O jornalista Bianor Garcia havia ficado irritado com o pífio
número de grupos inscritos no ano anterior e tinha na ponta da língua o
responsável por aquele estado de coisas: a famigerada Comissão Amazonense de
Folclore (CAF).
Na reunião preparatória do evento, que acontecia no começo
de janeiro, o jornalista abriu o jogo. Sim, ele aceitaria de bom grado
organizar de novo o festival, mas desde que fosse com as regras de antes: ele
próprio indicaria os grupos participantes, haveria disputas entre os grupos por
categoria e os vencedores ganhariam uma premiação em dinheiro.
Depois de acaloradas discussões na redação do jornal, Bianor
Garcia venceu a parada. Ele teria carta branca para agir e uma boa retaguarda
para defendê-lo de possíveis retaliações da CAF.
Empolgado, o jornalista garantiu que iria escalar para a
festa, no mínimo, 120 grupos folclóricos, num total de mais de 15 mil brincantes, na
“maior passeata folclórica da história do Brasil” e se comprometeu a começar a
procurar os dirigentes dos grupos folclóricos depois do carnaval.
As inscrições seriam abertas na segunda quinzena de abril e se encerrariam na primeira quinzena de junho.
Infelizmente, ele não teve tempo de poder exibir as cartas que trazia na manga.
Infelizmente, ele não teve tempo de poder exibir as cartas que trazia na manga.
Na madrugada do dia 31 de março de 1964, um golpe militar foi
deflagrado contra o governo legalmente constituído do presidente João Goulart
(PTB). A falta de reação do governo e dos grupos que lhe davam apoio foi
notável. Não se conseguiu articular os militares legalistas. Também fracassou
uma greve geral proposta pelo Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) em apoio ao
governo.
Em busca de segurança, João Goulart viajou no dia 1º de
abril do Rio, para Brasília, e em seguida para Porto Alegre, onde Leonel
Brizola tentava organizar a resistência com apoio de oficiais legalistas, a
exemplo do que ocorrera em 1961. Apesar da insistência de Brizola, Jango
desistiu de um confronto militar com os golpistas e seguiu para o exílio no
Uruguai, de onde só retornaria ao Brasil para ser sepultado, em 1976.
Antes mesmo de Jango deixar o país, o presidente do Senado,
Auro de Moura Andrade, já havia declarado vaga a presidência da República. O
presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, assumiu interinamente a
presidência, conforme previsto na Constituição de 1946, tal como já ocorrera em
1961, após a renúncia de Jânio Quadros. O poder real, no entanto, encontrava-se
em mãos militares.
No dia 2 de abril, foi organizado o autodenominado “Comando
Supremo da Revolução”, composto por três membros: o brigadeiro Francisco de Assis
Correia de Melo (Aeronáutica), o vice-almirante Augusto Rademaker (Marinha) e o
general Artur da Costa e Silva, representante do Exército e homem-forte do
triunvirato. Essa junta permaneceria no poder por duas semanas.
Nos primeiros dias após o golpe, uma violenta repressão
atingiu os setores politicamente mais mobilizados à esquerda no espectro
político brasileiro, como, por exemplo, o CGT, a União Nacional dos Estudantes
(UNE), as Ligas Camponesas e grupos católicos como a Juventude Universitária
Católica (JUC) e a Ação Popular (AP).
Milhares de pessoas foram presas de modo irregular, e a ocorrência de casos de tortura foi comum, especialmente no Nordeste.
Milhares de pessoas foram presas de modo irregular, e a ocorrência de casos de tortura foi comum, especialmente no Nordeste.
O líder comunista Gregório Bezerra, por exemplo, foi
amarrado na traseira de um jipe militar e arrastado pelas ruas de Recife, como
se fosse um boi a caminho do matadouro.
A junta baixou um “Ato Institucional” – uma invenção do
governo militar que não estava prevista na Constituição de 1946 nem possuía
fundamentação jurídica. Seu objetivo era justificar os atos de exceção que se
seguiram. Ao longo do mês de abril de 1964 foram abertos centenas de Inquéritos
Policiais-Militares (IPMs).
Chefiados em sua maioria por coronéis, esses inquéritos
tinham o objetivo de apurar atividades consideradas subversivas. Milhares de
pessoas foram atingidas em seus direitos: parlamentares tiveram seus mandatos
cassados, cidadãos tiveram seus direitos políticos suspensos e funcionários
públicos civis e militares foram demitidos ou aposentados.
Entre os cassados, encontravam-se personagens que ocuparam
posições de destaque na vida política nacional, como João Goulart, Jânio
Quadros, Miguel Arraes, Leonel Brizola e Luís Carlos Prestes.
Dos políticos amazonenses, o então deputado federal Gilberto
Mestrinho (PST-RR) foi o primeiro a ser cassado. Ele sustentava ser vítima de
revanchismo pessoal do general Muniz de Aragão, ex-comandante da Guarnição
Federal de Manaus (GFM).
Na eleição de 1962, quando apoiava a candidatura de Plínio
Coelho, Mestrinho teve uma altercação com o general no meio da rua, por causa
de um comício da oposição, e prometeu que ele seria afastado da região.
Dito e feito: a pedido de Mestrinho, o presidente João
Goulart mandou prender e remover o general. O general de fato foi transferido,
mas nunca foi preso. De Manaus, ele foi exercer a função de chefe de
Estado-Maior do 4º Exército, comandado pelo general Castelo Branco.
A vingança, segundo Mestrinho, viria após o golpe. O general
Aragão teria incluído o nome dele, à caneta, na primeira lista dos 100
cassados.
Cunhado de Gilberto Mestrinho, o advogado, jornalista e
deputado estadual Arlindo Porto (PTB), ex-presidente da Assembleia Legislativa
do Amazonas, nem precisou esperar pela fúria dos militares: ele foi cassado
pelos seus próprios pares – em um caso inédito e vergonhoso nos anais políticos
da história do Brasil – e ficou detido por 128 dias em um quartel do Exército,
em Manaus.
O jornalista Bianor Garcia não era político, mas era muito
próximo de Gilberto Mestrinho e lidava com milhares de pessoas no período do
festival. E se, de repente, os militares encasquetassem que ele era um
potencial subversivo?
O jornalista preferiu se afastar da ribalta e entregar a
organização do festival para um triunvirato formado pelos jornalistas Luiz
Verçosa, Philiphe Daou e Milton Cordeiro.
A nova Comissão Organizadora resolveu seguir as linhas
mestras traçadas por Bianor Garcia, ou seja, não dar a menor pelota para as
recomendações da kafkiana CAF.
