Biografia traça
retrato pouco enaltecedor do mais famoso dos Irmãos Marx
Contar piadas para viver é a mais exigente das artes do
show-business, e a história mostra que isso pode afetar a psique daqueles que
seguem essa carreira. Muitos comediantes extraordinários sofreram de
combinações de inconsequência, delírio e inadequação social que criaram
desordens em suas vidas. Há duas possíveis explicações: a de que para fazer rir
é preciso ser um desajustado; ou de que o dano emocional pode ser fruto do estresse
do trabalho.
No caso de Groucho Marx, o escritor Stefan Kanker, autor do
livro “Groucho: A vida e a época de Julius Henry Marx”, se apoia na primeira. O
argumento-chave é a frase mais citada de Groucho, aquela sobre não querer ser
membro de um clube que o aceite como sócio.
O autor acredita que se trata de uma convicção disfarçada de
chiste e que, se a palavra “clube” for substituída por “mulher”, a frase
explica por que, com seu comportamento abominável, levou suas três esposas e
duas filhas a beber. Groucho se casou com mulheres que podia dominar e as
tornou dependentes. Depois agiu deliberadamente para afastá-las de sua vida,
tentando destruir a autoestima delas, uma qualidade da qual ele mesmo era
deficiente.
Os relacionamentos de Groucho com os filhos seguiram um
padrão igualmente tumultuado. Groucho discutia com eles, depreciava seus
esforços criativos e depois lhes dava cheques polpudos, ao mesmo tempo para
tentar consertar o estrago e mostrar-lhes como eram dependentes.
Kanfer acredita que a origem desse comportamento remonta à
infância de Groucho, em particular à figura de Minnie, sua mãe manipuladora que
o obrigou a abandonar a escola antes do tempo. Contra todas as probabilidades,
ela transformou quatro de seus filhos, incluindo Groucho, nos Irmãos Marx, um
grupo de vaudeville doidivanas, de início nada de extraordinário, que
conquistaria a Broadway e Hollywood.
Apesar de as grandes falhas pessoais de Groucho
impossibilitarem admiração total, elas não tiram o mérito de seu gênio cômico
ou de sua duradoura posição na história do show-business. Os filmes dos Irmãos
Marx, produções baratas saídas da linha de montagem de Hollywood, não são
obras-primas: na maioria deles, os trechos musicais se alongam demais e
interrompem fatalmente a ação.
Mas o personagem desenvolvido por Groucho – o vigarista nada
dissimulado, anárquico, traiçoeiro – se realiza de forma soberba na maior parte
de sua carreira. Quando seu sucesso no cinema entrou em declínio, Groucho veio
a ser o primeiro apresentador de perguntas e respostas de televisão,
especializado em desconcertar os convidados. Por exemplo, quando apresentou um
homem com sotaque que se gabava de falar 11 línguas, Groucho perguntou: “E em
qual delas você está falando agora?”
Kanfer cita muitas tiradas como esta, assim como diálogos
dos filmes e peças teatrais dos Irmãos Marx. Na forma impressa, e sem a
contribuição de sua elocução maliciosa, seu charuto e seus passos largos,
muitos deles perdem a graça. Às vezes, também, o autor tem dificuldade em
distinguir fato e lenda, algo talvez compreensível quando os próprios escritos
autobiográficos de Groucho são uma mescla indiferenciada dos dois.
Ainda assim, o livro oferece um retrato revelador, às vezes
pungente, de uma pessoa horrível que era um artista brilhante.
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