Pesquisar este blog

sexta-feira, setembro 19, 2014

O que ela sente com sua cantada



Bruna Grotti

A cada dia que eu ando na rua sem fone de ouvido, não sei se me automutilo por tê-los esquecido em casa ou se agradeço aos céus por saber que, graças ao meu vício incurável em música, isso acontece menos de uma vez por mês.

Porque é infalível: bastou eu estar um pouco mais atenta aos sons ao redor para perceber a enxurrada de xavecos nojentos que eu recebo.

Que variam do clássico “fiu-fiu”, passando pelo “mas é gostosa, hein?” e terminando em buzinadas completamente desnecessárias – se a macharada de plantão não sabe, é bom explicar: a buzina é um artifício sonoro que deve ser usado com parcimônia para indicar a pedestres ou a outros motoristas situações iminentes de perigo no trânsito.

E aí me pego pensando: o que eu tenho de tão diferente assim para chamar tanta atenção quando simplesmente saio na rua?

E chego à inevitável conclusão de que, não, eu não tenho uma aura iluminada.

Não, olhar pra mim não cura ninguém do câncer.

Não, eu não ando sobre as águas.

O que eu e quase metade da população mundial temos é um duplo cromossomo X.

Que também pode, na maioria das vezes e muuuuito levianamente falando, ser traduzido por um par de peitos, acúmulo de gordura na região dos glúteos, uma vagina, um útero, dois ovários, duas trompas de Falópio e uma enxurrada hormonal mensal também conhecida como menstruação.

Em suma, sou mulher. Ganho 28% a menos do que um homem, por mais que nós dois exerçamos a mesma função e tenhamos as mesmas responsabilidades.

Sou a única moral e judicialmente condenada caso opte por interromper uma gravidez que foi fruto de uma relação sexual com um homem.

Sou estuprada a cada 12 segundos no Brasil – afinal, eu estava de roupa curta e andando sozinha à noite, né?

Sou promíscua se decido agir de acordo com o meu desejo e fazer o que bem entender com o meu próprio corpo.

E ainda tenho que estar sempre linda, depilada e sorridente para cumprir com maestria a função que deus me designou: sair da costela de Adão e enfeitar o mundo.


Porque é essa a concepção que você tem, macho-alfa-que-precisa-mexer-com-uma-mulher-na-rua-para-afirmar-sua-libido.

A partir do momento em que você abre a boca para falar qualquer coisa que seja sobre o corpo da mulher que passa na calçada, você está emitindo uma opinião que ela não pediu.

E que – por favor, me corrija se eu estiver errada – nunca resultou em nada positivo na sua vida: um motelzinho ou um simples beijo na boca que fosse.

Por isso, ouça um bom conselho: há maneiras e maneiras de elogiar uma mulher.

Algumas delas, inclusive, incluem exaltar atributos que não necessariamente estejam ligados à aparência.

Portanto, assim como você pensa na hora de calcular a quantos pontos o seu time está da zona de rebaixamento no Brasileirão, pense também na hora de tentar se aproximar de uma mulher.

Deslizar os olhos por todo o corpo dela e dar-lhe a mesma denominação que você usa para o doce apetitoso da padaria da esquina, definitivamente, não é a melhor tática.

Nenhum comentário: