Como essa chiquita bacana conquistou algumas das mulheres mais desejadas de sua época
Eric Nepomuceno
“Sou capaz de roubar qualquer mulher de qualquer homem.” A
frase, que transborda prepotência, desafio, um certo ar de pretensioso arroubo
juvenil, costumava ser dita e redita com seriedade e divertida convicção por
alguém que havia tido romances agitados com Marlene Dietrich, Isadora Duncan, a
grande atriz russa Alla Nazimova e Adele Astaire, a bela irmã de Fred.
Alguém que tinha alcançado o impossível sonho de meia humanidade: um longo e denso caso de amor com Greta Garbo.
Alguém que tinha alcançado o impossível sonho de meia humanidade: um longo e denso caso de amor com Greta Garbo.
O que mais chama a atenção, porém, não é a vasta e quase
insuperável lista. Surpreendente mesmo é saber que a frase foi repetida com a
mesma firmeza, ao longo de anos, por Mercedes de Acosta y Hernández. Uma mulher
rica, nascida em Nova York, filha de pais espanhóis instalados em Cuba.
Temperamental, culta, extravagante, insinuante, ela era descendente dos duques de Alba.
Temperamental, culta, extravagante, insinuante, ela era descendente dos duques de Alba.
A linhagem, aliás, é outra das peculiaridades daquela mulher
miúda, de 1,57 metro de altura, grandes olhos negros, um nariz poderoso, faces
amplas, corpo compacto, que dizia com certa nostalgia: “Eu amei Greta Garbo.”
É que, séculos antes, uma duquesa de Alba havia sido a grande protetora de Goya, e modelo de dois quadros que marcaram época na história da pintura: “La Maja Vestida” e “La Maja Desnuda”.
A ancestral de Mercedes de Acosta y Hernández chocou nobrezas de várias cortes ao se deixar retratar bela e ora vestida, ora nua, pelo pintor.
É que, séculos antes, uma duquesa de Alba havia sido a grande protetora de Goya, e modelo de dois quadros que marcaram época na história da pintura: “La Maja Vestida” e “La Maja Desnuda”.
A ancestral de Mercedes de Acosta y Hernández chocou nobrezas de várias cortes ao se deixar retratar bela e ora vestida, ora nua, pelo pintor.
Mercedes causava impacto pelo seu atrevimento, sua maneira
de usar os cabelos curtos, penteados na melhor linha Rodolfo Valentino, com
rotundas quantidades de brilhantina, vestida sempre de negro, coberta por uma
capa escura, insinuante.
E, claro, pelos seus intensos amores, às vezes simultâneos, às vezes solitários, às vezes serenos, às vezes fulminantes e fugazes, sempre ávidos, sempre com mulheres belas, ansiosamente desejadas.
E, claro, pelos seus intensos amores, às vezes simultâneos, às vezes solitários, às vezes serenos, às vezes fulminantes e fugazes, sempre ávidos, sempre com mulheres belas, ansiosamente desejadas.
Alice B. Toklas, inseparável companheira da escritora
Gertrude Stein – as duas formaram um dos mais duradouros casais da história da
literatura e das artes dos Estados Unidos –, sabia avaliar mulheres.
É dela a advertência que, no começo dos anos 30, consolidou a imagem daquela imbatível Dom Juan de saias: “É preciso levar muito a sério quem conquistou Greta Garbo e Marlene Dietrich, as duas mulheres mais importantes dos Estados Unidos.”
Na verdade, naquele tempo eram as duas mulheres mais importantes e desejadas do mundo.
É dela a advertência que, no começo dos anos 30, consolidou a imagem daquela imbatível Dom Juan de saias: “É preciso levar muito a sério quem conquistou Greta Garbo e Marlene Dietrich, as duas mulheres mais importantes dos Estados Unidos.”
Na verdade, naquele tempo eram as duas mulheres mais importantes e desejadas do mundo.
