Ricardo
Coiro
Antigamente,
irmão, o proprietário da barraca de dogão sonhava em um dia ter um
restaurante pomposo, com ar-condicionado potente e inacessível às
pombas oportunistas da megalópole.
Hoje
o cenário mudou: o dono do restaurante cheio de pompa inveja a vida
nômade e “ótima pra virar coluna em bloghipster” dos que
possuem um food truck (modelo de estabelecimento que, em muitos casos
– NÃO EM TODOS! –,
não passa de uma barraquinha à paisana – e sobre rodas –
geralmente idealizada por algum publicitário de bigode na cara,
blazer jogado no carro e Vans nos pés).
E
saiba que os food trucks vieram para ficar e conquistaram o coração
da galera descolada.
Por
quê? Porque eles têm o mágico poder de agregar despojamento ao ser
que faz um ‘check-in’ neles, em qualquer rede social.
Ainda
não reparou? Não existe nada mais cool do que postar uma selfie ao
lado de um food truck.
Nem
uma selfie com o Al Pacino trajando uma camiseta com a sua cara seria
tão valiosa à sua moral virtual.
Pedir
para o garçom tirar uma foto sua dentro do Terraço Itália agora é
brega, estou avisando! Saiu de moda.
E
se está pensando em fazer uma selfie para retratar a sua visita
suada e dispendiosa a um food truck qualquer, aí vai o meu conselho:
não se esqueça de expor os dedos sujos de óleo.
Óleo
gourmet, claro.
Aliás,
sinto que o mundo dos alimentos acabou dividido, grosso modo, em três
tipos: os que têm “gourmet” no sobrenome, aqueles que são
Friboi e os que ajudam a promover o ganho de massa magra.
Não
acredita? Quando se deparar com um alimento não identificado, comece
fazendo a seguinte indagação: “É Friboi?”.
Se
não for, pergunte se possui whey protein na composição.
Se
a resposta for “não”, você tem grandes chances de estar diante
de uma coxinha gourmet, bolo gourmet, brigadeiro gourmet ou PF
gourmet.
Ou
ainda, na pior das hipóteses, estarão lhe oferecendo a imperdível
chance de pagar por um café gourmet feito com grãos defecados por
uma espécie de mamífero conhecido como “civeta”, que, muito
provavelmente, curte mandar um Activia logo cedo.
Tudo
anda tão gourmet que – se pá – qualquer dia você ouvirá a
seguinte afirmação de uma mina na balada: “Não dá. Eu sou muito
gourmet para você!”.
Malditos
– e geniais – são os publicitários que resolveram chamar a
tilápia vermelha de Saint Peter, para cobrar o dobro, óbvio.
Não
sei se é verdade, mas ouvi dizer que um renomado publicitário, para
vender a própria mãe, arrancou o sobrenome “Silva” da coroa; e
meteu logo um “Châteaubriant” no RG da veia.
Não
duvido.
E
pipoca gourmet então, já ouviu falar?
Se
antes, para comprar um balde de pipoca no cinema, era preciso doar
sêmen até os testículos ficarem com aspecto de ameixa seca,
imagina agora que a pipoca virou gourmet!
Ouvi
dizer que um rim não é suficiente para adquirir um balde pequeno de
pipocas cobertas com azeite trufado e com um toque de flor de sal.
E
pior: o sabor das pipocas gourmets nunca vai superar o gostinho das
pipocas que eram vendidas em portas de colégio – delícias
produzidas pelos mesmos carroceiros que, segundo as nossas mães,
também ofereciam balas recheadas de cocaína. Pura lenda.
Mas
sabe o que mais me incomoda nessa coisa toda?
Algumas
pessoas estão virando gourmets em tempo integral.
O
que, se quer mesmo saber a minha opinião, é chato pra caralho.
Outro
dia chamei um brother para tomar uma.
E
o cara, que antes vivia em botecos sujos, sugeriu que fôssemos a um
bar com carta de cerveja.
Não
o contrariei. “Uma Original, por favor”, pedi ao garçom.
O
meu amigo-gourmet-ostentação quase teve um surto.
Só
faltou dizer: “Você está louco! Vai mesmo beber urina de mendigo
com infecção na uretra?”. Sério.
O
cara ficou inconformado com a minha escolha, e, de tanto me encher,
conseguiu me convencer a pedir outra cerveja.
Eu
ali, morrendo de vontade de beber, e o cara falando do conjunto
malteado e da densidade do creme. Fiquei puto.
Mas
beleza, pedi a tal da cerveja feita por monges belgas e alcoólatras.
Até curti, mas, a meu ver (ver de quem não é gourmet), é muito
cara.
Aí
bateu aquela fome. Sugeri que pedíssemos uma porção de mandioca
frita.
Sabe
o que o cara respondeu? Não harmoniza!
Como
assim não harmoniza? “Harmoniza melhor com carnes de caça e
mariscos!”, ele disse como se eu estivesse prestes a fazer uma
heresia gastronômica.
E
como eu não caço e não sou gourmet, naquele momento, percebi que
não harmonizava mais com o amigo mudado.
Não
dá pra harmonizar com um cara que acha que a existência só é boa
se for vivida em ritmo de degustação.
Como
chamar um cidadão desses para almoçar na casa da minha mãe, por
exemplo?
Não
quero correr o risco de ouvi-lo dizer, à minha coroa: “Mas bife à
milanesa não harmoniza com creme de milho!”. Ou pior: “Nossa,
vocês não têm azeite trufado por aqui?”. Não dá.
Entendo
que saber harmonizar as coisas é interessante, e que, em muitos
casos, deve promover um belo agrado ao paladar. Não sou louco de
contestar isso.
Mas
os tais homens-gourmet, aqueles que encaram a necessidade de
harmonização de maneira extremista e necessária em todas as
situações, parecem ter perdido o controle – e a noção!
E,
em muitos casos, andam por aí obstinados a encontrar harmonização
perfeita para tudo.
Tenho
certeza que eles não compram carro flex porque creem que álcool não
harmoniza legal com gasolina.
E
imagino que eles, quando encontram uma perereca ruiva, dizem: “Não
vai rolar, seus pelos vermelhos não harmonizam com os meus negros!”.
Porra,
aí fode a vida. Só a vida, né? Pois qual mulher quer passar o dia
todo ao lado de um cara que tem o TOC da harmonização?
Não
quero que pensem que sou contra os food trucks, coisas gourmets e
harmonizações.
Já
fui feliz em food trucks, confesso. Já experimentei – e gostei! –
de quitutes gourmets, e, acredite, em uma harmonização de queijos&
vinhos, eu realmente consegui perceber a magia que acontece quando
harmonizamos vinhos com a incontrolável vontade de beber.
Só
acho que, em todos os itens que acabei de citar, estão exagerando na
dose.
Em
alguns casos para justificar preços abusivos e fazer com que nos
sintamos menos trouxas por pagar mais de cinco reais em algo que, há
três anos, no máximo custava dois.
Noutros
para fazer o consumidor acreditar na existência de diferenciais que,
na verdade, não passam de disfarces. Ou qualquer gota de algo
trufado. Saca?
Agora
peço licença, pois preciso harmonizar uma Coca-Coca com um misto
feito naquela chapa que, no final do dia, contém notáveis
resquícios do tempero de todos os lanches que passaram por lá desde
que a padoca abriu, em 1984.
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