Sem saber ainda que Bianor Garcia havia se afastado da
organização do festival, Mário Ypiranga Monteiro resolveu ir à forra, com o
único objetivo de satanizar o ex-coordenador do festival.
No dia 23 de maio, sábado, no editorial “Paleio no Copiar”
do Jornal de Folclore nº 40, ele lançava uma série de indiretas e diatribes
contra uma suposta inautenticidade dos grupos folclóricos da cidade e não
poupava das críticas sequer o saudoso Bruno de Menezes, falecido no ano
anterior:
Aproxima-se
o mês de junho, mês das maiores tradições populares no Amazonas. Podemos assegurar
que essas tradições populares surgem ao ensejo do descobrimento dos rios das
Amazonas para a Europa. Com quatro séculos e um quarto de conhecimento, as
levas de conquistadores implantaram os seus usos e costumes na região, mas não
conseguiram eliminar completamente as tradições nativas, que se firmaram de um
lado pela excedência populacional e influência vertical da língua e dos
costumes. Podemos contar com quatro séculos de efetiva movimentação do nosso
folclore, principalmente nativo, folclore este que recebeu a suplementação
europeia e mais tarde a mestiça, de outras regiões do Brasil.
Esse
folclore se desenvolveu até poucos anos sem intromissão de leigos, sem a
participação direta e indevida de pessoas não autorizadas culturalmente para
dirigi-lo e orientá-lo. Isto significa em termos mais claros que o nosso
folclore foi autêntico e espontâneo até quando não submetido a duras
experiências de interessados e interesseiros, passando vertiginosamente a
constituir mistificações quando manipulado frontalmente pelos que, não possuindo
nem cultura nem experiência, se atiram numa aventura cujo fim não é difícil de
prever.
Salva-se
desse descalabro uma meia dúzia de grupos que, por serem tradicionais, ainda
guardam certa harmonia, uma linha de tradição, que se vai aos poucos deixando
corromper. Há muitos desgostosos, muitos atribulados, mesmo elementos que
reagem dignamente contra injustiças, contra coações, contra privilégios. Em
matéria de folclore o que se deseja é plenitude, autenticidade, espontaneidade.
Esse ano, por exemplo, muitos grupos folclóricos deixarão de circular por
causas várias que serão analisadas mais tarde. E vão aparecer grupos que absolutamente
possuem tradição no Amazonas, nem sequer mesmo poderão apresentar-se à altura de
corresponder à verdade. Não vamos ajuizar muito a fundo o problema. Deixaremos
para quando terminar a estação junina.
O que
se nota realmente é um fracasso coletivo na tradição. Já sabemos que bois,
tribos, etc, deixarão de aparecer por falta de estímulo e de ajuda financeira
condigna. Muitos outros grupos não aparecerão por falta de quem os oriente e
ensine. A Comissão Amazonense de Folclore tem sido procurada constantemente
para resolver esse problema, mas, desde que, situada numa posição de
observação, eximiu-se de qualquer responsabilidade. Não dá mesmo nenhuma
contribuição, pois a sua linha de conduta, honesta e científica, não lhe
permite mais envolver-se em problemas atuais que estão criando problemas
futuros. Sendo assim, o que se vai ver este ano em matéria de folclore
autêntico, reduz-se apenas a bumbás, tribos e pássaros. O resto é pura
mistificação. E note-se que até os genuínos grupos folclóricos de Manaus já
estão se distanciando do autêntico, perdendo gradativamente a beleza radical.
Em
compensação, aumentou desproporcionalmente o número de “quadrilhas”, que de
quadrilhas só portam mesmo o nome. Nenhuma delas garante autenticidade. E não
culpamos aos ensaiadores. Não. Culpamos, sim, àqueles que, ignorando o que seja
folclore, se intitulam orientadores. Há poucos dias, ao ensejo da apresentação,
parece, dos discos Colúmbia, um radialista estava aconselhando os interessados
em festas juninas a adquirirem o disco de uma daquelas quadrilhas marcadas pelo
cômico Zé Trindade! Isto é fazer folclore! Deveria haver pelo menos um certo
policiamento, uma autocrítica, uma cautela ao abordar o assunto. Exemplo de
como certa gente entende de folclore foi a “lição” que um pseudofolclorista
morto o ano passado, deu a respeito do boi-bumbá. Perguntado o porquê da
denominação “bumbá”, respondeu ele com segurança: que era porque o boi caía:
“bumba!”
Estamos
repetindo sempre que o folclore é uma ciência, e que uma ciência não pode
servir de pretexto para projeções de nomes, a não ser quando esses homens são
de fato honestos cultores dela. Improvisar-se folclorista é cursar a borda de
um precipício. O tal que o faz seria incapaz de resistir a cinco minutos de
debates, acabaria desmoralizado, confundido. Esse é o caminho que conduz o
mistificador a projeções lábeis.
No mesmo boletim, no artigo intitulado “Cordão de Índios”,
as bordoadas de Mário Ypiranga Monteiro eram dirigidas aos alunos da Escola
Técnica de Manaus:
Em
1953, exibiu-se em Manaus o Cordão dos Índios Aimorés, proveniente da cidade de
Tefé, dirigido pelos cidadãos Ambrósio e Fares Saddo. A cidade de Tefé nos tem
proporcionado muito folclore e portadores dele, radicados aqui desenvolveram
suas atividades não encontrando grande receptividade. Desse antigo Cordão dos
Aimorés originou-se o atual Tarianos, que foi ensaiado pelo Ambrósio e pelo Saddo
no Beco do Macedo. Agora é ensaiado pela rapaziada da Escola Técnica. Ano
passado fui obrigado a dirigir uma crítica a esse cordão, que deixou a tradição
para um lado e meteu um lundu muito mal apresentado. Vamos ver se esse ano os
Tarianos circulam com o programa completo. Naquele tempo, os Aimorés possuíam
mais autenticidade e maior brilhantismo, estando em decadência quando passou a
ser ensaiado por outros elementos. A tradição deve ser mantida. Nisso é que
está a beleza intrínseca do folclore.
Nesse
grupo dança-se o cacetinho, item que verdadeiramente não é nosso, não é dos
índios legítimos, mas apenas uma assimilação. A parte do cacete é europeia,
dançando-se em Portugal pelos conhecidos “pauliteiteiros”. Dança-se também em
outras regiões da América do Sul. O que também não é nosso são as partes
conhecidas como “paima” e “laços”, de origem europeia. Também a versão dos
Tarianos, letra da cantiga, é daqui mesmo de Manaus, pois o original é
diferente. Isto aparentemente não tem muita importância, pois um motivo
folclórico pode ter várias versões. A parte chamada “tipiti”, que já se tornou
fabulosamente conhecida, e é dançada pelo mesmo grupo, foi também anexada ao
mesmo e é dançada por quase todos os povos do mundo, europeus, asiáticos e
americanos. Era dançada pelos índios do México e conhecida como “dança do sol”.
