Depois da Ciranda do Sólon de Lucena, a segunda ciranda
criada em Manaus foi a da Escola Senador Lopes Gonçalves, que participou do
Festival Folclórico de 1965.
A brincadeira trazida de Tefé conquistou o coração dos
manauaras e, de repente, começaram a surgir cordões de cirandeiros em
praticamente todos os bairros da cidade, a maioria deles sendo ensaiado nas
escolas públicas.
Nas primeiras apresentações da Ciranda, os brincantes
utilizavam roupas bem comportadas exatamente iguais às dos brincantes das
quadrilhas juninas.
As mulheres brincavam de blusa com babados e mangas soltas,
saias rodadas, estampadas, terminando abaixo dos joelhos, com anáguas de renda,
meia “arrastão” até o joelho e calçolão.
Já os homens usavam camisas com estampas combinando com a
saia da respectiva dama e calça preta, branca ou azul enrolada até o meio da
canela, no estilo “pescador’.
Ambos dançavam de chapéu de palha de abas curtas, as
mulheres de sapatilhas artesanais (ou descalças) e os homens de alpercatas (ou
descalços).
As demais figuras do auto, evidentemente, possuíam um
figurino próprio.
A Mãe Benta se vestia de baiana tradicional tipo vendedora
de acarajé.
O Caçador, de camisa lisa social e calça preta de bainha no
estilo “pega-marreca”. Ele também usava chapéu de palha, bota sete léguas e
espingarda.
O Carão usava uma roupa imitando o pássaro original, com
plumagem negra e outros enfeites. O Galo Bonito também era a imitação de um
autêntico galo de terreiro.
Constância se vestia como uma dama da corte imperial.
Seu Manelinho e Seu Honorato usavam as roupas de um
ribeirinho comum (o primeiro se diferenciava do segundo porque estava sempre
com uma garrafa de pinga na mão e dançava como se estivesse muito bêbado).
No dia 15 de março de 1976 (há controvérsias a respeito da
data!), também sob a orientação do professor José Silvestre, foi criada a
Ciranda do Colégio Estadual Ruy Araújo, na Cachoeirinha, que se tornou a maior
campeã da história do Festival Folclórico do Amazonas de todos os tempos.
Para se ter uma pálida ideia da performance da ciranda, somente
sob a presidência de Adelson Cavalcante, o “Adelson da Ciranda”, a Ciranda do
Ruy Araújo conquistou 12 títulos consecutivos e é até hoje a única Supercampeã
do Festival por ter obtido, em uma das edições, mais pontos do que todos os
demais conjuntos campeões das diversas categorias.
E aqui começa uma nova divergência. Segundo meu mano Mário
Colorau, que participou da brincadeira durante vários anos, foram as meninas do
Ruy Araújo que diminuíram o tamanho da saia rodada até se transformar em uma
microssaia supersexy e, na sequência, aposentaram o calçolão em troca de minúsculos
shorts de helanca.
A mudança aconteceu em meados dos anos 80, segundo ele,
influenciada pelo filme “Fama”. Explicando melhor: algumas brincantes
assistiram ao filme e resolveram participar do ensaio da brincadeira na quadra
do Ruy Araújo trajando collant de malha e saiote, tal como fazia umas das
heroínas do filme.
De acordo com as pioneiras, a nova roupa de ensaio, por ser
mais leve, dava uma maior liberdade de movimentos. Para replicarem a roupa de
ensaio na roupa oficial da Ciranda foi conta de multiplicar.
Em vez das cafonas meias de arrastão, as meninas do Ruy Araújo
também passaram a utilizar uma espécie de “perneiras” sanfonadas, feitas do
mesmo tecido das microssaias, que vai do tornozelo ao joelho. “Foi uma forma de diminuir o apelo sexual das
microssaias”, recorda Mário Colorau.
A inovação foi tão bem recebida pelo público (principalmente
pelo público masculino, of course!), que acabou se transformando no uniforme
“oficial” das cirandeiras manauaras.
A Ciranda do Ruy Araújo continua em plena atividade até os
dias de hoje e costuma realizar seus ensaios na quadra do GRES Andanças de
Ciganos.
Quem também reivindica a primazia de ter encurtado a saia
das cirandeiras é outro grupo folclórico muito conhecido na cidade.
Fundada em 6 de março de 1986, na Cachoeirinha, por Raimundo
dos Santos Cruz (“Binha”), Aldeir dos Santos Cruz e Alcistanley Figueiredo,
todos ex-brincantes da Ciranda do Ruy Araújo, a dança Brotinhos da Ciranda foi
criada com a intenção de se apresentar exclusivamente em festivais de bairros,
escolas públicas e entidades filantrópicas.
O grupo possui fotos para provar que foi a primeira Ciranda
de Manaus a utilizar as famosas microssaias, mas reconhecem que a criação das “perneiras”
foi mesmo iniciativa da Ciranda do Ruy Araújo.
A explicação para o encurtamento das saias das cirandeiras?!
