Bruna Grotti
A cada dia que eu ando na rua sem
fone de ouvido, não sei se me automutilo por tê-los esquecido em
casa ou se agradeço aos céus por saber que, graças ao meu vício
incurável em música, isso acontece menos de uma vez por mês.
Porque é infalível: bastou eu
estar um pouco mais atenta aos sons ao redor para perceber a
enxurrada de xavecos nojentos que eu recebo.
Que variam do clássico “fiu-fiu”,
passando pelo “mas é gostosa, hein?” e terminando em buzinadas
completamente desnecessárias – se a macharada de plantão não
sabe, é bom explicar: a buzina é um artifício sonoro que deve ser
usado com parcimônia para indicar a pedestres ou a outros motoristas
situações iminentes de perigo no trânsito.
E aí me pego pensando: o que eu
tenho de tão diferente assim para chamar tanta atenção quando
simplesmente saio na rua?
E chego à inevitável conclusão de
que, não, eu não tenho uma aura iluminada.
Não, olhar pra mim não cura
ninguém do câncer.
Não, eu não ando sobre as águas.
O que eu e quase metade da população
mundial temos é um duplo cromossomo X.
Que também pode, na maioria das
vezes e muuuuito levianamente falando, ser traduzido por um par de
peitos, acúmulo de gordura na região dos glúteos, uma vagina, um
útero, dois ovários, duas trompas de Falópio e uma enxurrada
hormonal mensal também conhecida como menstruação.
Em suma, sou mulher. Ganho 28% a
menos do que um homem, por mais que nós dois exerçamos a mesma
função e tenhamos as mesmas responsabilidades.
Sou a única moral e judicialmente
condenada caso opte por interromper uma gravidez que foi fruto de uma
relação sexual com um homem.
Sou estuprada a cada 12 segundos no
Brasil – afinal, eu estava de roupa curta e andando sozinha à
noite, né?
Sou promíscua se decido agir de
acordo com o meu desejo e fazer o que bem entender com o meu próprio
corpo.
E ainda tenho que estar sempre
linda, depilada e sorridente para cumprir com maestria a função que
deus me designou: sair da costela de Adão e enfeitar o mundo.
Porque é essa a concepção que
você tem,
macho-alfa-que-precisa-mexer-com-uma-mulher-na-rua-para-afirmar-sua-libido.
A partir do momento em que você
abre a boca para falar qualquer coisa que seja sobre o corpo da
mulher que passa na calçada, você está emitindo uma opinião que
ela não pediu.
E que – por favor, me corrija se
eu estiver errada – nunca resultou em nada positivo na sua vida: um
motelzinho ou um simples beijo na boca que fosse.
Por isso, ouça um bom conselho: há
maneiras e maneiras de elogiar uma mulher.
Algumas delas, inclusive, incluem
exaltar atributos que não necessariamente estejam ligados à
aparência.
Portanto, assim como você pensa na
hora de calcular a quantos pontos o seu time está da zona de
rebaixamento no Brasileirão, pense também na hora de tentar se
aproximar de uma mulher.
Deslizar os olhos por todo o corpo
dela e dar-lhe a mesma denominação que você usa para o doce
apetitoso da padaria da esquina, definitivamente, não é a melhor
tática.
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