A primeira vez que a vi dançar foi na povoação de Carvoeiro, há mais de trinta
anos, antes, portanto, de aparecerem os grupos Aimorés e Tarianos.
Entre
nós não é respeitada a tradição como se vê, por exemplo, no Rio Grande do Sul,
onde é conhecida por “pau de fitas”, como na Europa, ou “palo de tranzas”, nas
regiões de fala espanhola. Tipiti é, todavia, uma denominação que soa bem e
está concorde com a técnica de trançar fitas semelhante ao famoso tipiti.
Depois que o Colégio Estadual do Amazonas divulgou mais acertadamente a dança
com os passos originais, menos dois que são mais difíceis, o Tipiti alcançou
grande popularidade entre os manauenses.
Os
grupos folclóricos possuídos de tradição é que deveriam marcar presença nos
Festivais, para serem vistos, e não as marmeladas que com o título de folclore
são apresentadas, como, por exemplo, as quadrilhas sem pé nem cabeça e as
danças suspeitas com títulos arrivistas. Estamos muito longe de manter fielmente
uma nota técnica. A prova está nesse grupo que escolhemos para referir hoje. Se
houvesse uma direção capaz, a primeira coisa a usar-se era a cabeça, no sentido
de provocar uma reconstituição honesta dos grupos desaparecidos de Manaus.
No
caso dos Aimorés, com o seu programa perfeito, a sua exibição ritualística.
Naquele tempo, que eu me lembre, os índios se ataviavam modesta, mas
originalmente, não usando plumas de espanadores, mas penas reais de aves.
Praticavam como se estivessem em plena sociedade local, usando de uma exigente
disciplina, de recursos que lhe davam mais valor do que qualquer outro grupo.
Igual a esses só conheci a Tribo dos Manauaras, que deixou de circular por
motivos que conhecemos. Assim vão desaparecendo os mais perfeitos e mais belos
motivos folclóricos da cidade, só resistindo aqueles que por motivos vários se
apegam à tradição. Mas nem esses resistirão. O que falta para garantir-se a
presença dos genuínos grupos folclóricos? Que respondam os que se tornaram
responsáveis diretos pelo desgosto de uns, desarmonia de outros, etc.
No dia 5 de junho, sexta feira, o matutino O Jornal publicou
uma matéria intitulada “Povo prestigia com vibração e entusiasmo a festa do
Amazonas”:
Em
todos os bairros e em muitas artérias do centro da cidade, há ensaios, grupos
cantam e dançam, preparando-se para o desfile de abertura e para as suas
exibições durante o fabuloso VIII Festival Folclórico do amazonas, soberba
realização de O Jornal e Diário da Tarde. O monumental certame será inaugurado,
com todas as pompas do estilo, no dia 14, reunindo cerca de 8 mil brincantes,
vestidos tipicamente e distribuídos em 52 diferente grupos folclóricos,
desfilarão sob os vivas e calorosos aplausos do nosso povo que, em massa, como
nos anos anteriores acorrerá ao Estádio General Osório, prestigiando,
fortemente, a sua maior festa inteiramente a céu aberto.
Só
Deus sabe o que tem sido a sua efetivação. Exatamente, por isso, como certame
que resulta do esforço e do sacrifício que resulta do esforço dos que desejam a
alegria da população, o VIII Festival será muito maior e mais vibrante, que os
dos anos anteriores. Com certeza a coletividade manauara o prestigiará com
todas as forças do seu entusiasmo.
O VIII
Festival tem o apoio do Governo do Estado, da Prefeitura de Manaus, da
Companhia de Eletricidade de Manaus (CEM), do industrial João Furtado, da
Serraria Rodolfo, do Grupamento de Elementos de Fronteira (GEF) e da Guarnição
Federal de Manaus (GFM). E, sobretudo, conta com a solidariedade dos grupos
folclóricos e o estímulo do nosso povo. Há de se coroar, por isso mesmo, de
êxito.
AUXÍLIOS
– Os auxílios concedidos pelo Governo do Estado aos grupos folclóricos para
ajuda-los na confecção de suas vestimentas serão pagos a partir de hoje,
segundo nos garantiu o secretário de Finanças, dr. Mário Jorge Couto Lopes. Os
que ainda não receberam seus ofícios devem fazê-lo em nossa redação. Em nosso
poder encontram-se os ofícios de auxílio do conjunto do Educandário Gustavo
Capanema, do Maracatu de Pernambuco, do Balé Folclórico Japonês, Dança Regional
do Instituto de Educação do Amazonas, Dança Regional da Escola Comercial Sólon
de Lucena, Dança Regional Cantigas Infantis, Dança Regional do Arara, Tribo dos
Tarianos, Quadrilha Rancho Alegre e Dança Regional Desfeiteira.
ANDIRÁS
– O “tuxaua” Carlito Souza, sobre a sua afinada Tribo dos Andirás, prestou-nos,
ontem, os seguintes esclarecimentos: “A Tribo dos Andirás, antigamente
localizada no rio Andirá, no município de Barreirinha, pertence à grande
família dos Maués, que habitava com os Mundurucus, a Mundurucânia, ou seja, a
grande ilha Tupinambarana. A nossa Tribo dos Andirás se constitui apenas numa
reconstituição da tribo do rio Andirá, de origem Maués. Muitas das cenas que se
passam são originais. Os instrumentos musicais e de dança vieram diretamente da
Ponta Alegre, no rio Andirá, adquiridas pelo professor Mário Ypiranga Monteiro.
Da festa da “tucandira” foi omitida apenas a “dança real” e os versos, o
porantim ou remo mágico dos Maués ou Andirás, zarabatana, cartucheira, gambá,
curupira, luvas para a dança da tucandira, mauáco, o apito mágico. O ritual da
tucandira e o do cipó são reais, bem como a luva onde os moços dão a prova de
virilidade. Os cantos são de inspiração nossa, mas a língua geral é
verdadeiramente autêntica.”
SÁBADO
– REUNIÃO OBRIGATÓRIA – Sábado, às 16 horas, haverá reunião para todos os
dirigentes dos grupos folclóricos inscritos no VII Festival Folclórico,
oportunidade em que serão sorteados os lugares para o desfile de abertura e
encerramento, bem como a tabela para as noitadas de apresentação.
