coreia do Sul
com as anotações do jogo que fizemos contra a China, em 2002 (ou 2006, não
lembro). Ninguém percebeu. E olha que eu também narrei os lances do Brasil com
a escalação da partida antiga.
A verdade, meu Brasil varonil, é que, na hora da emoção – e
haja emoção! –, ninguém quer saber se o gol foi do Romário, do Ronaldo ou do
Luiz Adriano, aquele grandão lá na frente. Gol é gol, o resto é paisagem, como
gosto de dizer. Às vezes reclamam que eu interrompo os outros comentaristas,
mas não me venham com essa. Tenho que anunciar promoções de torpedos de
celular, de Mega-Sena, campanhas de vacinação, chamar vinhetas, elogiar os
preservativos Olla, de vez em quando narrar o que acontece em campo... e vocês
ainda querem que eu passe a palavra para os comentaristas?
Outra missão de um estilista da transmissão é manter o
público ligado. Nossos anunciantes – Brahma Chopp, Castrol gtx, Baterias Moura,
Banco Cacique, Preservativos Olla e Sinaf – planos de assistência funeral –,
precisam que tenhamos índices de audiência sempre altos. Não importa se a
Seleção esteja jogando bem ou mal, eu tenho que enaltecer sempre o Brasil. O
Brasil, o Flamengo e o Corinthians. O resto é traço, estou pouco me lixando.
Há anos que não narro um jogo do Botafogo. Aquele time não
enche nem o próprio estádio, que dirá dar Ibope. Idem pro Fluminense.
Funcionava quando tínhamos o patrocínio da Corega – creme fixador de dentadura.
Eles gostavam do público-alvo. Aliás, foi durante uma campanha do tricolor que
a Sinaf – assistência funeral – decidiu anunciar. Acabou ficando. Faça o seu.
É, amiiiigo... Como você pode perceber, minha vida não é
mole. Por conta disso, pretendo me aposentar após a Copa de 2014. Como até lá
já não terei mais condições de guardar nem mesmo o nome da emissora, adotarei a
seguinte estratégia: sobre uma fita com gravações das minhas transmissões de
1994 (gosto do som da minha voz naquela edição, um Caruso no auge), samplearei
bordões originais do tipo Vamos lá Brasil, É agora ou nunca, Haja emoção, Que
beleza, Arrebenta, minha Seleção, É o coração na ponta da chuteira, Acelera,
Rubinho e outras coisas, por estilo. Na hora do gol, usarei o meu registro
daquele lindo, de falta, do Romário (ou terá sido o Ronaldo?) contra a
Inglaterra, em 2006.
Por último, caro trabalhador varonil, amiga dona de casa, eu
gostaria de registrar minha total putidão com a campanha depreciativa que
lançaram contra mim na internet. Em nome de Brahma Chopp, Castrol gtx, Baterias
Moura, Banco Cacique, Preservativos Olla e Sinaf – planos de assistência
funeral – , eu repudio tal campanha! O blog #chupaoldelmario é coisa de quem
nunca teve um lugar-comum dito por mim em voz alta. Não o divulguem! Caso
contrário, prometo narrar também a Copa de 2018 e 2022. E aí vocês vão ver o
que é bom pra tosse.
Até a próxima, amigos do esporte, torcedores do meu Brasil
inzoneiro de cinco títulos mundiais. (Ou serão seis?)
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