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segunda-feira, setembro 15, 2014

Cajuína sem retoques ou rebotalhos



Marcelo Amorim

O suco do caju é filtrado. Acrescenta-se gelatina para a retirada da “trava” natural da fruta. Em seguida, o líquido é clarificado. 

A cor dourada vem da caramelização dos açúcares naturais. 

Eis a cajuína, bebida típica do Piaui, mas que – é o que se diz – foi criada pelo cearense Rodolfo Teófilo, farmacêutico e escritor que morreu em Fortaleza em 1923.

O texto a seguir, de autoria do Caetano Veloso, extraí do blog do meu amigo Giovanni Soares (http://noticiasdapauliceia.blogspot.com/). Caetano conta como nasceu sua bela “Cajuína”.

Eu conhecia uma outra versão pra essa gênese, mas o Giovanni é baiano, sabe das coisas e sabe de música. Não bastasse isso, a explicação saiu do próprio autor da canção. Tomo a outra como lenda, então, e pronto. Em tempo: cajuína é uma delícia!

Com a palavra, Caetano Veloso:

Numa excursão pelo Brasil com o show Muito, creio, no final dos anos 70, recebi, no hotel, em Teresina, a visita de Dr. Eli, o pai de Torquato [Neto]. Eu já o conhecia pois ele tinha vindo ao Rio umas duas vezes. Mas era a primeira vez que eu o via depois do suicídio de Torquato.

Torquato estava, de certa forma, afastado das pessoas todas. Mas eu não o via desde minha chegada de Londres: Dedé e eu morávamos na Bahia e ele, no Rio (com temporadas em Teresina, onde descansava das internações a que se submeteu por instabilidade mental agravada, ao que se diz, pelo álcool).

Eu não o vira em Londres: ele estivera na Europa, mas voltara ao Brasil justo antes de minha chegada a Londres. Assim, estávamos de fato bastante afastados, embora sem ressentimentos ou hostilidades. Eu queria muito bem a ele. Discordava da atitude agressiva que ele adotou contra o Cinema Novo na coluna que escrevia, mas nunca cheguei sequer a dizer-lhe isso.

No dia em que ele se matou, eu estava recebendo Chico Buarque em Salvador para fazermos aquele show que virou disco famoso. Torquato tinha se aproximado muito de Chico, logo antes do tropicalismo: entre 1966 e 1967. A ponto de estar mais frequentemente com Chico do que comigo.

Chico e eu recebemos a notícia quando íamos sair para o Teatro Castro Alves. Ficamos abalados e falamos sobre isso. E sobre Torquato ter estado longe e mal. Mas eu não chorei. Senti uma dureza de ânimo dentro de mim. Me senti um tanto amargo e triste mas pouco sentimental.

Quando, anos depois, encontrei Dr. Eli, que sempre foi uma pessoa adorável, parecidíssimo com Torquato, e a quem Torquato amava com grande ternura, essa dureza amarga se desfez. E eu chorei durante horas, sem parar. Dr. Eli me consolava, carinhosamente. Levou-me à sua casa.

D. Salomé, a mãe de Torquato, estava hospitalizada. Estão ficamos só ele e eu na casa. Ele não dizia quase nada. Tirou uma rosa-menina do jardim e me deu. Me mostrou as muitas fotografias de Torquaro distribuídas pelas paredes da casa. Serviu cajuína para nós dois. E bebemos lentamente.

Durante todo o tempo eu chorava. Diferentemente do dia da morte de Torquato, eu não estava triste nem amargo. Era um sentimento terno e bom, amoroso, dirigido a Dr. Eli e a Torquato, à vida. Mas era intenso demais e eu chorei. No dia seguinte, já na próxima cidade da excursão, escrevi Cajuína.”

Cajuína (Caetano Veloso)

Existirmos: a que será que se destina?
Pois quando tu me deste a rosa pequenina
Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
Do menino infeliz não se nos ilumina
Tampouco turva-se a lágrima nordestina
Apenas a matéria vida era tão fina
E éramos olharmo-nos intacta retina
A cajuína cristalina em Teresina

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