CUNHANTANS
PURANGAS – A Quadrilha Cunhantans Puranga estará à noite de amanhã reunindo
seus brincantes, no sentido de realizar mais um ensaio para adestrar com afinco
o seu conjunto, a fim de conquistar o tão almejado título de campeão. Este ano
novos passos serão introduzidos na Quadrilha Cunhantans Purangas, daí a
seriedade dos ensaios.
CAPRICHOSO
– O tradicional bumbá Caprichoso estará no sábado, dia 6, realizando o seu
ensaio geral, preparando-se para a grande festa de abertura do próximo dia 14.
O Caprichoso desponta como um dois mais sérios concorrentes ao título de
campeão dos bumbás. Com novas toadas e belas fantasias, contando com um grande
número de brincantes, o caprichoso não teme qualquer concorrente. Sábado, no
grande ensaio geral, todos os brincantes estarão presentes. Para dar maior
brilho e entusiasmo, também serão mostradas as novas fantasias.
CAIÇARAS
NA ROÇA – Pela primeira vez disputando o título de quadrilha mirim, Caiçara na
Roça vem treinando assiduamente, disposta a superar os seus rivais. Muito bem
orientada, a quadrilha mirim Caiçaras na Roça reúne todas as características de
um conjunto que poderá brilhar no VII Festival Folclórico.
CIRANDA
– O grupo regional Ciranda, formada por alunos da Escola Comercial Sólon de
Lucena, em virtude da falta do ensaiador José Silvestre, o qual é lamentada por
todos os brincantes e que nós, da Comissão Organizadora do VIII Festival,
apelamos, no sentido de que o sr. José Silvestre venha tomar a frente do
referido conjunto, conforme é vontade dos mesmos, ainda não realizou seu
ensaio. Ontem à noite, grande número de brincantes esteve em nossa redação, no
sentido de que formulássemos esse convite ao sr. José Silvestre, para que o
mesmo, único conhecedor do ritmo e passos da tão querida dança que conquistou
brilhantemente o título do ano passado e reuniu para si um grande número de
adeptos, venha a dirigi-los como aconteceu anteriormente.
No dia 6 de junho, sábado, o Jornal do Folclore n° 42, em
novo editorial folcloricamente cabotino, voltava a soltar os cachorros contra o
jornalista Bianor Garcia, dando a impressão de que o editorialista já tinha
ciência de que o jornalista não fazia mais parte da organização do festival:
Hoje,
o leitor encontrará neste modesto jornal dedicado especialmente ao movimento
folclórico do Amazonas, um ligeiro histórico documentado dos festivais
folclóricos de Manaus, a começar de 1946. Não pretendemos fazê-lo de modo
exaustivo, pois se assim fosse roubaríamos espaço de outros assuntos não menos
importante. É só uma ligeira referência para conhecimento dos interessados.
Naqueles tempos os festivais não possuíam os nomes que hoje têm – eram
realizados durante certos arraiais, ou mesmo propositadamente, mas sempre com o
auxílio direto dos poderes constituídos, na forma de taça aos grupos
vencedores, de transportes para os brincantes. Lembramos que auxiliaram esses
festivais os drs. Aluísio Brasil, Chaves Monteiro, Álvaro Bandeira de Melo,
então prefeitos municipais.
Nesses
festivais notava-se a presença principalmente de bois e pássaros, quadrilhas
poucas e pastorinhas. O povo comparecia seguidamente à praça do General
Carneiro, da rua de Ajuricaba, da avenida de João Coelho esquina da rua de
Leonardo Malcher, e desta com a de
Getúlio Vargas, à então Festa da Mocidade, e a outros locais como o Parque
Amazonense, com a mesma receptividade, o mesmo carinho, apesar de serem esses
locais às vezes mais distante, depender de bonde, etc. Houve um tempo em que
certos clubes recreativos tomavam os arraiais sob patrocínio, como o
Internacional, o Satélite. Não é de hoje, portanto, a ocorrência desses
festivais, como se poderá ver pelo calendário que publicamos. Nem se justifica
o privilégio defendido aos gritos e clamores por certo cidadão que se intitulava
nababescamente “inventor” dos festivais folclóricos de Manaus, quando de 1946 a
1956 tais festivais vinham sendo realizados em vários pontos da cidade com o
mesmo ajuntamento de povo, posto que com menor número de grupos originais.
E quem
introduziu o folclore regional diferente, fora do comum, nesses e noutros
festivais, foi o secretário da Comissão Amazonense de Folclore, chamando as
tradições folclóricas do interior para a cidade, a fim de que essas tradições
fossem conhecidas melhor e difundidas. Não com o propósito de “abrilhantar” os
festivais. Não com este fim, mas com o objetivo de divulgar e de ensinar. Este
sim, deve ser a finalidade dos festivais. Entretanto, ocorre o contrário. Todos os anos os portadores de folclore querem aparecer com uma inovação
(excetuando-se os bois, pássaros e tribos), a fim de sobressair-se aos demais.
É um erro. O folclore só pode sobreviver se houver continuidade, e essa
continuidade, repetimos mais uma vez, é que faz a tradição. A tradição firma-se
no conhecimento do povo e se transmite. Essa é que é a lição a ser observada.
Essa é que deveria ser a sistemática dos festivais: educação pela observância e
não recorrência a recursos exibitórios. É por tudo isso que vimos lutando
danadamente.
Calendário
dos Festivais Folclóricos de Manaus:
Em 1946 – Local: Avenida de João Coelho canto com a rua de Leonardo Malcher. Promotores: Bar Balalaika e Prefeitura Municipal, com taças e prêmios de Cr$ 300,00 ao vencedor (bois).
Em 1947, 1948, 1950, 1951, 1952 e 1953 – Local: Praça de General Carneiro. Promotores: Internacional Futebol Clube e Prefeitura Municipal. Prêmios: taças.
Em 1948, houve concursos em três lugares diferentes, incluindo o Parque Amazonense.
Em 1950, houve um concurso de pastorinhas e pastoris na Festa da Mocidade.
Em 1949 e 1954 – Local: Avenida de Ajuricaba. Promotores: Prefeitura Municipal. Prêmios: taças.
Em 1946 – Local: Avenida de João Coelho canto com a rua de Leonardo Malcher. Promotores: Bar Balalaika e Prefeitura Municipal, com taças e prêmios de Cr$ 300,00 ao vencedor (bois).
Em 1947, 1948, 1950, 1951, 1952 e 1953 – Local: Praça de General Carneiro. Promotores: Internacional Futebol Clube e Prefeitura Municipal. Prêmios: taças.
Em 1948, houve concursos em três lugares diferentes, incluindo o Parque Amazonense.
Em 1950, houve um concurso de pastorinhas e pastoris na Festa da Mocidade.
