Maria João Marques
Queria escrever sobre a mais recente polémica com o Facebook:
empresa tão moderna, tão hipster, tão tecnológica, tão universo-aos-nossos-pés
que não deixa as senhoras que lá trabalham vestirem-se de forma sexy. A
propósito disso fui reler as notícias de Tim Hunt, o Nobel que acha uma maçada
as mulheres cientistas: que os cientistas e as cientistas apaixonam-se e as
mulheres choram quando são criticadas. Aqui, apanhei a verborreia de V.S.
Naipaul sobre mulheres escritoras, vi tudo encarnado e decidi alargar o arco
deste texto.
A saber: a mania que alguns egos masculinos têm de que a
forma de agir, de trabalhar, de pensar, de escrever, de o que quer que seja
masculina é a forma correta, o padrão, a ordem natural do mundo funcionar. E
que a maneira feminina – e sim, eu voto sempre na existência de diferenças entre
os sexos e nunca na igualdade intrínseca entre os xy e as xx (o que é muito
diferente de assumir que há papeis, profissões, talentos predeterminados para
cada sexo) – é um desvio à norma, fruto de emoções desordenadas e
irracionalidades várias, sobretudo algo que as mulheres têm de corrigir se
querem ser levadas a sério pelos guardiães da seriedade (também conhecidos como
elementos do sexo masculino).
Este padrão masculino vai ao ponto das alucinações de
Naipaul: a maneira de escrever certa e com qualidade é a masculina. O curioso é
que este tipo de opiniões é levado a sério ou, pelo menos, reproduzido sem ser
em tom de escárnio em jornais decentes. Quando merecia a zombaria que
oferecemos a sugestões estrambólicas como a de retirar dos cursos de literatura
as obras dos escritores masculinos, brancos e das potências colonizadoras. Os
maluquinhos esquerdistas americanos querem extirpar os cursos de Shakespeare e
Chaucer.
Naipaul, porventura com o ego insuflado de que padecem os
temperamentos artísticos e políticos, como aqui bem ilustrou Paulo Tunhas,
opina que a escrita de Jane Austen ou das Brontë ou de George Eliot é ‘unequal
to him’ (vá, vamos todos desmaiar ao mesmo tempo de comoção pelo tamanho do
talento másculo de Naipaul).
Eu percebo que um homem goste mais do estilo literário de
outro homem. Eu, (não) por acaso, tendo a apreciar mais a escrita feminina.
Venero Thackeray e Evelyn Waugh e P.G. Wodehouse e Somerset Maugham, ando atrás
de Julian Barnes e Peter Carey e disputo quem quer que diga que em Portugal há
quem escreva melhor que o Bruno Vieira Amaral (que até sobre futebol é bom de
ler).
Mas, e estou pronta a constituir uma claque literária feminina, pegando
por exemplo nos colegas nobelizados de Naipaul, os meus Nobel da literatura
preferidos são Alice Munro e Doris Lessing. Munro – além de um talento para
juntar umas palavras às outras que Naipaul invejaria se tivesse juízo – tem uma
escrita, pela forma e pelos temas, que nunca viria de um homem. E o machismo da
gente esclarecida dos movimentos comunistas anticoloniais que é descrito por
Lessing dificilmente seria relatado no masculino.
O que V.S. Naipaul diz – sonsamente – é que o ponto de vista
feminino só tem lugar na grande literatura se for apresentado (e distorcido)
por um homem. Em boa verdade, as mulheres, se fossem inteligentes, tratariam de
imitar as figuras femininas idealizadas pela literatura masculina. Esta mania
de decidirmos por nós como somos, em vez de aceitar a recomendação masculina,
será a nossa perdição.
O pior é que o padrão masculino não se fica pela literatura.
Na empresa Facebook, segundo o folclore, as indumentárias são informais e os
homens trabalham de calções e t-shirt. É o melhor dos mundos: os homens estão
cómodos e as mulheres – como vários escritores masculinos já asseveraram – são
seres assexuados incapazes de perderem uns minutos dos seus dias a escrutinar
um agradável par de pernas do sexo oposto visíveis debaixo de uns calções.
Já
os homens, pobres almas, têm de ser protegidos deles próprios e das distrações
causadas pelas minissaias e decotes femininos. Como os homens são impetuosos e
não se conseguem conter – os escritores masculinos (e os extremistas islâmicos
também) garantem que sim – têm de mudar as mulheres para acomodar o mundo às
necessidades masculinas.
Nos laboratórios de investigação, como Tim Hunt escancarou,
os contributos das mulheres são vistos (pelos ‘porcos chauvinistas’, como
orgulhosamente se apresentou) como menores que os constrangimentos que a
interação entre os sexos causa ao trabalho dos verdadeiros cientistas: os xy.
Acho também piada ao mito do choro feminino. É ver nas redes sociais e na
comunicação social como as mulheres são imensamente mais criticadas e
insultadas pelos valentes que se escondem atrás do teclado do computador; e como
somos inundadas de lixo sexista constantemente. Nunca dei por ataques de choro.
Já tantos homens – como Tim Hunt – quando levam como resposta a liberdade de
expressão daquelas que, fazendo uso dessa mesma liberdade de expressão,
ofenderam, correm a vitimizar-se e a dizerem-se mártires do feminismo
fundamentalista e do politicamente correto.
E, por fim, vemos o mesmo na política. Hillary Clinton.
Péssima política, deve a carreira ao marido – é proibido dizer o contrário. E
com essa característica imperdoável numa mulher decente: é ambiciosa. O desejo
de poder e de dinheiro está, com abundante ‘grande’ literatura masculina a
argumentar para este lado, reservado aos homens e às pérfidas vamps dos
romances oitocentistas.
Não interessa nada que muitos herdeiros políticos
tenham falhado – Ted Kennedy, Jeb Bush,… –, que as vitórias tenham sido
engendradas pela própria e que os escândalos sexuais de Bill Clinton sejam um
flanco fácil de atacar. Hillary é mulher, faz discursos que são o cúmulo da
sanidade numa campanha de candidatos que parecem alimentados a alucinogénios,
pelo que é péssima.
Já um trauliteiro com expressão verbal sub-humana, que se
vê como o principal tema das eleições presidenciais (e do universo), nos
discursos passa três quartos do tempo a referir as audiências que trouxe aos
programas onde participa e a insultar os jornalistas que o criticaram – esse,
bem, é um génio político que vai revolucionar a política mundial.
Descansem em paz, neurónios.
Fonte: site Observatorio.PT
Nenhum comentário:
Postar um comentário