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segunda-feira, setembro 08, 2014

O tiro no próprio pé


Ricardo Coiro
Quantas vezes você já ouviu alguém falar – ou escrever – algo sobre as dores que o machismo causa nas mulheres? Muitas, certo?
Eu também já ouvi – e li – inúmeras argumentações sobre as facadas (não apenas as que furam a pele, mas também aquelas que rasgam a alma) que a cultura machista desfere nas moças.
Porém, infelizmente, pouco ouvi sobre os incontáveis males que o machismo gera aos machos.
Você já ouviu? Já leu algo sobre? Já refletiu a respeito? Não? Então acho que chegou a hora de escrever algo relacionado ao impacto negativo – e às vezes imperceptível – que o machismo tem na vida dos homens em contato com a cultura que hoje predomina em nossa sociedade, ou seja, quase todos.
E se você, irmão, está achando que eu precisarei forçar a barra e inventar exemplos irreais para provar que os homens, além de parcialmente responsáveis pela propagação e perpetuação do machismo, também sofrem com os efeitos danosos de tal cultura – ou doença –, prepare-se! Porque nas próximas linhas eu provarei que o machismo é o culpado (direto ou indireto) por muitas das dores que você sente, e que, até hoje, ninguém soube informar por qual motivo ocorrem.
Antes mesmo de tirar a cueca e colocar o pau para fora, meu caro, uma voz – geralmente em tom imperativo – começa a lhe dizer coisas como: “Você precisará ficar duro como uma rocha!”, “Você – para que ela não duvide do seu potencial – terá que dar duas sem tirar!”, “Se ela não gozar você será considerado um inútil!”. Estou certo?
E sabe como eu sei das coisas que acontecem em sua mente, mesmo em um momento tão íntimo? Sei, pois já ouvi – e às vezes ainda ouço – as mesmas vozes que você! E não apenas as ouço, irmão, eu também me sinto pressionado por elas.
E por que ouvimos essas vozes malditas? Ouvimos porque sofremos grande influência de uma cultura na qual os galãs dos filmes nunca broxam, os tios discursam como se nunca tivessem deixado uma mulher insatisfeita e os filmes pornôs nos fazem acreditar que o macho de verdade deve transformar o sexo em um esporte de resistência. Não é mesmo?
Ouvimos essas ordens interiores porque estamos imersos em uma cultura que não dá ao homem o direito de não querer transar, por exemplo. E mesmo que, às vezes, você queira trocar o sexo por um bom DVD, você se sentirá impelido a comparecer, endurecer e fazê-la gozar, e endurecer de novo, like a sex machine. Pois homem que é homem está sempre pronto pra guerra, ou melhor, pra foda.
Não é isso que dizem por aí? Porém, nem sempre é isso que o nosso corpo quer. Mas o machismo está nem aí para o que o nosso corpo quer ou deixa de querer, pois homem que é homem, irmão, trepa até quando não quer, só para provar que é homem. Quanta besteira, né?
Sexo não é obrigação, e, muito menos, é algo que devemos fazer para provar a nossa potência ou virilidade. Entretanto, é exatamente isso que o machismo nos faz achar. E é aí que começa um grande problema: logo percebemos que somos biologicamente incapazes de igualar as performances (dignas de bicho no cio ou máquina 4x4) que o machismo vive a dizer que PRECISAM ser realizadas por qualquer homem que deseja ser visto como homem.
E, obviamente, nos sentimos frustrados ou menores. E pior: nos sentimos inferiores a maioria dos homens que, com medo de serem considerados menos homens, vivem a dizer (mentir) que dão três sem tirar, que nunca deixaram uma mulher insatisfeita e que não chegaram nem perto de broxar.
A cultura machista glorificou – e continua a glorificar – a figura de um homem que, em vários aspectos, não é aquele que somos, desejamos ou podemos ser, mesmo se quisermos.
E hoje, em pleno século XXI, até no instante que precede a morte, nos forçamos a reter as lágrimas e os sentimentos, e a agir com a frieza dos mocinhos do faroeste. Porque chorar, de acordo com o machismo, não é coisa de homem.
E assim, muitas vezes, em uma tentativa idiota de não mostrar aquilo que sentimos, nós, homens, implodimos. Ou bebemos para anestesiar a dor, porque é isso (beber até cair) que homem faz; não é? Mesmo que faça mal.
Nós, machos (como insistem em dizer que devemos ser), desde a escolinha, nos sentimos obrigados a esconder a dor de um joelho ralado e a calar as palavras que vêm do nosso coração.
“Isso é coisa de menininha!”, costumamos pensar, antes de respirar fundo e de engolir, a seco, o que sentimos vontade de expressar.
“Isso é coisa de macho!”, é o que se passa na cabeça do moleque que, mesmo com medo das consequências da briga, parte para a porrada - só para provar ao mundo que nada tem de covarde.
O mesmo machismo que não dá espaço às mulheres, meu caro, faz com que os homens se sintam obrigados a ocupar um espaço que, muitas vezes, não está nos planos nem nas vontades deles.
O mesmo machismo que diz que a mulher, mesmo se quiser, não tem direito de transar com vários homens, também faz com que muitos homens, mesmo quando não querem, aceitem uma transa, com medo de serem vistos como os fracassados que negam fogo.
O mesmo machismo que coloca a mulher em posições profissionais inferiores, irmão, também faz com que muitos homens se sintam mal por ganharem menos do que as esposas. Percebem o quanto o machismo também faz mal – e muito – aos machos?
Por isso, irmão, se você é do tipo egoísta – e idiota – que só muda quando algo afeta diretamente – e de maneira negativa – a SUA vida, agora você já tem um ótimo motivo para repensar nas suas atitudes e, finalmente, começar a ajudar na construção de um mundo no qual, independente das diferenças de gênero, todos poderão fazer, sem olhares feios e punições veladas, somente aquilo que querem.

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