Em 1949 e 1954 – Local: Avenida de Ajuricaba. Promotores: Prefeitura Municipal. Prêmios: taças.
No VIII Festival Folclórico do Amazonas, o auxílio
financeiro dado pelo governo ficou assim distribuído. Bumbás: Cr$ 80 mil (em
valores de hoje, R$ 6.400,00). Garrotes, Tribos e Quadrilhas adultas: Cr$ 60
mil. Quadrilhas mirins: Cr$ 20 mil. Danças regionais e Pássaros: Cr$ 30 mil. O
prêmio dos vencedores de cada categoria seria o dobro desses valores.
Em termos comparativos, a ajuda financeira aos grupos
folclóricos havia regredido para menos da metade do que eles haviam recebido no
último ano do governo de Gilberto Mestrinho. O governador Plinio Coelho
atribuiu o problema à baixa arrecadação estadual de tributos devido à
desaceleração econômica do país e ao aumento da carestia.
Foram inscritos 39 grupos, com aproximadamente 5 mil
brincantes:
Bumbás: Caprichoso, Pai do Campo, Tira Prosa e Mina de Ouro.
Garrotes: Teimosinho, Malhado, Luz de Guerra, Tira Teima,
Pingo de Ouro, Canarinho e Dominante.
Pássaros: Bem-te-vi, Japiim e Corrupião.
Tribos: Iurupixunas, Andirás e Amazonas.
Danças regionais: Imperiais, Dança do Tipiti, Dança do
Jacundá-Camaleão Suim, Dança do Arara-Desfeiteira, Maracatu de Pernambuco e
Rancho das Rosas.
Quadrilhas adultas: Flor do Plano, São João na Roça,
Camponeses, Araruama na Roça, Cunhantans Purangas, Asa Branca, Rancho Alegre,
Glorianos na Roça, Flor Selvagem, Primo do Cangaceiro e Cabras do Lampião.
Quadrilhas mirins: Dança de Roda e Brincadeiras Infantis, Caiçaras
na Roça, Brotinhos de Amanhã, Caboclinhos de Brasília e Filhos do Cangaceiro.
Por meio de sorteio, o bumbá Caprichoso, que estava
completando 52 anos de existência, foi escolhido para abrir o desfile
inaugural, seguido pela Quadrilha Flor do Plano, Tribos dos Iurupixunas,
Pássaro Bem-te-vi, Garrote Teimosinho e Dança do Tipiti. O bumbá Mina de Ouro
seria o último a desfilar.
Também, por meio de sorteio, ficou decidido que o bumbá Tira
Prosa mostraria o auto completo do boi, incluindo a matança, mas que esse
último item não contaria pontos para o julgamento.
O grande ausente do VIII Festival foi o bumbá Corre Campo.
Em carta endereçada aos organizadores, Astrogildo Pereira dos Santos, o popular
Mestre Tó, informou que sua mãe estava muito adoentada e já desenganada pelos
médicos. Ele havia prometido dedicar todo o seu tempo à genitora, sem se
afastar um só minuto de sua cabeceira, e, por esse motivo, não teria condições
psicológicas de colocar o boi na rua.
Entre as novidades daquele ano, o Pássaro Bem-te-vi,
ensaiado pela famosa Mãe Joana Galante, de São Jorge, que voltava a se
apresentar depois de 18 anos de ausência, e o grupo Danças de Roda e Jogos
Infantis, ensaiada pelo professor Isidoro Barbosa (o famoso “Titio Barbosa”,
que apresentava um programa radiofônico na Rádio Rio-mar intitulado “Teatrinho
Infantil”), que pretendia fazer a plateia empreender um verdadeiro mergulho na
infância a partir de brincadeiras tradicionais como “Chicotinho queimado”,
“Ciranda, cirandinha”, “Fui no Tororó” e “Terezinha de Jesus”.
A carismática Joana Almeida dos Anjos, nome verdadeiro da
Mãe Joana Galante, foi a babalorixá mais famosa de Manaus, tendo sido
preceptora da Mãe Zulmira, do Morro da Liberdade.
Vinda do Pará, ela foi morar na Rua Leonardo Malcher e depois se mudou para o bairro de São Jorge.
Vinda do Pará, ela foi morar na Rua Leonardo Malcher e depois se mudou para o bairro de São Jorge.
Personalidade carismática, Mãe Joana nasceu em 28 de junho
de 1910 e iniciou seus trabalhos com a umbanda e o candomblé ainda aos 28 anos
de idade.
Festeira, recebeu o nome de Galante, por ter sido madrinha e patrocinadora do Boi-Bumbá Galante, do Boulevard Amazonas.
Festeira, recebeu o nome de Galante, por ter sido madrinha e patrocinadora do Boi-Bumbá Galante, do Boulevard Amazonas.
O enredo do Pássaro Bem-te-vi, apresentado pela Mãe Joana,
contava a seguinte história:
Em uma floresta existia um lindo Bem-te-vi e um caçador, ao
saber da existência de tão bela ave, resolveu caçá-lo. Ao saber que o audacioso
caçador havia penetrado em sua floresta, o Princípe e a Princesa ordenaram
rapidamente ao Guarda do Bosque que fosse chamar o Tuxaua de uma tribo, para o
qual entregaram a pequena ave fazendo-o jurar que a protegeria com sua própria vida.
O Tuxaua leva o Bem-te-vi para a sua maloca, mas o esperto
Caçador, com a ajuda de uma Feiticeira, faz a tribo inteira adormecer, após os
índios ingerirem uma bebida chamada caulim, facilitando a entrada do caçador na
maloca para atirar na ave.
Neste momento, o Guarda Bosques que por ali passava ouviu o
estampido do tiro e correu para a maloca, encontrando apenas o passarinho quase
morto. Um Matuto, que também correu para o local, presenciou a mesma cena que o
Guarda do Bosque e, juntos, foram avisar o ocorrido para o Príncipe e a
Princesa.
O Príncipe, indignado, ordenou que o Guarda do Bosque
trouxesse à sua presença, presos, o Caçador e a Feiticeira. A Feiticeira, entretanto, havia se escondido.
Após passar o efeito da bebida, os índios também tomam conhecimento do
acontecido e, enfurecidos, saem em busca do Caçador.
Ele é levado preso à presença do Príncipe e, então, pede
perdão pelo seu ato tresloucado. O Príncipe, que era piedoso e tinha bom
coração, diz que só liberta o Caçador se ele fizer o Bem-te-vi voltar a viver.
O Caçador pede ao Soldado para chamar o Doutor. Depois de
examinar detidamente o passarinho, o Doutor diz que a cura dele está além da
sua ciência e que nada pode fazer para trazer de volta a vida da avezinha.
