Fotógrafo com estúdio em Viena, o austríaco Klaus Pichler
ganhou reputação nos últimos anos por fazer fotos de objetos ou cenas incomuns –
como cosplayers em seus lares verdadeiros ou um monte de quinquilharias em algum
almoxarifado perdido – e a partir daí revelar aspectos curiosos ou histórias por
detrás dessas situações. Entrevistamos ele sobre seu processo criativo, seu
momento de “eureka!” para sua famosa série “Just the Two of Us” (“Somente Dois
de Nós”), e como ele conseguiu encontrar todos os cosplayers utilizados na
série.
Você consegue se
lembrar do seu “momento eureca!”, quando você percebeu que queria fazer fotos
de cosplayers nas próprias residências para a sua série “Just the Two of Us”?
Houve muitos pequenos “momentos eureca!”, se você quiser
chamá-los assim, o que contribuiu para o resultado final da série. Basicamente,
estou sempre interessado naqueles aspectos de alguma forma incomuns da
sociedade e da vida cotidiana, nas coisas que nem sempre necessariamente têm
algo a ver com a “lógica da vida” e, portanto, são muito mais complexas.
Fantasias ou trajes típicos de determinados grupos sociais
são exatamente isso, eles não são “necessários” para sobreviver, e essa é a razão
pelas quais muitas pessoas sentem prazer em usá-los, porque eles são apenas uma
espécie de caminho paralelo às necessidades concretas da vida.
Mas voltando à sua pergunta: o carnaval é uma coisa muito
grandiosa na Áustria, e, inicialmente, eu estava planejando trabalhar apenas
com os membros das inúmeras comunidades locais de carnaval. Mas eu logo
descobri que há muito mais grupos ligados a tradições específicas do que eu
poderia imaginar e que as fantasias de carnaval, em comparação com as fantasias
dessas tradições, não são tão elaboradas assim.
Portanto, ampliou-se a abordagem e tentei cobrir tantos grupos
quanto fosse possível. O princípio básico permaneceu o mesmo: uma fantasia é
sempre um passo para o lado de fora da vida cotidiana, uma espécie de alter ego
que permite outras formas de comportamento e autoconhecimento.
O mais importante “momento eureca!” foi quando eu percebi
que fotografando as pessoas fantasiadas tendo como cenário suas próprias residências,
seria possível combinar os dois aspectos da série: o alter ego fantasiado e,
por meio do estilo e design do apartamento, a pessoa “civil” que está oculta no
traje. Daquele momento em diante, o conceito básico foi concluído e comecei a
procurar pessoas que provavelmente gostariam de participar da série.
Estamos apenas
curiosos, mas como é que você conseguiu se aproximar dos cosplayers e
pedir-lhes para participar de sua série? Você foi a uma convenção deles e pediu
de forma aleatória, ou você, pra começar, já tinha amigos cosplayers?
Encontrar pessoas com fantasias bem transadas foi
definitivamente a parte mais difícil da série. Como eu queria cobrir uma ampla
gama de diferentes grupos (LARP, Medievais, Furries, Carnavalescos, Krampus,
etc), eu tive que começar do zero, com todos eles. Cada grupo tem diferentes
maneiras de se conectar com a sociedade envolvente, por isso eu tinha que
encontrar uma maneira que fosse adequada para cada caso particular.
Os Furries/ Fursuiters, por exemplo, imitadores de animais
antropomórficos, são um fenômeno intimamente ligado à cultura da internet. Eles
são muito ativos em fóruns na web e salas de chat e é quase impossível fazer
contato quando eles estão vestindo suas roupas em público, porque eles rigorosamente
conseguem separar suas pessoas civis de seus alter egos. Por causa isso, eu
tive que fazer login nos seus fóruns e entrar em contato com eles através de
mensagens privadas.
Já os membros das comunidades carnavalescas austríacas são
de idade mais avançada e, portanto, não são tão plugados na internet, mas eu
tive que ir para os seus desfiles e participar de suas reuniões para manter
contato pessoal. A proporção de pessoas que se dispuseram a participar do
projeto foi uma merda... Convidei cerca de cinco vezes mais pessoas do que as
que finalmente concordaram em participar, quer dizer, acumulei uma porrada de “nem
pelo caralho, brother!”
Alguns deles não queriam ser fotografados, alguns não gostaram
ou não entenderam o conceito e alguns gostaram da ideia, mas não queriam me
deixar entrar em seus apartamentos. Mas, para minha sorte, eu consegui
encontrar um bom número de pessoas fantasiadas que quiseram participar e nos
divertimos muito fazendo as fotos.
Você tem uma vasta
gama de assuntos em suas diferentes séries, que vão desde trajes cosplay aos
jardins do século 19, passando pela deterioração de alimentos ao longo do
tempo. Qual é o seu processo criativo quando se trata de escolher um assunto ou
um tema específico para um projeto?
Embora os temas das minhas séries talvez possam parecer
bastante diversificados e o resultado visual muito diferente, eu acho que há
uma linha vermelha entre todos eles: é tudo sobre os aspectos ocultos da vida
cotidiana, manifestando-se tanto em pequenos elementos que são facilmente observados
quanto em grupos sociais fechados que vivem suas vidas com suas próprias
regras, códigos e clichês.
Trata-se de uma espécie de “universo Pichler”, em que meus
temas ou tópicos estão sempre chegando. Portanto, não é realmente um processo
por trás da escolha de um tema específico, é mais como trabalhar sobre temas
que eu estava planejando trabalhar por um longo tempo, só que um após o outro.
É comparável às bolhas subindo de águas barrentas – uma após
a outra estão sempre subindo e de repente uma delas vem à superfície –, que é
como a minha mente criativa trabalha. Às vezes é como um pequeno choque quando
um novo tópico ou um novo conceito me pega de surpresa, porque me parece tão
óbvio que fico querendo saber por que não tinha pensado nisso antes...
Você disse que tem
uma nova série em que está trabalhando e que ela vai ficar pronta agora no
final de 2014. Você poderia adiantar pros leitores o que podemos esperar?
Pode parecer sacanagem, mas, como se diz na Áustria, “uma
galinha não conversa sobre os ovos que ainda não botou”. Eu realmente não gosto
de falar sobre projetos inacabados, não para fazer “segredinho”, mas
simplesmente por superstição.
Em algum canto da minha mente (o que definitivamente não é na
área da lógica), acredito que meus planos irão naufragar se eu falar sobre eles
antes de estarem 100% concluídos. Portanto, eu sinto muito, mas não vou dizer muita
coisa. Só que o novo escopo do trabalho versará definitivamente sobre polarização,
que será um trabalho documental bem moderno, mas bastante simples, e que eu
estou trabalhando no projeto junto com um jornalista.
Ah, e que ele será lançado como um livro.
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