Certo dia de 1922, segundo suas memórias, ou de 1924,
segundo os biógrafos de Greta Garbo, Mercedes de Acosta estava no saguão do
luxuoso hotel Pera Palace, na capital da Turquia, que na época se chamava
Constantinopla (sim, é a mesma Istambul de hoje, mas para aquela cena o antigo
nome é muito mais sonoro, insinuante, misterioso).
Estava, pois, em Constantinopla, no saguão do hotel favorito
de gente como a escritora Agatha Christie ou o pai da Turquia moderna, Kemal
Ataturk, quando se sentiu inebriada pela luminosidade fulminante de uma mulher.
“Era belíssima, uma das criaturas mais impressionantes que meus olhos haviam visto. Seus traços e seus movimentos eram tão distintos e aristocráticos que concluí, na mesma hora, que seria uma princesa russa refugiada. Nos dias seguintes encontrei-a várias vezes nas ruas. Eu estava terrivelmente perturbada pelos seus olhos, e desejava acima de tudo falar com ela, mas não tive coragem. Foi penoso sair de Constantinopla sem termos conversado, mas o destino muitas vezes é mais amável do que parece. Ou, talvez, a gente não consiga jamais escapar do destino”, recordaria anos mais tarde.
“Era belíssima, uma das criaturas mais impressionantes que meus olhos haviam visto. Seus traços e seus movimentos eram tão distintos e aristocráticos que concluí, na mesma hora, que seria uma princesa russa refugiada. Nos dias seguintes encontrei-a várias vezes nas ruas. Eu estava terrivelmente perturbada pelos seus olhos, e desejava acima de tudo falar com ela, mas não tive coragem. Foi penoso sair de Constantinopla sem termos conversado, mas o destino muitas vezes é mais amável do que parece. Ou, talvez, a gente não consiga jamais escapar do destino”, recordaria anos mais tarde.
O destino, amável ou impiedoso, fez com que se passasse um
bom tempo até que Mercedes tornasse a encontrar a distante e fugaz deusa de
seus devaneios. Aconteceu do outro lado do mundo, em Hollywood, onde ela estava
chegando como roteirista de prestígio.
Certa noite do começo de 1931, numa festa na casa de Salka
Viertel, em Santa Mônica, onde se reuniam personalidades que formavam algo
parecido ao mundo intelectual europeu – sem nenhuma semelhança com “a
estupidez, a vulgaridade e o mau gosto que faziam de Hollywood um lugar
genuinamente insuportável”, conforme dizia Mercedes –, de repente surgiu Greta
Garbo.
“Bastou um aperto de nossas mãos para que eu entendesse que
nos conhecíamos desde sempre. Na verdade, desde muitas outras encarnações
anteriores”, recordou Mercedes de Acosta.
Foi uma conversa rápida, selada por um gesto definitivo: Greta Garbo elogiou uma pulseira que enfeitava seu braço. Mercedes tirou-a e deu-a de presente à musa de seus sonhos, dizendo: “Comprei pra você, em Berlim.”
Sentiu, naquele exato instante, que havia passado a vida à
espera daquela mulher de beleza implacável, olhar distante, voz grave, corpo
absoluto. Tudo que havia feito, inclusive comprar a pulseira, tinha sido para
que pudesse, em algum momento, cumprir o que o destino traçara para ela. Para
que pudesse enfim ocorrer o que havia acabado de acontecer.
Naquela noite Mercedes de Acosta tinha 38 anos. Greta Garbo
tinha 26.
Mercedes era um vulcão cheio de histórias incandescentes. Garbo era uma deusa distante e glacial, que abrigava um invisível vulcão na alma. Mercedes começava a cumprir seu difícil, angustiante e inevitável destino de solidão: amar Greta Garbo. Amar o impossível.
Mercedes era um vulcão cheio de histórias incandescentes. Garbo era uma deusa distante e glacial, que abrigava um invisível vulcão na alma. Mercedes começava a cumprir seu difícil, angustiante e inevitável destino de solidão: amar Greta Garbo. Amar o impossível.