Escutando a conversa do Doutor, o Matuto diz que conhece um
macumbeiro, que seria capaz de fazer o passarinho ficar bom.
O Príncipe, desejando ardentemente que o pássaro reviva,
ordena ao Matuto para chamar o tal macumbeiro, na verdade um Pajé, que chega
rapidamente, pondo-se a fazer seu trabalho por meio de cânticos, chamando um de
seus espíritos.
O Doutor, ao ver aquela invocação, põe-se a dar gargalhadas
zombeteiras e o Pajé, vendo a zombaria do doutor, passa a sua espada sobre a
cabeça do mesmo, fazendo-o incorporar um espírito e entrar na dança.
Ao término da dança, o Pajé faz a entrega do pássaro com
vida ao Príncipe e depois da lição dada ao Doutor, retira o espírito do mesmo,
que voltando a si, envergonhado e encabulado, some rapidamente do local.
Depois de liberto, o Caçador promete nunca mais voltar à
floresta e, ao sair, encontra a Feiticeira, que já o esperava, e os dois vão
embora, juntos.
O Guarda do Bosque, juntamente com o Matuto e seu filho,
começam a canta uma música de despedida de muita graça e ritmo, e todos os
brincantes se despedem do público cantando e dançando.
Para julgar os participantes do VIII Festival, a Empresa
Archer Pinto Ltda delegou poderes ao Padre Raimundo Nonato Pinheiro, homem
culto e de profundos conhecimentos sobre o folclore, para reunir os juízes que
integrariam a Comissão Julgadora e definir os critérios de julgamento.
A Comissão Julgadora ficou constituída pelo coronel João
Walter (presidente), desembargadores Leoncio Salignac, João Rebelo Correa e
João Pereira Machado, acadêmicos Padre Nonato Pinheiro, Aderson de Menezes e
Aristophanes Antony, jornalista Satyro Barbosa e professor Garcitilzo do Lago e
Silva.
Também ficou estabelecido que, entre os grupos vencedores de
cada categoria, seria escolhido o campeão oficial do festival, com direito a
uma gigantesca taça de bronze ofertada pela própria Empresa Archer Pinto.
A posse da taça seria provisória, tornando-se definitiva se
um grupo folclórico obtivesse duas vitórias consecutivas ou três vitórias
intercaladas, a partir daquele ano.
No dia 13 de junho, sábado, o general Castelo Branco anunciou
uma nova lista de cassações, que pretendia ser a última, de acordo com o AI-1,
atingindo dezenas de pessoas, entre as quais 11 parlamentares, o governador do
Amazonas Plínio Coelho e quatro ex-ministros de João Goulart.
Nesse mesmo dia, foi criado o Serviço Nacional de
Informações (SNI), com a finalidade de assessorar o presidente na orientação e
coordenação das atividades de informação e contra-informação, em particular
aquelas de interesse para a segurança nacional. Assumiu a chefia do novo órgão
o general Golberi, que ali permaneceria durante todo o governo Castelo.
No dia seguinte, 14 de junho, domingo, o programa de
abertura do festival deveria ser cumprido à risca conforme havia sido estabelecido pelos
organizadores:
15h30: Chegada ao palanque oficial da Comissão Julgadora do
certame.
15h45: Início do desfile dos grupos folclóricos.
16h45: Saudação e agradecimento da Empresa Archer Pinto Ltda.
17h: Abertura solene pela palavra do prefeito Josué Cláudio de Souza.
17h15: Saudação do governador Plinio Coelho ao povo em geral.
17h3: Apresentação dos membros da Comissão Julgadora do Festival e palavra de seu presidente.
17h45: Apresentação especial do Coral João Gomes Junior.
15h45: Início do desfile dos grupos folclóricos.
16h45: Saudação e agradecimento da Empresa Archer Pinto Ltda.
17h: Abertura solene pela palavra do prefeito Josué Cláudio de Souza.
17h15: Saudação do governador Plinio Coelho ao povo em geral.
17h3: Apresentação dos membros da Comissão Julgadora do Festival e palavra de seu presidente.
17h45: Apresentação especial do Coral João Gomes Junior.
Quando Plinio Coelho ainda estava discursando, entretanto,
surgiu no evento o coronel José Alípio de Carvalho, comandante do 27º BC, e
informou ao chefe da Casa Civil do governador que Plinio estava deposto por ter
seus direitos políticos cassados.
Informado da situação, o governador não reagiu. Ele concluiu
seu discurso se despedindo do povo de Manaus e, em companhia do coronel Carvalho,
se dirigiu à casa do general Jurandir Bizarria Mamede, comandante militar da
Amazônia, onde tomou ciência oficial de que havia sido cassado no dia anterior
pelo general Castelo Branco.
O governador ficou pálido, cinza, bege, tom-sobre-tom, mas
ainda assim não esboçou qualquer resistência. Em companhia de alguns
secretários estaduais, Plinio Coelho foi comboiado ao Palácio Rio Negro pelo
general Mamede, onde deu posse ao deputado estadual Anfremon Monteiro como novo
governador do Amazonas, por volta das 22 horas.
Na segunda feira, 15 de junho, primeiro dia da competição,
um forte aguaceiro desabou sobre a cidade o dia inteiro, entrando pela noite, e
as apresentações foram suspensas. Os grupos escalados para a segunda feira se
apresentaram juntos com os grupos escalados para terça feira, num total de sete
apresentações. Foi o único incidente sério que ocorreu no festival daquele ano
(descontando-se, evidentemente, a deposição do governador).
Entre as atrações especiais mais aplaudidas pelo público,
destacou-se o grupo dos “Aqualoucos”, ensaiados pelo tenente Cavalcante, que
fizeram uma série de saltos ornamentais e acrobáticos de tirar o fôlego,
sozinhos ou em grupos, na piscina do estádio.
Entre os convidados especiais, a nova diretora do Serviço
Nacional de Teatro, Barbara Heliodora, crítica de teatro do Jornal do Brasil,
teatróloga e tradutora renomada.
Muito aplaudida pelo público presente, Barba Heliodora pediu
para ser fotografada junto a alguns grupos regionais, mas entrou em pânico
quando se aproximou dela uma índia da Tribo dos Andirás trazendo uma inofensiva
jiboia enrolada no corpo.
A crítica teatral recebeu um diploma de participação
ofertado por Maria de Lourdes Archer Pinto e elogiou muito a originalidade dos
grupos presentes no festival.
