A arte de disfarçar a
careca é ancestral e conta com alguns adeptos famosos, como Donald Trump. Mas
Plínio Darcy, grande autoridade no assunto, recusa-se até a admitir que tenha a
mais incipiente deficiência capilar
Marcos Caetano
Sou Plínio Darcy, tenho 53 anos, trabalho como representante
de uma multinacional de produtos para emagrecimento e, a despeito da opinião de
alguns caluniadores, não sou careca. Sequer sou calvo. O objetivo deste modesto
artigo é defender-me da gente desalmada que se acotovela na borda da piscina do
clube quando salto do trampolim. Escrevo para os pobres de espírito que
aguardam eu emergir das águas para se contorcer em gargalhadas, só porque meu
belo topete se desmancha em uma língua grisalha que escorre até a altura do
mamilo esquerdo.
“Olha o disfarçador de careca!”, gritam os imbecis. Como
posso ser careca se, como acabo de relatar, minhas madeixas molhadas vão até o
peito? Um peito bastante cabeludo, por sinal. Não sou careca e, como já passei
dos 50, acho muito difícil que um dia venha a sê-lo. Apenas me penteio de forma
pouco ortodoxa. Iconoclasta, talvez. Mas isso é estilo. E estilo é estilo.
Penteado não é o termo exato para explicar o que se passa na
minha cabeça. Não existe vocábulo no nosso pobre léxico para descrever um cabelo
como o meu. Aqui no Brasil, onde nada é cinza, os homens são classificados como
carecas ou cabeludos, sem qualquer gradação. Nos Estados Unidos, há uma
expressão para explicar o visual de pessoas como eu. Lá, eu seria um combover,
que o gerente lá da firma traduziu para “penteia por cima”. Fizeram até um
documentário sobre a minha classe: Combover – The Movie, película respeitosa e
de grande sensibilidade. Ela mostra gente que se esforça para preencher uma
insignificante falha – nada a ver com calvície – que separa duas áreas povoadas
de cabelo. É possível encontrar casos em que a falha cobre uma área, digamos,
relevante da cabeça. Mas, enquanto uma ponte de cabelos puder recobrir a
superfície deserta, ninguém poderá chamar um combover de careca.
Um dos meus clientes gorduchos, um careca de verdade, veio
perguntar se eu não achava ridículo o meu penteado. Respondi que, para
princípio de conversa, não faço penteado. Penteado é algo efêmero, que pode ser
mudado com uma chapinha ou uma escova progressiva. O meu não surgiu na semana
passada, num salão de cabeleireiro. Nem me recordo quando surgiu a maldita
falha no meu couro (pouco) cabeludo. Só sei que certo dia comecei a ajeitar o
cabelo de forma a cobrir a pequenina falha. Ela continuou crescendo e eu continuei
penteando por cima dela. Hoje, sou assim.
A opção pelo combover é uma viagem sem volta. Da mesma
forma, um careca não pode tomar a decisão de se tornar combover da noite para o
dia. A ponte entre os dois tufos de cabelo leva anos para ser construída,
ajeitada, laqueada, cuidada, mimada com fartas doses de Quina Petróleo e
Kolecarpina. É um projeto de vida – e não uma decisão estética.
Raciocinem comigo. A diva Angelina Jolie marcou na carne do
braço, com motor, agulhas e tintas, o desenho de um estranho dragão e o nome do
ainda mais estranho marido dela, à época: Billy Bob. Não satisfeita, lascou um
“forever”. Deborah Secco, moça magrinha, fez uma complexa intervenção cirúrgica
para enxertar duas enormes bolas de material sintético entre os seios e as
costelas. Amy Winehouse atravessou o lábio com uma peça de ferro que termina
dentro da boca, como aquelas argolas que são colocadas em touros para
amansá-los. Por que tatuagens, peitos de silicone e piercings são coisas
aceitas como normais e até embelezadoras, enquanto o meu cabelo é tratado como
uma aberração de circo?
Sorte que nem todos tratam os de minha classe como atrações
circenses. Raramente um homem se torna combover sem o apoio de outra pessoa.
Alguém precisa ser cúmplice e incentivador. No meu caso, foi o Heraldo,
barbeiro aqui da esquina, que corta o meu cabelo desde que eu era guri. Ele
concebeu a melhor forma de disfarçar a falha na minha cabeça. E, desde então,
só ele põe a mão na minha sagrada cabeleira. Preocupa-me muito constatar que
ele está velhinho e, pela ordem natural das coisas, sua cumplicidade me fará
falta um dia. Minha esperança é a mulher de um amigo, que não só conceituou o
combover dele como o poda periodicamente. Ele me ofereceu os préstimos dela, na
falta do Heraldo. A senhora parece ter mãos de ouro, pois o adorno capilar do
meu amigo é invejável.
Por falar em estilo, Heraldo me ensinou bastante sobre o
assunto. Ao longo de quarenta anos de carreira, ele aprendeu a cobrir falhas
dos mais diferentes tamanhos e formatos. Ele diz que o combover que cobre a
famosa coroinha de frade é o menos respeitável, pois é simples de fazer. O que
cobre as entradas na testa também não exige muita ciência, pois a ponte tem
mais pontos de apoio para ser erguida. Já para ser um combover de topete, como
eu, é preciso topete. Combover de mulher chama-se aplique – e é socialmente
aceitável, embora desonesto, pois utiliza fios de cabelo de outras pessoas. Já
ouvi falar de alguém que faz a ponte a partir das costeletas (um mestre!) e,
pela internet, juro que vi fotos de um camarada que faz combover com os fios do
bigode (um gênio!). E, claro, acima de todos eles, há Donald Trump.
Trump é o cão-alfa da nossa matilha. Se não olharmos sua
pelagem bem de perto, jamais entenderemos que ele penteia o cabelo de trás para
frente. O mundo inteiro acha que é de frente para trás. Se o combover é, como
diz minha namorada, uma espécie de embuste capilar, Trump é Houdini. Se um dia
ele resolver dar um mergulho na piscina lá do clube, duvido que alguém tenha a
audácia de caçoar.
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