Xico Sá
E lá se foi o escritor e, de longe, o maior pesquisador da
sacanagem popular brasileira, o velho safado Liêdo Maranhão, 88, que morreu
nesta manhã no Recife, vítima de parada cardíaca – hospitalizado havia três
meses, resistira a um AVC e a uma queda que lascou seu fêmur.
Quando soube da notícia, a primeira imagem que me veio foi a
de Liêdo recitando Baudelaire, em francês, para a rafameia do Recife. Dizia na
língua do poeta e traduzia na sequência, verso a verso, para os feios, sujos e
malvados.
Dentista sem dente, como tratava da sua formação
profissional, Liêdo, nosso guru da Praça do Sebo e da cachaça nos derredores do
Mercado de São José, deixou livros, diários, pesquisas e um grande museu de
objetos e folhetos sobre tudo que é safadeza e fuleragem do Brasil.
De comida de pobre, receitas para tempos de guerra – vide o
mingau de cachorro – às aventuras na zona portuária do Recife, a opening city
dos mariners, como era chamada pelos gringos.
Folclorista, antropólogo autodidata da poeira (povão no
Recife), apanhador de costumes… De um tudo Liêdo era chamado nas ruas e na
imprensa. Talvez o que mais gostasse, porém, fosse o tratamento recebido nos
bares do Mercado de São José: bucetólogo. De tanto estudar os órgãos sexuais na
visão da massa, mereceu a galhardia.
Futebol, sexo e religião – com mais sexo que os outros dois
itens – formavam a santíssima trindade das investigações nada teóricas do
mestre.
Liêdo estava para o Recife/Olinda como Joe Gould para Nova
York. Lembro dessa comparação da jornalista Silvia Bessa em texto exemplar na
revista Continuum (Itaú Cultural).
A diferença é que, com sua coleção de pesquisas e diários,
Liêdo concretizou o sonho que o americano não conseguiu realizar, lembrou
Silvia.
Conhecido boêmio da NY dos anos 1930 e 1940, Joe foi
personagem do livro “O Segredo de Joe Gould”, de Joseph Mitchell (Companhia das
Letras).
A utopia do boêmio e sem-teto Joe, no seu mergulho no
submundo das ruas, era chegar ao que chamava de “a maior e mais importante
história oral da humanidade”.
Liêdo deixa essa saga que o velho Joe tentou lindamente
construir.
Para findar a louvação, um caso real de Liêdo Maranhão
narrado a este cronista por Moema Cavalcanti – sim, a autora das capas de
livros mais bonitas do país.
Liêdo, tarado por carnaval, aceitou um trato com a mulher,
uma valente espanhola: não iria, pela primeira vez na vida, se esbaldar na
sacanagem momesca. Tudo certo. Por um milagre, ele conseguiu cumprir a
promessa.
Na Quarta de Cinzas, foi cobrar a recompensa. No que a
mulher, braba que nem siri na lata, se esquivara. Revoltado, Liêdo bradou:
“Olhe, só existem duas coisas na vida com as quais não se brinca
de jeito nenhum: cu e arma de fogo!”
A esposa havia prometido, obviamente, um prêmio em sexo anal
pelo bom comportamento do marido no período carnavalesco. Desde então a frase
“com cu e arma de fogo não se brinca” é um clássico popular no Nordeste.
Que a terra lhe seja leve, meu queridíssimo Liêdo.
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