Eleito pela Assembleia Legislativa do Amazonas para
substituir o governador Plínio Ramos Coelho, o historiador, escritor e
professor Arthur Cézar Ferreira Reis participou da festa de encerramento do
VIII Festival, fazendo um breve discurso logo após a saudação do prefeito Josué
Cláudio de Souza. Foi ovacionado por quase 80 mil pessoas presentes no Estádio
General Osório.
Na sequência, a Comissão Julgadora, após a apuração de todas
as notas, proclamou os seguintes campeões por categorias:
Bumbá: Pai do Campo.
Garrote: Luz de Guerra.
Quadrilha adulta: Cabras do Lampião (que com seus 126 pares
luxuosamente fantasiados, também foi eleita “Campeã dos Campeões”, ficando com a posse provisória do troféu alusivo ao título).
Quadrilha mirim: Brotinhos de Amanhã.
Tribos: Iurupixunas e Andirás.
Pássaros: Japiim e Bem-te-vi.
Dança regional: Dança dos Imperiais.
Rainha do Festival: Ana Cláudia (“Maria Bonita” da Quadrilha
Cabras do Lampião).
Rainha de Beleza: Maria Paula (Dança do Tipiti).
Rainha Mirim: Elizabeth Oliveira (Filhos do Cangaceiro).
Nesse meio tempo, o “papa do folclore tupiniquim”, por meio
de sua solitária trincheira no boletim Jornal do Folclore, não cansava de
arrotar bacaba sobre a possível ignorância do apresentador das danças que se
exibiam no festival.
No nº 45 do boletim, publicado no dia 27 de junho, sábado,
sob o título de “Reparos oportunos”, escreveu esse texto:
Um
locutor, durante a abertura oficial do VIII Festival Folclórico, referindo-se
aos grupos que desfilavam, disse umas coisas que nós resolvemos retificar com o
objetivo sadio de orientar:
TIPITI
– Não é uma dança exclusivamente amazônica nem está influenciando outros povos,
como disse o locutor. Já escrevemos neste mesmo jornal, declarando sua
universalidade. Apenas o nome “tipiti” é amazônico, bem como alguns itens da
dança.
CAMALEÃO
– O locutor estranhou o seu aparecimento no festival, dizendo nunca haver
aparecido nos outros festivais. É um equívoco: surgiu o ano passado, ensaiado
por nós.
IMPERIAIS
– Lembramos ao locutor que a dança não se filia ao gênero tribo, como ele
disse, porque esta é de brincantes travestidos à indígena. O mesmo locutor estranhou estarem os
brincantes “com a cara pintada de branco”.
Referindo-se
à quadrilha CUNHANTÃS PURANGA, privou-a da acepção feminina, dizendo “O
Cunhantã Puranga”. Lembramos ao locutor que cunhantã é menina.
Foi
decerto um grande sabido que soprou para o locutor que a festa dos índios era
denominada “putirum”. Engano: é
dabacuri.
Lá
para as tantas, o locutor referiu-se a uma “tribo de Gambá”, que não existe.
Existe a dança de mesmo nome.
Um dos
oradores, atribuindo-se conhecimentos de folclore de que nós nos admiramos
justamente por desconhecer-lhe qualquer experiência no assunto, atribui ao
festival a natureza de “congresso”.
PREVENÇÃO
– A Comissão Nacional de Folclore não possui nem divulgou qualquer norma
técnica para julgamento de grupos folclóricos, mesmo porque, conscientemente, ela
desaprova esses concursos, contrários à ética folclórica. Portanto, toda e
qualquer referência à Comissão Nacional de Folclore, divulgada em público, como
vem sendo feita, é mero recurso explorativo, sem nenhuma validade. Que se faça
o julgamento como melhor pareça, vá lá, mas que se meta a Comissão Nacional do
Folclore numa atividade a ela completamente estranha é ir além da ética. Que
exibam os promotores dos festivais qualquer documento nesse sentido, para que
nós saibamos ao menos o que está ocorrendo, pois até hoje ignorávamos que a
Comissão Nacional do Folclore estivesse interessada em concursos dessa
natureza. E se estivesse seríamos nós os
primeiros a haver conhecimento dos fatos. Em todo caso, a Comissão Amazonense
de Folclore vai pôr-se em contato com a CNF, a fim de aclarar a questão.
Como as críticas do renomado folclorista não repercutiram
além das duas centenas de leitores do jornal A Gazeta, ele voltou à carga no
Jornal do Folclore nº 46, de 4 de julho, com nova pérola de cabotinismo
pernóstico:
Terminaram
as festas juninas e também o VIII Festival Folclórico, organizado sem a
necessária visão e o conhecimento de uma técnica de base. O resultado não foi
nada promissor. A crítica popular que o diga. Faltaram os melhores grupos, os
grupos também representativos do nosso folclore legítimo. Ouvimos dizer – e o
registramos sob reserva – que o brigue Independência foi riscado do programa
sob o pretexto de que circulava pelo carnaval e portanto não era folclore. A
ser verdade essa história, isso marca um capítulo novo no conhecimento da
ciência, um capítulo que nós ignorávamos. Uma das coisas mais fúteis que
observamos foi a notícia publicada de que o grande folclorista Luís da Câmara
Cascudo havia declarado que o “nosso festival era a mais linda festa típica do
Brasil” (lugar comum sem variações), como se na verdade o homem tivesse vindo
cá e assistido a coisa.
No
final do festival, houve como prêmio de consolação um sururuzinho entre grupos,
para reafirmar, mais uma vez, o que sempre dissemos: folclore é espontâneo e
toda e qualquer intromissão de leigos só poderá degenerar em anarquia. Uma
outra situação desfavorável se exprime no fato de que houve um julgamento feito
sem nenhuma técnica e o jornal promotor chegou ao cúmulo de dizer que esse
julgamento era de acordo com o exigido pela Comissão Nacional de Folclore. Na
verdade, a Comissão Nacional de Folclore nunca expôs razões a esse respeito nem
reconhece qualquer situação idêntica nem muito menos os nomes dos “estudiosos”
do Folclore que tomaram parte naquela comissão julgadora, mesmo porque eles
jamais escreveram sobre folclore. E assim vai indo, de vento em popa, o nosso
folclore, desmantelado, anarquizado.
A
Comissão Amazonense de Folclore fez bem em não se meter naquilo. Nenhum membro
dela tomou parte na comissão julgadora. E o que vaticinamos antes, verificou-se
depois: os protestos dos grupos são justos. E se não houve mais protestos é
porque os dirigentes de grupos desconhecem, ignoram as próprias situações. O
erro mais triste que houve foi classificar-se em primeiro lugar a Dança dos
Imperiais, metida à força numa chave em que apareciam o Tipiti, o Camaleão e o
Jacundá. Isso prova que os membros da comissão julgadora desconhecem o
verdadeiro folclore amazônico e a diversidade deles. Mais uma para a história
dos Festivais.
