Plínio Marcos:
diálogos ácidos e poesia sem pieguices
Maria Lúcia Candeias
Tudo se passou no Canecão, no Rio de Janeiro. Era a entrega
do Prêmio Shell de teatro, num período em que a festa se intercalava entre São
Paulo e Rio. Plínio Marcos, como todos os premiados de São Paulo, já sabia que
tinha sido vencedor com a peça “Querô”, que, depois de alguns anos nas gavetas
da censura, tinha sido liberada e estreava como texto inédito pelas mãos do
Grupo Tapa.
Parecia que não haveria surpresas até que se anunciou o nome
do grande dramaturgo paulista de seu tempo e provavelmente de todos os tempos.
A casa, com lotação completa, incluindo convidados especialmente do meio
teatral carioca, se pôs de pé e o ovacionou por alguns minutos. Quando começou
a agradecer, o fez com a voz embargada de emoção por um instante de merecida
glória. Era assim Plínio Marcos, considerado, respeitado e querido, tanto
daqueles que trabalham com teatro quanto de enorme parcela do público e mesmo
da imprensa.
Impossível concordar com quem o situa como vítima ou
injustiçado. Colaborou em vários jornais e revistas e, mesmo quando esteve fora
dos noticiários, teve todas as portas abertas para declarar o que quisesse, de
próprio punho ou por meio de entrevistas. Mas nunca deixou que o sucesso lhe
subisse à cabeça. Ao contrário, foi um marginal por opção. Para escapar do
sistema, para não fazer concessões. Isso não era de seu feitio radical, pouco
afeito à arte da composição.
Engrandecia-se pela coerência e integridade, qualidades
raras numa época em que os valores ficaram tão relativizados e menosprezados.
Era um defensor, como é sabido, da ralé (“Barrela”), dos operários (“Quando As
Máquinas Param”), das prostitutas (“Navalha Na Carne”), enfim, de todos aqueles
que de uma forma ou de outra se encontram subjugados, sem saída.
Corajoso como poucos, Plínio Marcos tentou enfrentar a
censura, na maioria das vezes sem sucesso. Mesmo na pior fase da ditadura foi
capaz de escrever “Abajur Lilás”, denunciando e protestando contra a tortura.
Seu estilo se caracteriza principalmente pelos diálogos e
poesia ácidos, sem melodramas, sem pieguice. Há muitos anos editava seus
próprios livros e os vendia em restaurantes, saguãos de teatro ou mesmo na rua.
Era um modo de reviver seu passado de camelô, ou de conhecer pessoalmente o
público que se interessava por sua obra.
Estranhamente, um homem com esse perfil parece ter esperado
um convite para ser autor de novela televisiva, sem notar que a intenção desse
gênero de dramaturgia é entreter e não criar conflitos no telespectador, como
era de seu gosto.
Consta que “Balada de um Palhaço” surgiu dessa rejeição,
texto com duas personagens que são palhaços e uma delas, o Bobo Plim, teria
esse nome por causa do “plim plim” que acompanhava a vinheta da Rede Globo.
Seu percurso como escritor lembra o de Augusto Strindberg –
dramaturgo sueco do século 19 – que depois de enorme sucesso como realista
passou a escrever obras de cunho místico. Nenhum dos dois era um devoto
convicto de nenhuma seita ou religião oficial. O autor nórdico pretendia chegar
a uma síntese entre Ocidente e Oriente e, embora cristão, sempre foi um
pensador livre (título de um de seus textos). Bem mais agnóstico, Plínio também
se dirigiu ao Oriente em “Blavatski”, ao espiritismo em “Balbina de Iansã”, ao
cristianismo em “Jesus Homem”.
Nem a crítica nem o público parecem ter aceitado bem a
guinada desse artista que portava sempre consigo, nos últimos anos, uma espécie
de crucifixo que ele dizia tratar-se de um amuleto para espantar “mau olhado”.
Mas, como sempre em se tratando desse tipo de assunto, parecia que Plínio
falava qualquer coisa para não ter de explicar nada detalhadamente, o que não
combinaria com sua “religiosidade subversiva”, expressão que ele mesmo adotou
para encabeçar a edição de três textos de temática mística.
A morte de Plínio Marcos, no dia 19 de novembro de 1999,
deixou uma lacuna que tem como atenuante os textos que ele escreveu e que
certamente continuarão despertando o interesse de produtores e diretores.
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