Era uma mulher vivida. Aliás, bem vivida. Tinha feito furor
na Nova York dos anos 20, alegres e desaforados tempos em que tudo parecia
permitido. Até mesmo as coisas proibidas estavam ao alcance da mão, e por isso
mesmo eram – certamente – as mais atraentes.
Beber, por exemplo, estava proibido. A homossexualidade
também. Resultado: além de centenas de bares clandestinos, havia algumas
dezenas de clubes dedicados especialmente a homossexuais, onde pululavam
rapazes vestidos de moças e moças vestidas de rapazes.
Bebia-se, amava-se, consumia-se cocaína, dançava-se freneticamente, tudo sempre em grandes quantidades.
Bebia-se, amava-se, consumia-se cocaína, dançava-se freneticamente, tudo sempre em grandes quantidades.
Mercedes de Acosta era estrela de luz própria naquele universo de
desvarios. Sua vida era uma busca incessante e frenética de alguma conquista,
qualquer conquista.
Em 1917, aos 20 anos, ela descobriu sua capacidade de
deixar-se fascinar com rapidez assombrosa por mulheres belas, ousadas, famosas,
disputadas por montanhas de homens, inatingíveis – ou quase.
Teve uma primeira
paixão devastadora, sua primeira conquista radical: Isadora Duncan.
A mais
famosa bailarina da época deixou-se pender naquela voragem.
Era 16 anos mais
velha que Mercedes.
Dançou várias vezes só para ela, e escreveu poemas
desaforados. Um deles dizia: “Um corpo delgado, mão suaves e brancas / a
serviço da minha delícia.”
Não foi a qualidade literária dos poemas, em todo caso, que
pôs um rápido fim ao romance intenso: foi a beleza atordoante da atriz Alla
Nazimova, que havia acabado de chegar da Rússia para conquistar a Broadway.
Mercedes, aliás, foi solidária e generosa com sua primeira paixão: ajudou
Isadora a manter seu caríssimo trem de vida até sua morte trágica, asfixiada
por uma longa echarpe que ficou presa na roda de um potente Bugatti.
A partir de Isadora Duncan, a torrente incessante de paixões
fulminantes passou a fazer parte do cotidiano de Mercedes de Acosta.
Allan
Nazimova foi a dona “dos únicos olhos cor de violeta que conheci na vida”.
E
vieram outras, muitas outras.
Com um detalhe curioso: em 1920, pressionada por sua
iracunda mãe, ela casou-se com um pintor chamado Abram Poole, herdeiro de uma
das mais sólidas fortunas de Chicago.
Foi um longo e sereno casamento, que
durou 15 anos. Nunca houve perguntas ou recriminações. Os dois compartilhavam
grandes casas e apartamentos quando estavam juntos.
Mercedes passava o tempo
dedicando-se a escrever peças de teatro, roteiros de cinema, livros, poemas,
artigos para revistas culturais; ele pintava, com êxito apenas razoável. Quando
se encontravam, o que era raro, formavam uma dupla feliz.
Ela aconselhava o
marido a ter muitas amantes, e frequentemente ajudava-o a escolher seus alvos
de conquista. Na verdade, Abram Poole não era muito dedicado ao assunto. Talvez
por isso, o alvo escolhido pelos dois para ser conquistado por ele acabava
mesmo era com Mercedes.
Até que, num belo dia de 1935, Abram Poole resolveu mudar de
vida. Apaixonou-se por uma de suas modelos, separou-se da mulher e casou com a
moça. Naquela altura, porém, não havia nada sob o sol que pudesse perturbar
Mercedes. Mesmo porque, para ela, fazia tempo que o sol tinha nome, sobrenome e
lugar de nascimento: Greta Garbo, da Suécia.
Pouco depois da festa em que se conheceram, Greta Garbo –
uma atriz no esplendor da fama – convidou Mercedes de Acosta para passar alguns
dias na casa que havia alugado numa ilha no meio de um lago em plenas montanhas
Nevadas da Califórnia.