No dia 11 de julho, no matutino O Jornal, o professor José
Braga, responsável pela Dança dos Imperiais, exibida pelos alunos do Instituto
de Educação do Amazonas (IEA), publicou um artigo intitulado “Qual o erro,
professor?”, questionando o abusivo comentário feito anteriormente pelo
renomado folclorista:
Leio
sempre o seu Jornal do Folclore, professor Mário Ipiranga, inserto em “A
Gazeta”. O do dia 4, nas críticas ao VIII Festival Folclórico, diz que “o erro
mais triste que houve foi classificar-se em primeiro lugar a Dança dos
Imperiais, metendo-a à força numa chave em que apareciam o Tipiti, o Camaleão e
o Jacundá”.
Sabe o
meu ilustre amigo que sou o responsável, como professor, pelo grupo de moças e
rapazes do Instituto de Educação, que mostrou a Dança dos Imperiais naquele
festival.
Sua
crítica roubou-me a mim e a meus alunos, que ainda exultávamos – menos pela
classificação no concurso do que pelo brilho de nossas duas apresentações ao
público durante as festas juninas –, a alegria e o entusiasmo.
O
amigo sabe também – e se não quis dizê-lo o fez por modéstia – que a dança foi
escolhida sob sua orientação e ensaiada, no ano passado, com o seu concurso,
havendo o sr. José Marques, que é filho de Tefé, município onde ainda hoje
subsiste a Dança dos Imperiais como exemplo de cultura, contribuído de modo
decisivo para a sua organização.
Procurei
formar um grupo o quanto possível autêntico, observando todas as instruções que
me deu o amigo. Até mesmo a descrição feita por mim no VIII Festival foi fiel
àquilo que aprendi com o folclorista.
Por
tudo isso, caro professor Mário Ipiranga, surpreendi-me ao ler o seu “Paleio no
Copiar” do sábado passado. Gostaria mesmo que o amigo esclarecesse melhor se o
“erro” está em haverem os promotores do festival incluído a Dança dos Imperiais
na chave do Tipiti, Camaleão e Jacundá, assim impedindo, pela diversidade dos
grupos, um julgamento equânime ou se consiste na falta de condições do conjunto
para a classificação que lhe coube.
É que
não temos motivo, os moços do Instituto de Educação e eu, para envergonhar-nos
do título que, em podendo ser de qualquer dos participantes do VIII Festival,
nos coube, ainda que a presença do colégio naquela festa não tivesse outro
objetivo senão o de oferecer a sua mensagem de cultura ao público que a
apladiu. Um abraço, professor.
Mostrando mais uma vez que “cão que ladra, não morde”, Mário
Ypiranga Monteiro preferiu meteu a viola no saco a continuar a polêmica e fez
quase um humilhante pedido de desculpas públicas ao professor José Braga,
conforme pode ser lido no Jornal do Folclore nº 48, de 18 de julho:
O
nosso comentário de sábado retrasado, sobre a vitória do grupo “Imperiais”, no
último festival, provocou o artigo do professor José Braga, inserto n’O Jornal
do dia 11 de julho, sob o título “Qual o erro, professor?”, a que respondemos
no jornal A Gazeta, de 14 de julho. Publicamos a seguir a nossa resposta, que agradou
não somente ao articulista, mas a muita gente que, embora não sendo entendida
em folclore, aprecia discussões em torno do assunto. Eis a nossa resposta:
O
professor José Braga, a quem eu tenho em alto merecimento, escrevendo na edição
de O Jornal de 11 do corrente, me força a uma explicação sobre o conteúdo do
“Paleio no Copiar”, do Jornal do Folclore, de sábado atrasado. Parece-me que
ele supôs haver eu feito severas restrições à apresentação do grupo
“Imperiais”, grupo que, afinal de contas, me é caro e para cuja exibição
contribui com uma modesta parcela de meus conhecimentos do folclore amazonense.
Posto que contrário, por muitas razões, ao processo de competições folclóricas
(razão ver que a Comissão Amazonense de Folclore deixou de tomar parte no
festival), acho que a vitória do grupo “Imperiais” foi justa, de um certo ponto
de vista que o professor José Braga já conhece. Quanto a esta parte, está tudo
Ok. Nada há que aduzir: o grupo “Imperiais”, no seu gênero, entrou no tablado
sem competidores.
O que
ocorreu foi simplesmente isso: meteram à força, numa chave, quatro grupos que
mereciam primeiramente ser estudados nos seus diversos itens, tal se juntassem
alhos com bugalhos. Se o professor me entendeu bem, sacrificaram uma dança
tipicamente regional, o “Jacundá”. E como nem o “Jacundá” nem o “Imperiais” são
do mesmo gênero, restavam dois grupos, “Camaleão” e “Tipiti”. Vai daí que estes
dois também não formavam parelha. Então, o caro professor José Braga deve estar
compreendendo que todos os quatro grupos entraram no páreo vencedores, com
direito, cada um, ao seu prêmio. Morou?
Infelizmente,
folclore não é futebol, coisa fácil de ser posta em chaves. Estudioso de
folclore não se improvisa da noite para o dia. Consequentemente, se o meu
simpático grupo “Imperiais” ganhou justamente um prêmio, injustamente deixou-se
de conferir prêmio a quem a ele fazia jus. Essas injustiças continuadas
provocam uma reação nos grupos. Muitos deixarão de comparecer a esses torneios
absurdos para não sofrerem humilhações. É por isso que quem estuda Folclore
estuda também Psicologia. Eu previ o que iria acontecer quando li a tal chave.
Uma aberração. O erro não foi seu, caro professor José Braga. O erro gritante é
de quem se improvisa, por vaidade, entendedor de assunto que eu há mais de
trinta anos estudo e acho que ainda estou encontrando surpresas...
Louvo
a sua dedicação e o desempenho dos alunos do Instituto de Educação do Amazonas,
a quem, mais uma vez, cumprimento pela vitória e pela apresentação magnífica,
posto que, como sempre, seja contrário a disputas. E para os perdedores,
“Jacundá”, “Camaleão” e “Tipiti”, só posso oferecer palavras de estímulo e de
conforto. Até para perder é preciso possuir dignidade. Que tenham paciência.
Desta vez ainda calaram sobre um Convênio e uma Lei de Estado, desprestigiando
a Comissão Amazonense de Folclore. Um dia aparecerá alguém que lhe fará a
merecida justiça, isto é, quando nesses festivais houver verdadeiros amigos da
ciência. (Mário Ypiranga Monteiro).
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