Big Boy Jr.
No tempo em que os bichos falavam (“fala, bixo”) o Rock
Progressivo ainda não havia sucumbido ao peso mastodôntico do ego de seus
autoproclamados gênhos (causa mortis: chatice e não aqueles três acordes do
Punk).
Havia o Verão do Amor, havia o ácido (que já estava
transformando a massa cinzenta de feras como Syd Barrett, Brian Wilson e
Arnaldo Baptista em ceviche).
E havia o mellotron.
Esses nomes que só os 60s eram capazes de cometer.
Conspurcado a posteriori pelo uso abusivo de seus timbres
característicos em qualquer casa de tolerância de beira de barranco (Roberto
Carlos foi um dos culpados), o mellotron foi um dos primeiros teclados
“eletromecânicos” (funcionava na base de fitas gravadas com o som dos instrumentos,
não havia microchips) a colocar uma pequena orquestra nas mãos ávidas dos
roqueiros. Verdadeiro barato. O hino do King Crimson, In The Court of The
Crimson King é embalado por um. Aquela “flauta” no preâmbulo de Strawberry
Fields é um mellotron tocado pelo Macca.
E quem iniciou Lennon no instrumento foi um certo Mike
Pinder, tecladista de um então semi-obscuro quinteto de Birmingham (UK): The
Moody Blues.
Até aquela altura (circa 1966), o grupo só havia emplacado
um hit, Go Now, em monoauaral, no
esquema terninho slim & franjinha que marcou a primeira onda da “Invasão
Britânica”.
Mas agora capitaneados pelo garoto-prodígio Justin Hayward
(voz, guitarra , cítaras e o que viesse), adornados por vistosas costeletas e
abastecidos por certas substâncias com o condão de “abrir as portas da
percepção”, os Moodies (John Lodge, Ray Thomas e Graeme Edge completando o
escrete) cravaram uma cláusula de liberdade artística em seu contrato com a
Decca e deram o grande salto adiante que pavimentou a estrada para o
Progressivo.
Harmonias vocais, overdubbings imoderados, um arsenal
impressionante de instrumentos (média de 5 por cada integrante polímata) e o
mellotron mandando ver perpassam (repetindo, perpassam) a sonoridade marcante
do The Moody Blues. E um bônus: propostas inteligíveis por trás de seus álbuns
conceituais (requisito useiramente desprezado pelos morubixabas do “Prog”). Vou
citar só dois.
Days of Future Passed (1967): Um dia na vida de um cidadão
comum, permeado por gemas como Tuesday Afternoon, Time to Get Away, Nights in
White Satin. Não fosse pela inserção marota de longas sequências de música de
elevador tocada pela orquestra da gravadora (chamada marqueteiramente de London
Festival Orchestra), seria aclamado ainda hoje como o melhor rótulo da safra 67
e um dos melhores de todos os tempos.
Na época, foi uma sensação. Hoje a mistura soa
inapelavelmente datada. Mas ainda vou preparar por conta própria uma versão
editada, livre da patacoada pseudo-sinfônica, só com as viajantes músicas dos Moodies,
que cês vão ver só.
In Search
Of The Lost Chord (1968): Obra-prima estupefaciente. Rompo relações com
quem falar mal. Um caso raro de álbum progressivo em que você não se sente
tentado a pular pelo menos uma faixa quando ninguém está olhando (você já fez
isso com The Dark Side of the Moon, confesse!).
O ácido que a moçada inseriu em sua dieta regular (não por
acaso uma das faixas é uma ode ao evangelista lisérgico Timothy Leary) inspirou
uma peregrinação sonora de Warwirkshire ao Tibete, ciceroneada por Lobsang
Rampa e Jacques Bergier. House
of Four Doors, Legend of a Mind, Voices in the Sky, tudo no bolachão é no
mínimo sensacional. Tudo conduzindo para a epifania, Om (“a-hum”),
mantra entoado por um coral de 5 Moodies soando como 30 – e que quer dizer,
dependendo do ponto de vista, “a sílaba primordial”, “aquilo que a tudo
sustenta”, “a negação e a afirmação”, “o avesso do avesso do avesso”, morou?
E em que outro álbum afinal alguém já tocou um mellotron e
uma tambura indiana?
Negócio é o seguinte, gafanhoto: corra agora mesmo naquele
saite-sueco-cujo-nome-não-pode-ser-dito e baixe a discografia completa do
Moody. Dura alguns minutinhos pela sua Mert, digo, Net.
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