Foram, segundo a escritora, “seis semanas encantadas”. E
mais: “Não houve um único instante de desarmonia entre Greta e eu. É como se,
em vez de seis semanas, tivessem sido seis minutos.”
Além de memórias inatingíveis, a breve temporada deixou
registros perduráveis, como as famosas fotos de uma esplêndida sueca sem blusa,
os seios atrevidos destacando-se contra o fundo de montanhas nevadas, ou
recostada na proa de um barco, suas pernas douradas refletidas nas águas do
Silver Lake, seus pés mergulhados em meias e tênis de uma brancura singular.
Meses depois, no verão de 1932, Greta Garbo viajou para a
Europa, deixando atrás uma desolada Mercedes de Acosta.
“Hollywood tornou-se um
lugar insuportavelmente vazio sem ela”, registrou a escritora em suas memórias.
E contra o insuportável, o remédio surgiu na forma de outra deusa da época, uma
alemã que explodia sensualidade em cada milímetro do corpo perfeito: Marlene
Dietrich.
Desta vez, porém, a conquistadora foi conquistada: decidida
a ir às últimas consequências, Marlene Dietrich literalmente cobriu a pequena
Mercedes de flores, dia após dia, ao longo de uma semana.
Na verdade, nem teria sido necessário: na primeira troca de
olhares, a pequena Don Juan tinha entendido que o calor daquele vulcão seria
inevitável. A paixão sem fim durou de setembro de 1932 a maio de 1933. Depois,
o que sobreviveu foi uma amizade cálida, profunda, salpicada de confidências.
Quando Greta Garbo voltou da Europa, encontrou Mercedes de
Acosta do mesmo jeito que a teria até o fim: esperando por ela, disponível,
ansiosa, decisivamente apaixonada, irremediavelmente submetida ao grande amor.
A partir de então, e para sempre, a pauta de relação entre
as duas seria dada por Greta Garbo. Ela determinaria os momentos de
aproximação, de calidez e de desprezo, determinaria quando seria a vez dos
vulcões, quando a vez das geleiras.
A história entre as duas durou até 1960. Ao longo desses
anos houve de tudo. Mercedes foi a responsável, por exemplo, pelo dia em que
Greta Garbo surgiu vestindo calças compridas. “Levei-a a um alfaiate, e
convenci-a de mandar fazer calças compridas, coisa que nenhuma mulher se
atrevia a usar naquela época. Quando ela saiu ás ruas e foi fotografada,
ocorreu uma espécie de cataclismo. Pouco depois, mulheres do mundo inteiro
começaram a usar calças compridas. Nasceu a Era das Grandes Mulheres de Calças
Compridas. E pensar que fui a causadora...”, recordaria Mercedes mais tarde.
Aos poucos, porém, Greta Garbo – sempre determinando o
calendário – fez com que as geleiras ocupassem cada vez mais o espaço dos
vulcões. Mercedes de Acosta chegou a pensar em suicídio. Continuavam sendo
amigas, mas isso, para ela, era pouco. Era quase nada.
Trocavam cartas, fotografias, encontravam-se, mas nada seria
como antes.
E aí aconteceu o final tempestuoso, em 1960, quando Mercedes de
Acosta publicou um livro de memórias chamado “Here Lies the Heart” (“Aqui
Descansa o Coração”).
No livro, ela escreveu sobre seus amores com a deusa.
Na verdade, Mercedes de Acosta foi a única mulher a escrever
o que dizia: “Eu amei Greta Garbo.” E isso, para a deusa sueca, era
imperdoável.
Dona de um silêncio misterioso e impenetrável, Greta Garbo
jamais fez nenhuma referência a esse – ou, aliás, a qualquer outro – caso de
amor.
Em suas parcas conversas com as duas ou três pessoas com quem se permitiu
alguma intimidade, fez questão de desmentir que tivesse mantido, por uma vez
que fosse, algo mais que uma relação de amizade com Mercedes de Acosta.
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