Não, não havia nenhuma questão sociológica permeando o assunto: é que as meninas tinham as pernas bonitas e nenhuma vergonha de mostrar o que é belo. Simples assim.
Os brotinhos da Cachoeirinha, modéstia à parte por ter nascido lá, sempre foram mesmo bastante atirados.
Em 1992, com o falecimento de Raimundo Santos Cruz, sua
família assumiu a direção da dança e, com a concordância dos brincantes, mudou o
nome para Ciranda do Binha, como homenagem ao seu mestre fundador.
Em 1997, a Ciranda do Binha saiu da Cachoeirinha e passou a
realizar seus ensaios no bairro de Santo Agostinho.
Em 2008, a ciranda criou um segundo local de ensaio, no
bairro Lírio do Vale II.
Nas apresentações oficiais, os dois núcleos de brincantes
(Santo Agostinho e Lírio do Vale II) se apresentam em conjunto fazendo da
Ciranda do Binha uma das grandes sensações do Festival Folclórico do Amazonas.
Ela também foi uma das pioneiras em criar novas músicas para
suas apresentações e utilizar grandes alegorias para melhor retratar seus
enredos, que depois foram replicadas pelas cirandas de Manacapuru.
Outros cordões folclóricos da brincadeira em Manaus, que
merecem ser aplaudidos de pé por serem deliciosamente sexys são os seguintes:
Ciranda A Grande Família, Ciranda Sensação da Raiz, Ciranda do Japiim, Ciranda
do Amor, Ciranda Força Jovem, Ciranda Brotinhos do Coroado, Ciranda do Parque
Dez, Ciranda Mocidade, Ciranda Tradição da Ciranda, Ciranda da Visconde, Ciranda Tradição do Parque 10,
Ciranda Explode Coração, Ciranda Sedução, Ciranda Encanto Cirandeiro, Ciranda
Flor do Ouro Verde, Ciranda Emoções, Ciranda Sonho de Cirandeiro, Ciranda
Império do São José I, Ciranda Emoção do Armando Mendes, Ciranda Gaviões do
Império, Ciranda Império da Compensa, Ciranda Sedução de São Francisco, Ciranda
São Sebastião, Ciranda Independente do Coroado, Ciranda Nova Geração, Ciranda
Unidos do Mauazinho, Ciranda Guerreiros do Crespo, Ciranda Alegria de Viver,
Ciranda Fênix, Ciranda Mocidade de Educandos, Ciranda Gaviões de Prata, Ciranda
Evolução do Japiim, Ciranda do Paraíso, Ciranda Rosas de Ouro, Ciranda Sedução
de Petrópolis, Ciranda Andorinhas, Ciranda Carmegiana Matizada, Ciranda Amigos
do Jorge Teixeira, Ciranda Unidos do Coroado, Ciranda Molejo, Ciranda Amigos do
Japiim, Ciranda do Thianguá e Ciranda Imperatriz do Norte.
Em março de 1980, sob a orientação do próprio José Silvestre,
a professora Perpétuo Socorro de Oliveira levou a brincadeira de Manaus para
Manacapuru, montando a ciranda Flor Matizada na Escola Estadual Nossa Senhora
de Nazaré.
A ciranda pioneira representa os moradores do centro da
cidade e dos bairros Biribiri, São Francisco e Correnteza e, por causa de sua
localização geográfica, é considerada “a ciranda dos ricos”.
As meninas mais bonitas de Manacapuru vendem a alma ao diabo
pra brincarem na Flor Matizada.
Em março de 1986 foi fundada a Ciranda Tradicional, na
Escola Estadual José Seffair, localizado no bairro da Terra Preta.
O bairro é
famoso porque realiza há mais de 100 anos a Festa de Santo Antônio da Terra
Preta, com um dos arraiais mais bonitos do interior do Amazonas.
A ciranda representa os moradores dos bairros Terra Preta,
Cohab-Am, Policarpo de Souza, União, Morada do Sol, Palhinha e Nova Manacá.
Em março de 1993 foi fundada a ciranda Guerreiros Mura, na
Escola Estadual José Mota, no bairro Liberdade, o mais populoso da Princesinha
do Solimões.
A ciranda representa os moradores do bairro Liberdade,
Mutirões, Aparecida e Figueirinha e, por causa de sua imensa torcida, é
conhecida como “a ciranda do povão”.
Em 1997, o prefeito de Manacapuru, Angelus Figueira,
organizou o 1.º Festival de Cirandas do município, dando um caráter competitivo
às apresentações, o que proporcionou um verdadeiro salto de qualidade na
brincadeira.
As cirandas de Manacapuru introduziram novos personagens (a
Porta-Cores, equivalente à porta-estandarte dos bumbás de Parintins, e a
Cirandeira Bela, equivalente à Cunhan Poranga), novos passos (o “trançadinho” é
o mais conhecido) e um novo ritmo musical (a “cirandada”, que lembra muito o
reggaeton caribenho).
O resto, conforme se diz, é história.
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